quinta-feira, 27 de setembro de 2007
um enigma e dois coelhos
Sabor a Cai de Costas
quarta-feira, 26 de setembro de 2007
Imaginário XI - o anti imaginário
"Ó filha, preciso que cases com o Fréderic por causa de uma aliança."
"Ó papá, desculpa lá mas eu fiz esta promessa a nossa Senhora e não posso quebrar. O Fréderic não é o meu príncipe."
O rei já não sabia muito bem o que fazer, até porque aquele crochet estava a tornar-se interminável. Já tinham percorrido o reino todo à procura de novelos e a recessão por causa da falta de aliança com o reino de Frederic estava já num ponto tão mau que os impostos eram pagos em fio de algodão para que a donzela nossa princesa continuasse a cumprir a sua promessa.
Um dia, já metade do reino tinha sido transformado em campo de cultivo de algodão, não com muito sucesso por causa do clima, mas pronto, o papá rei perguntou como raio é que ela ia saber que era o seu príncipe se nunca saía de casa, nunca ia ao shopping, nunca ia para a night, não conhecia ninguém, nem sequer tinha ido para a faculdade.
"Ó papá, vê-se logo, então... ele vai mandar-me um mail a pedir para ser meu amigo no Hi5!"
"Mas ó filha, nós não temos internet!"
"Ó papá, mas isso é porque ainda não inventaram computadores. Vais ver que mais dinastia menos dinastia tudo se resolve."
O rei já não sabia o que fazer.
Resolveu entregar a regência ao seu melhor amigo e reformou-se. Foi para Marrocos e deu início à maior plantação de Cannabis do planeta. Ainda hoje é possível ver, sobrevoando os campos que foram seus, mensagens de pedidos de auxílio como "por favor, se és príncipe liga para o castelo da donzela Amarela e diz que és quem ela espera. Dão-se alvíssaras, pagas em Haxixe."
As amigas da donzela tornaram-se groupies da banda de trovadores e pensavam que todas as músicas lhes eram dedicadas. A dada altura os trovadores resolveram casar com elas só para elas ficarem em casa com os miúdos.
A mãe da donzela foi para um lar de qualidade, ou pelo menos era o que dizia a publicidade, já que quando lá chegou veio a descobrir que a Lili Caneças estava lá cheia de adesivos para lhe segurar a cara. Processou a empresa de publicidade e com o dinheiro que recebeu de indmenização de danos morais e visuais abriu uma escola de aeróbica.
Quanto à princesa donzela Amarela, das duas uma: ou nenhum príncipe sobrevoou a áera de plantação ou nenhum deles queria haxixe porque a donzela nunca saiu da torre. Também nunca ficou só, já que recorria frequentemente a serviços de acompanhamento, conforme a PJ veio a descobrir depois de investigar as contas do reino. Veio a descobrir-se também que ela passava largas horas ao telefone como padre Jeremias, já que toda a situação da promessa e depois os acompanhantes a faziam sentir-se pecadora, mas por causa dos quilómetros de crochet que já tinha não conseguia sair do quarto. Felizmente lembrou-se de deixar vaga a janela e recebia comida por lá.
E pronto. Foram felizes para sempre. Ou então não, mas também já ninguém se lembra.
Sabor a Thunderlady
terça-feira, 25 de setembro de 2007
Em Fogo 1 - Incompreensões
Sabor a Carpe Diem
segunda-feira, 24 de setembro de 2007
Vivências 12...
quarta-feira, 19 de setembro de 2007
Imaginário X
Quando foi trabalhar para aquela empresa eram poucos. Havia o Manel, o Tó, o Costa, o Álvaro, já reformados nesta altura, o Costa e o Tó já falecidos que nem tiveram tempo para gozar a reforma que foram logo levados "e por isso é que eu trabalho, parar é morrer!" - dizia sempre o Zézito - a Amália, a Mani, a Litas. Também elas já foram, a última vez que soube delas estavam a Litas com a família, a Amália num lar e a Mani tinha emigrado há anos, lá para África do Sul, ajudar o genro e a filha que tentavam uma vida nova.
A empresa já não era como ele a tinha conhecido: familiar, com gente amável, o dono a quem nunca tiveram problema em recorrer "que se for preciso, "xô" Filipe, já sabe que estamos cá e conta connosco! "
Nessa altura faziam-se festas no Natal. As esposas e esposos eram convidados, os filhos ficavam em casa e confraternizava-se como se de "iguais" se tratasse, até que o "xô" Filipe morreu de doença agravada e tudo mudou.
Zézito recordava alguns destes momentos de coração palpitante. Os seus ouvidos voltavam a encher-se de música e os seus olhos viam com nitidez o Sr. Filipe Paiva e a esposa a abrir o baile, as mesas com bolinhos e copos de bebidas diferentes. Nessas alturas não conseguia evitar que uma lágrima pesada, teimosa e irrequieta lhe descesse face abaixo para logo a seguir sentir o molhado nas mãos "olha agora, ó Zézito, então dá-te para chorar?" e logo passava o lenço de pano gasto pelo tempo nos olhos.
Agora tudo era diferente. Desde que o Sr. Filipe tinha morrido e que os filhos venderam o sítio que tudo era diferente. Tinham conseguido que eles lá ficassem, "eles", os velhos que ainda "vêem do tempo do paizinho... se os mandamos embora para onde é que vão?".
Estes miúdos novos que mandavam nisto agora não tinham respeito por ele nem pelos outros. Se a ele se preparavam para o despedir, aos outros preparavam-se para os substituir. Se a ele lhe tinham arrancado a sua rotina e achincalhado a sua dignidade, aos mais novos tiravam a vontade de prosseguir a cada dia que passava. As queixas eram muitas, as condições quase inexistentes.
Zézito era o único que restava de um tempo glorioso que aquela empresa viveu, sabia que todos o que formavam a outra parte do que considerava ser a sua família já tinham partido e ele estava só.
Em casa Zézito tinha visto Deus levar a sua Mina depois de meses de sofrimento em que não saiu de ao pé dela. Já na altura só a tinha a ela, que foi para junto de Deus e dos dois filhos que a febre levou, tão pequenos e frágeis eram, que nunca o desgosto lhe passou.
Agora Zézito aguardava a reforma para ir morar com a irmã e o cunhado lá para os lados de Portalegre, que a velhice quer-se perto da família para ter alguém na hora da morte.
Zézito estava à espera à porta do director geral quando sentiu o chão tremer. Desequilibrando-se caiu desamparado, algo lhe bateu na cabeça e antes de perder os sentidos ainda sentiu o quente do sangue escorrer pela cara e pingar no chão. Ainda conseguiu ouvir alguns berros de medo, pensou ele, enquanto tentava dizer que era só um abalo, logo passava... mas já não conseguiu.
À porta do gabinete veio a correr o Engº Silva. Chamou imediatamente uma ambulância.
Zézito teve direito a um funeral com pompa e circunstância. O Engº fez um discurso. Flores foram atiradas para a cova. Um punhado de terra. Uma oração.
Sabor a Thunderlady
segunda-feira, 17 de setembro de 2007
Vivências 11...
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
propriedade
do Lat. proprietate
s. f.,
aquilo que é pertença legítima de alguém ou sobre que alguém tem direito pleno;
(...)
Sabor a Cai de Costas
quarta-feira, 12 de setembro de 2007
Imaginário IX
Um dia entrei. Hoje em dia é um "comes e bebes". Bolos muito bons, vista ainda melhor.
Subi as escadas. Sentei-me à janela.
Demorei o olhar sobre o forte, coberto de heras que escondem pedras sólidas e centenárias, imaginando quantos lá viveram e o que lá fizeram. Quantos barcos viram chegar, quantos abraços deram, quantas lágrimas choraram.
Fixei o olhar no rio, olhei a outra margem, o areal, as gaivotas, os barcos.
Lá em baixo ouvem-se crianças a correr e vive-se o dia-a-dia da vila.
Sentada à janela imaginei-o na escola. Pequeno, franzino, imaginei-o traquina... não sei porque o imaginei traquina. Ele, que era tão calmo e compreensivo. Mas imaginei-o traquina, distraído, bom aluno e cumpridor. Apenas reguila. Imaginei-o a falar com o colega da carteira mais próxima, imaginei uma professora de carrapito branco, óculos na ponta do nariz, o mapa de Portugal pendurado ao lado do quadro de ardósia e os meninos sentados a aprender as lições.
Imaginei-o a fazer contas de somar e dividir enquanto pensava que não estava com o pai na pesca e imaginei-o chegar a casa, dar um beijo à mãe enquanto ela lhe perguntava se tinha aprendido muitas coisas. Imaginei-o com os irmãos a estudar as lições, à pressa, antes de ir fazer travessuras com os seus amigos.
Imaginei-o a sonhar com o futuro. O que seria quando fosse grande. Que gostava da pesca mas não queria ser pescador. Que queria ser mais, um sábio, estudar e aprender muitas coisas para ensinar aos filhos e aos netos. Imaginei-o a pensar que ia casar com uma moça airosa, de cabelos longos e carinhosa, que à noite, ao chegar a casa o iria abraçar e teria sempre uma goludice para ele para sobremesa.
Imaginei que falava com ele e lhe perguntava se alguma vez, sentado naquela sala, imaginou que um dia ia ser avô.
Sabor a Thunderlady
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
Vivências 10...
quinta-feira, 6 de setembro de 2007
angústia
E agora?
Sabor a Cai de Costas
quarta-feira, 5 de setembro de 2007
Imaginário VIII
A calma dele, aquela calma que fazia com que tivesse sempre um bom desempenho, aquele sorriso tímido que arrancava sempre uma resposta favorável, o modo assertivo de falar... Muitos colegas o invejavam pela proximidade distante que mantinha, sem saberem que não era forçada, era característica do seu feitio. Sem saberem o quanto ele gostaria, secretamente, de ser mais sociável, mais extrovertido, menos calado.
"Mais um dia de trabalho",
pensou Rafael,
"vai ser só mais um dia de trabalho, ninguém se vai lembrar, não terei que fingir. Só espero ter a prenda que quero".
"Parabéns Rafael!"
Gritaram todos os colegas quando ele entrou na sala do café. Seguiram-se os abraços, as pancadinhas nas costas, as piadas.
"Hã, mais um ano.. menos juízo, já se sabe"
"Então, a tua gaja? Embrulhou-se só para ti?".
Estava tramado.
"Rafael, então, pá? É só mais um ano, pá, um sorriso é só o que se pede, homem! Parece que vieste para um funeral, caramba!"Rafael sorriu, forçado. Precisava de um canto para se enfiar, onde pudesse estar sozinho. Casa de banho. Na casa de banho pode sempre estar-se sozinho. Entrou. Escolheu a divisória mais afastada da porta. Sentou-se na sanita, trancou a porta. Pôs os pés para cima. Pegou no portátil e começou a trabalhar. Era escusado. Ia falar ao chefe. Não podia estar assim.
Saiu da casa de banho. Pousou o portátil em cima do balcão, abriu a torneira. O barulho da água acalmava-o. Arregaçou as mangas da camisa, inclinou-se para a bacia, olhando sempre olhos nos olhos no espelho. Olhando-se nos olhos. A si próprio.
"O que andas a fazer, Rafael?"
perguntou-se enquanto mergulhava a cabeça debaixo da água que corria, fria.
"O que andas a fazer?"
Secou-se. Aquela situação andava a arrastar-se há demasiado tempo. Já nem sabia onde estavam.
O que começou com um beijo fugaz na sala das fotocópias havia quase 2 meses tornou-se fogo, queimava, prendia e libertava e ele não sabia como tinham chegado ali. Já não sabia se era por vício. Já não sabia se era por curiosidade. Só sabia que o desejo da carne era insuportável. A necessidade de a ver, falar com ela. A necessidade de a tocar, de a sentir.
Tinha que falar com ela. Porque para ele não passava de carne: ela dava-lhe o melhor sexo que ele alguma vez tinha tido, sem drogas, sem álcool, sem nenhum tipo de subterfúgio. Sexo, bom. Não, bom seria pouco. Sexo muito bom, como nunca tinha pensado que existia. Era apenas isso. O resto não estava programado.
Ele queria uma mulher "normal". Dona de casa. Boa mãe, com valores. Ao mesmo tempo não queria pensar isto, mas para ele era incompatível que ela fosse excelente na cama e boa mãe de família. Ela queria ter duas: a Marta para aquele sexo do outro mundo e uma rapariga que nem precisava ser linda e boazona, bastava que fosse meiga, inteligente e boa dona de casa - como a mãe dele.
Marta abordou-o no corredor, quando ele vinha ainda a secar o pescoço com o toalhete de papel:
"Preciso falar contigo".
Rafael empalideceu. Encostou-se à parede. Não era de rezar, mas rezou. Rezou porque aquilo era apenas sexo. Nem paixão havia. Sexo. Uma queca fabulosa, um cigarro no fim, o banho. O"Até amanhã, no escritório"sem um beijo sequer.
"Estou grávida."
(Originalmente publicado aqui, no Cai de Costas)
Sabor a Thunderlady