Toda a gente olhava muito bem para o bolo antes de cortar a primeira fatia. Todos procuravam atentamente o rasto da fava ou do brinde. Se detectassem o brinde tiravam uma fatia desse sítio. Se detectassem a fava tiravam mais ao lado.
Havia conversas em sussurro à volta da mesa "por acaso já viste onde está a fava?"
Depois de tirada a primeira fatia olhava-se para as duas "frentes" que o bolo tinha visíveis. Os palpites, as apostas.
Eu ainda sou do tempo em que havia quem comesse a fava para não ter que pagar o próximo bolo.
Quando chegava a última fatia e a fava ainda não estava ao pé do bolo essa fatia demorava muito tempo a ser comida. Havia quem a quisesse comer às escondidas.
Para mim era uma espécie de brincadeira.
Às vezes eu ficava com a fava e todos se riam, e eu ria também, porque sabia que era mau, mas não sabia porquê.
A minha avó fazia colecção dos brindes do bolo. Quando me calhava eu ia dar-lhe. Ela ainda tem a colecção lá em casa.
Eu sou do tempo em que só havia um Bolo-Rei na mesa porque eram muito caros.
Eu sou do tempo em que o Bolo-Rei tinha uma fava e um brinde.
Nesse tempo éramos todos mais pobres. Esse é o tempo que eu tenho saudades.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
Concreto I
segunda-feira, 17 de dezembro de 2007
Peixe Cru com desejos - Feliz Natal e um Excelente Ano Novo
sábado, 15 de dezembro de 2007
Vivências 14...
Mais um ano que finda...
Estiveram bem no teatro que andámos 1 mês a preparar e sinto um orgulho quase desmedido em vós que hoje, mais do que nunca sinto como minha família... No nosso almoço vi por fim, o sorriso de alguns de vós que desconhecia, reparei na camaradagem e senti, uma imensa felicidade de ali estar, cansada, estourada mas feliz!
Gostava de dizer que os meus "utentes" são quase meus filhos e os meus colegas e chefia quase meus irmãos e pais... sempre fará com que me sinta menos só nos dias que correm... Porém, dizê-lo não seria verdade... ainda que sentido muitas vezes a realidade é uma outra!
Não é grave. Nos dias que correm a verdade é que já pouca coisa importa e isso não é de todo mau... dá-nos uma certa liberdade, uma certa distância de tudo e todos, o que nos torna... não diferentes, não melhores ou piores... apenas mais humanos ainda que, mais distantes dessa mesma humanidade... Não sei bem como explicar... sou assim, um pouco convergente na divergência!
Este ano não foi igual a todos os outros... vivi muita coisa, chorei por muitas razões, ri por muitas situações mas, acima de tudo, encontrei uma nova "Me Hate" e isso vale todas as viagens interiores que este ano fiz ainda que, não tenha feito nenhuma ao exterior... hoje como alguém diria, estou mais perto de ser eu e de saber o que quero... ainda que, amanhã, queira ser mais, anseie por mais e seja mais!
Quero muito que este ano que se aproxima seja o começo disso mesmo, não só para mim... mas para todos vós que fui conhecendo aqui, ali e um pouco mais além...
Até já... como sempre!
ME HATE
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
Imaginário XIX
Pela aparência teria quê... uns 19, 20 anos. Pela aparência devia andar por aí a nadar em dinheiro. Roupinhas de marca, tudo do bom e do melhor. Carrito próprio e sem querer ser má língua era um carro bonzito, não era um chaço qualquer.
Tinha o seu grupo de amigos, igualmente esquisitos e igualmente aparentemente abastados, mas para ser sincera ela não parecia muito enquadrada nesse grupo.
Bem, eu via-a às vezes no bar. Nunca falei com ela mais do que um "com licença" ou um "podes passar-me o coiso dos guardanapos?". Ela tinha assim um olhar que... sei lá! Os olhos dela entravam para dentro dos nossos e liam-nos a alma. Claro que era arrepiante, né?
Começou a circular na faculdade (a rapariga até tinha boas notas) que ela vinha de famílias ricas, que não batia bem, que o pai andava em negócios obscuros, enfim, os boatos do costume.
Aos poucos foi-se afastando do grupo com quem se dava. Começaram os rumores que à noite "estudava anatomia no técnico" e de dia "dedicava-se à jardinagem e transformação de produtos herbícolas".
Um dia não apareceu na faculdade.
Quatro dias depois, uma segunda-feira, a senhora da secretaria (nunca ninguém sabe o nome delas, são sempre as "senhoras") contacta o regente do departamento de Física. Fiquei a saber porque ia entrar na biblioteca na altura em que ela vem com o que parecia ser um e-mail imprimido na folha que ela levava na mão e acenava para ele, mais branca que a folha.
Claro que fiquei a cuscar. Não era todos os dias que ia à biblioteca daquele departamento e muito menos que havia agitação.
- Dr. Filipe... Ai Dr. Filipe... já sabemos da Claúdia.
Nem consigo descrever o olhar do Dr. Filipe para a senhora da secretaria. Se eu conseguisse, se eu tivesse palavras para dizer o que é possível acontecer num microssegundo... O Dr. Filipe ficou aliviado, feliz, desvanecido, branco, transparente e desmaia. Isto, num microssegundo.
Enquanto a senhora da secretaria pedia ajuda e o pessoal vinha a correr ver o que se passava eu peguei na folha de papel:
"Estamos em 20 de Dezembro. Este ano não vou ser capaz. O peso que trago comigo é muito e leva-me para o fundo.
Não consigo, posso ou quero desfazer-me dele a tal ponto que é ele quem me desfaz.
Hoje, finalmente, ganho coragem, deixo-o desmembrar-me e permito-me dissolver naquilo que um dia foi a minha vida.
Por favor, avise o Dr. Filipe . A caixa de mail dele está cheia, em casa não atende e o telemóvel vai sempre parar ao gravador.
Avise-o o mais depressa possível pois a nossa experiência precisa de ser seguida.
Obrigada, Claúdia, aluna nº45330F, turma 3, Astrofísica"
Enquanto isto acontecia na faculdade já a polícia entrava em casa dela e o médico legista tirava o seu corpo da banheira onde tinha cortado os pulsos. Ao lado jazia uma aparelhagem que tocava incessantemente a mesma música e um copo de vinho do porto, quase vazio.
E agora, enquanto o Dr. Filipe deita, visivelmente abalado, um punhado de terra sobre o caixão, enquanto olho para quase toda a faculdade em peso em redor desta campa, agora que já sei parte do que se passou, sinto-me indescritivelmente mal, egoísta, fútil. Na minha vidinha que continua não tive espaço, tempo ou vontade de sequer querer perceber porque é que ela parecia uma miúda esquisita.
E numa culpa consumista que me martelava a cabeça não conseguia deixar de pensar que nunca tive tempo de saber que ela já não tinha a quem deixar um bilhete.
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
Em Fogo 9 - Espirito de Natal
Sabor a Carpe Diem
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
Peixe Cru com sabores ecológicos
domingo, 9 de dezembro de 2007
Finório - Um conto de Natal
Ali estava ele, via de novo a luz do dia. Passa o ano guardado no escuro da arrecadação, à espera que viesse o tempo mais frio, a recordação da tradição que era o Natal. O duende Finório, como lhe chamava a pequena Inês, estava já ilustremente sentado ao lado da Árvore de Natal.
Tudo voltava ao normal, podia ver o rebuliço lá em casa, o amontoar dos presentes, o preparar da ceia. Estava junto da lareira e dos elementos do Presépio. A Inês visita-o sempre que chegava da escola, ela achava que ele era muito limpinho e sorridente e que ia comunicar todos os seus desejos ao Pai Natal. E ele comunicava mesmo. Desde
que tinha chegado a esta casa, a vida da família Pereira tinha vencido alguns obstáculos e estava cada ano mais alegre. O reflexo era a alegria e o amor naquela sala acolhedora.
Este ano parecia ser tudo igual até que um dia uma conversa de fundo chegou aos ouvidos do Finório. Estavam a pedir objectos de Natal para um lar de crianças, que tinha ardido nesse ano e não tinham como dar cor à vida daquelas crianças. A Inês queria dar o Finório. Dirigiu-se a ele e disse, baixinho, ao ouvido dele “Gosto tanto de ti, mas estes meninos precisam de um amigo. Gostava que levasses os sonhos deles ao Pai Natal”.
Partilhar, viver a tradição e ver o sorriso das crianças são das coisas que mais gosto no Natal. Vou deixar, sem que ninguém veja, este meu pedido ao pé do meu Finório.
Sabor a A Ronda das Tascas
quarta-feira, 5 de dezembro de 2007
Imaginário XVIII
Não me lembrava do início da viagem. Não me lembrava de onde partira, nem a que horas, nem se tinha partido sozinha ou acompanhada.
Quando olhei em volta tudo o que vi foi uma imensa extensão de cinzento. Cinzento do chão, que era liso, fastidiosamente liso e cinzento. Tudo o resto à volta era negro tirando uma fonte de luz que nuca percebi de onde vinha. Cada vez que olhava para cima aquela luz imensa fluorescente, que dava um ar de certo modo fantasmagórico à cena, movia-se também, de modo que nunca vi de onde vinha.
Dei um passo. A luz moveu-se. Parei. A luz parou. Corri um pouco, a luz correu comigo. Virei-me de repente mas ela foi mais rápida que eu. Não adiantava, não iria descobrir o que era ou de onde vinha.
Continuei a caminhar na direcção para onde me dirigia originalmente, sem saber como é que sabia que era para li ou até o porquê de ir para ali. Afinal, até perder de vista tudo não passava de uma enorme extensão de chão cinzento e liso numa atmosfera de escuridão.
Andei. Andei muito, sem ter a noção da distância ou do tempo. Andei até chegar ao "fim". Tudo à minha volta e para trás continuava a ser uma enorme extensão de chão cinzento e liso mas à minha frente e prolongando-se até ao infinito para ambos os lados estava o "fim".
Espreitei para ver como é que era o "fim". Espreitei com cuidado. O "fim" era como que o vértice de um degrau gigante, do qual eu não conseguia avistar o fundo.
Virei-me para trás. De um lado tinha uma extensão infinita de chão liso e cinzento. Do outro tinha um degrau infinito. Tudo cinzento, liso, estéril. Completamente estéril, estava completamente só no infinito cinzento e negro.
Enquanto pensava o que fazer surge nas minhas costas uma mão gigante. Só mesmo a mão, sem braço, sem corpo. Uma mão em posição de "apontar", com o dedo indicador esticado e os outros dedos recolhidos. Senti um toque nas costas. Desequilibrei-me e cai.
A queda pareceu infinita. Se ao início estava com medo, a dada altura apercebo-me de que à velocidade que eu estava a cair nem iria sofrer se alguma vez chegasse a embater em alguma coisa. O medo passou e comecei a sentir-me bem com aquela queda.
Quando me comecei a sentir bem e a entregar à queda sinto um obstáculo e o meu corpo a embater violentamente em algo. Afinal a queda teve fim.
Pensei que estava toda despedaçada. Mas não. Levantei-me, olhei em volta. Pude tocar no tal degrau. À minha frente uma extensão estéril e infinita de chão cinzento e liso num ambiente de escuridão a perder de vista. A minha luz fluorescente acompanhava-me ainda.
Sacudi-me, endireitei-me e recomecei a caminhar.
Sabor a Thunderlady
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
Peixe Cru empurrado com água
Um colega meu na universidade (está bem, Politécnico) tinha uma teoria sobre a estupidez natural das gentes que habitavam no local onde estudei. Era da água. Segundo ele, durante a infância eles eram contaminados e aquilo afectava-os. A partir da adolescência a água já não afectava ninguém, mas uma vez contaminado...
Ele também aplicava essa teoria aos seios, em relação ao seu crescimento, por isso tenho umas dúvidas que houvesse algum fundamento na mesma teoria.
Mas que por vezes penso que é isso que acontece aqui na terrinha onde estou...a sério que penso. E estou-me a referir à estupidez natural, não aos seios.