quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Imaginário XXII

Regresso a casa de olhos postos no chão. Chego, pouso as malas, abro a porta, entro, penduro o casaco no cabide de trás da porta, tiro as luvas e o chapéu. Pego nas malas, fecho a porta (nunca reparamos nestes detalhes) e vou lentamente corredor adentro até chegar à suite. As malas que se arrumem.

Entro na sala-de-banho, ponho a água a correr na banheira para um banho de imersão enquanto despejo sais relaxantes de cheiro a frutos silvestres no fundo. Acendo umas velas de cheiro a baunilha com aqueles fósforos longos. Ponho música a tocar. Solto o cabelo, dispo-me vagarosamente e entro na banheira. Afinal de contas não tenho pressa. O tempo não me controla. O relógio, parado há muito, não me apressa.

Imersa na água tépida fecho os olhos e descubro novos caminhos. Desvendo novos mistérios.
Imersa na água tépida esqueço o mundo, aquele lá fora, aquele que começa na minha pele, que é frio, distante, etéreo, aquele que critica, rejeita e julga e vivo o meu mundo de liberdade e satisfação.
Imersa na água tépida deixo-me adormecer e sonhar com outros mundos.

Acordo gelada, de pele encarquilhada quando a música acaba. Lá fora é já de noite. As velas estão no fim, consumidas de si mesmas.
Desperto e regresso ao mundo, ao mundo que não é o meu e não é o vosso, ao mundo que todos acolhe e todos rejeita.

A sala-de-banho está acolhedora. O cheiro doce envolve-me enquanto visto o roupão e troco de música.

O corredor, escuro da cor da noite, acolhe-me os passos como sempre, faz a sua vénia à minha presença e abre-me as portas da casa que me descobre na penumbra e se deixa explorar pelos meus passos suaves.

Entro no quarto de vestir, desfaço as malas vagarosamente e volto a adaptar-me ao meio. Tranquila reponho as peças de volta ao seu lugar com a precisão metódica habitual.

Regresso então ao corredor que me leva ao quarto de dormir onde a cama confortável me espera. Deito-me e fecho os olhos na busca de descanso desta viagem.

Cada dia é como o primeiro porque nunca sabemos quando será o último.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Peixe Cru com duas colheres de insanidade e outras duas de esperança


Inunda-se o pensamento com coisas que poderiam ser bem o conteúdo de um esgoto. O porquê de determinados espaços e tempos que nos rodeiam, a razão que nos obriga a ficar e lutar.

Um dia sonhei alto com formas e cores, seres de outras aparências que sorriam felizes por poderem viver e amar. Mas acordo e vejo o mesmo preto e branco de todos os dias. As pessoas vivem e arrastam-se pelas suas existências, forçadas a aceitar tudo o que lhes surge pela frente. Os monstros e os desenganos que os fazem fugir dos seus sonhos.

Ontem falei com a minha alma. Ela falou comigo. Debatemos a existência do ser e a forma do estar. E concluímos que algo tem que mudar. Eu, a vida, o ser.

Tenho algo de precioso que perco a cada minuto. Amor por mim. E agora quero recuperá-lo. Porque enquanto me amo, amo todo o mundo e todo o mundo me ama a mim. Todo o mundo. Vivo, sinto, percorro caminhos de léguas sem nunca olhar para trás.

Hoje acordei vivo. Acredito que vá conseguir mudar tudo de uma única vez. De um sopro a minha vida voltará a ser o que era. Acredito. E só basta mesmo isso para sorrir.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Imaginário XXI

(também conhecido noutro sítio como "41")


Era uma vez um blogue. Era daqueles que não tem pouso fixo, viajante, caixeiro andante, andava por aí a descobrir o mundo.

Esse blogue sabia que gostava de dar a volta a Portugal, sempre passado de mão em mão, preferia ficar pouco tempo em cada poiso e não criar raizes. Afinal de contas era um blogue criado precisamente com essa intenção.

Ele ainda se lembra do carinho com que foi criado e da expectativa quando foi lançado no ar, tal "bruxinha" capturada e num sopro lançada ao vento com desejo pedido.

Um dia esse blogue ficou parado mais tempo que o costume e assim a modos que como em auxílio o criador agarrou-o e lançou-o outra vez, novamente como num sopro contendo um desejo de que fosse desta que desse a volta a Portugal.

Um dia esse blogue chegou até Mim, que já o conhecia e até achou que era muito original e com um sentido de criação soberbo, uma ideia genial de aproximação e dar a conhecer-se ao mundo, virtual mas mundo, e quando recebeu a sua visita claro que ficou contente. Foi assim como receber em casa alguém que se admira.

Agora Mim tem que o deixar ir. Já o teve tempo de mais e precisa deixá-lo ir.

E, como num sopro de uma "bruxinha" Mim vai lançá-lo na direcção da Abox.

E o blogue que é para oferecer voou , de novo, livre do seu cativeiro.

Sr Presidente,

Sei que hoje é quarta-feira, apenas me devia dirigir a V.Exa amanhã.
No entanto, sinto-me na obrigação de comunicar quanto antes a minha disposição.

Com efeito, assumi um compromisso para com esta empresa no sentido de contribuir para o preenchimento deste espaço, numa base semanal. Ora como é do Vosso conhecimento, as minhas contribuições nunca tiveram essa regularidade, foram escassas e breves, e a maior parte delas de fraca qualidade; foram-no, por um sem número de razões, cujo elenco não se torna relevante.

Posto isto, venho por este modo apresentar o meu pedido de demissão, com efeitos imediatos.
Resta-me naturalmente agradecer a simpatia amizado com que sempre fui recebido nesta casa e penitenciar-me por qualquer transtorno que as minhas falhas possam ter causado ao normal funcionamento desta instituição.
Desejo as maiores felicidades a esta empresa na prossecução dos objectivos a que se propuseram na hora do arranque.

Cordiais saudações,

CdC

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Peixe Cru com um travo a Fé


Um relógio branco numa parede branca indicava que já eram horas de partir. O burburinho começava a tornar-se num som distante e apenas o silvar do comboio o conseguia manter focado no que tinha de fazer.

A sua mala pesava-lhe nas mãos. Estava farto de andar com ela de uma lado para o outro, com os seus pertences do costume. Sentia-a como algo estranho, mas obrigatório.

Escolheu uma carruagem vazia. Não gostava de ter companhia. Queria poder olhar para a paisagem e pensar. Não queria ouvir ninguém a contar-lhe os problemas da sua vida nem a pedir conselhos sobre isto e aquilo.

Encontrava no pôr do sol aquilo que a sua vocação lhe havia retirado. O prazer. Olhando para o sol enquanto os seus últimos raios brilhavam nas flores e na giesta dos campos. Os animais, indiferentes aos milagres da natureza, continuavam a comer, pacíficos.

Era apenas mais uma viagem sem sentido. Chegaria ao seu destino e diria as palavras sem significado para ele, apenas porque era aquilo que queriam ouvir. Não acreditava em absolvições nem em condenações. Apenas na vida que temos. Apenas no amor que temos.

O comboio parava e ele ajeitou a sua roupa. Pegou na mala, e retirou de dentro o livro. Precisava de o renovar, tal como precisava de se renovar a si próprio. Mas talvez já fosse tarde.

Ao sair do comboio viu as pessoas que o esperavam. Respirou fundo.

- Sr. Padre, Sr. Padre...aqui!

- Onde está a moribunda? - perguntou ele, fingindo algum interesse.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Em Fogo 11 - Máscaras

Torna-se curioso reparar nos outros e ver quantos usam a sua verdadeira face e quantos se escondem por detrás de uma máscara. Não me refiro a uma máscara de Carnaval ou de ópera veneziana, mas sim a um artfício do "eu" real.
Porque será que, para certas pessoas, se torna mais simples assumirem aquilo que não são, fazerem-se passar por algo que não têm, difamarem outrém sob a capa do anonimato, demonstrarem amor quando o que se sente é pouco menos que ódio, serem companheiros para depois, na primeira hipótese, deixarem cair a outra pessoa... tudo isto são máscaras.
Será que apenas em situações extremas, poderemos saber do que os outros são feitos realmente? Por exemplo, no caso de qualquer guerra, quem garante que o mais culto, o mais honesto, o mais carinhoso não se tornará na pior das criaturas? A cultura de um individuo, por si só, não o torna mais sábio.
Tenho na ideia que a personalidade de cada um se forma com a familia, com a vivência, com a forma como apreendemos o Mundo e o conjunto de valores que nos é incutido. Não depende de saber gostar de algo, mas sim estabelecer limites para o que se pode ou não fazer. Os nazis gostavam de musica clássica e de ler, no entanto, não deixaram de cometer actos de profunda barbárie (aconselho a este respeito, a leitura desse brutal romance/biografia ficcionada "As Benevolentes").
Numa escala muito mais pequena encontramos as máscaras do dia-a-dia: as pessoas que são muito nossas amigas e depois nos espetam uma faca nas costas; as pessoas mesquinhas que não nos suportam, apenas por inveja de não serem como nós ou não terem o que nós temos; as pessoas que mantém um relacionamento, apenas porque têm medo de ficar sós ou porque são dependentes da outra metade; o chefe que pode ser impotente em casa (leia-se em qualquer sentido), mas que demonstra a sua prepotência sobre os seu subordinados no emprego; a hipocrisia dos padres que professam a abstinência e o horror ao homosexualismo para virem a abusar dos seus acólitos; o marido com tendências desviantes mas que, por parecer bem à sociedade, se mantém num casamento de fachada onde se magoa a si e a quem o rodeia; o amigo que sorri sempre, porque não é capaz de ser sincero se precisar de magoar outrém; o viciado em Internet que prefere criar uma personagem virtual a viver uma vida real; a pessoa que, com medo de sofrer, afasta todas as oportunidades de ser feliz...
Infelizmente, as máscaras podem revestir-se de imensas formas, mas um desafio interessante seria deixar cai-las... será que, ao sermos REALMENTE nós mesmos, o Mundo voltaria a ser como na pré-história, uma luta incessante entre o animal e o racional? Não sei se quereria viver num Mundo assim, no entanto, sou da opinião que devemos ser sempre o mais sinceros possiveis connosco e com os outros, eu faço a minha parte e vocês?
Carpe Diem.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Peixe Cru com sabor proverbial


Os amigos são para as ocasiões ou são para sempre? Ou será que é a ocasião que faz um amigo? Sempre me disseram que a ocasião faz um ladrão. E ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Pelo menos neste país, porque de Espanha, nem bom vento nem bom casamento. E ainda bem que estamos no Inverno, porque casamento molhado é casamento abençoado. Embora em Abril já não seja Inverno, mas dá para abençoar os casamentos devido às suas chuvas mil. Mas como quem anda à chuva fica com uma tendência impressionante para se molhar, mais vale prevenir que remediar e não ficar constipado.
Ainda a minha mulher me pergunta porque é que eu não uso mais provérbios…

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Imaginário XX

- Posso entrar? Disse eu de forma discreta. Preciso falar acerca de... bem...

Não percebo porque é que é sempre tão complicado dizer o que pensamos. Devia ser o mais simples, dizer o que nos vai na cabeça, e nunca é. Porque não sabemos que ouvidos nos vão ouvir. Não sabemos que olhos olham para nós.

Ao entrar na sala enorme e quase vazia olhei os presentes e antes de dizer qualquer coisa que fosse fiz uma análise rápida do que poderiam eles ouvir da minha mensagem.

Um estava com cara de quem estava desligado do mundo. Provavelmente hoje o som entrar-lhe-ia pelos ouvidos e amanhã fosse perguntar a alguém que é que realmente tinha sido dito.
A outra andava lá, toda atarefada de um lado para o outro. Sempre stressada, com medo que o mundo acabe amanhã sem perceber que se acabar amanhã não vale de nada andar a stressar e mais vale aproveitar.
Havia outro lá no canto, o eterno desconfiado.

Olhei rapidamente para qualquer um deles e pensei que cada um ia ouvir a minha mensagem da sua maneira. Cada um com os seus feitios, cada um com as suas vidas fora dali, cada um com os seus pequenos dramas sempre enormes aos seus próprios olhos, como se de um concurso se tratasse e ganhasse quem pior vida tinha.

O certo é que nem sequer era só disso que eu estava cansada. Sabia que me iam perguntar o porquê e esse nem sequer era o grande "porquê", era apenas uma parte de um todo imenso. O certo é que perante toda aquela gente com quem lidei durante tanto tempo nunca seria capaz de enumerar uma razão que não fosse melindrar ninguém apenas porque, só por informar a decisão, alguém iria sentir-se mais susceptível, quem sabe se até mesmo ofendido.

Quanto mais pensava nisto numa fracção de segundo mais me apercebia que tinha resposta à minha pergunta. Que nos custa dizer realmente o que vai na alma porque alguém vai pedir uma justificação, porque alguém vai sempre ler segundo os seus olhos e ouvir segundo os seus ouvidos. É realmente complicado dizer o que pensamos.

Quando consegui a atenção de todos acabei finalmente por dizer que me ia embora.

- Embora?
- Sim, vim despedir-me.
- Então até amanhã. As melhoras.

E rapidamente voltaram costas. Ela continou stressada como se amanhã o mundo fosse acabar e precisasse ter mil coisas feitas para quando o mundo acabasse seja quem for que viesse depois do mundo acabar ver que ela era eficiente e deixou o mundo arrumado e preparado para o caos que vinha a seguir ao mundo acabar. Eles continuaram os dois sabe-se lá a fazer o quê. Um distraído como se o mundo já tivesse acabado e não soubesse e outro desconfiado. Desconfiado talvez de que o mundo ia acabar e ela não lhe dizia ou então que já tinha acabado e ele não lhe dizia.

Fechei a porta ao sair sem saber se teria efectivamente acabado aquele mundo para mim ou se não.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Em Fogo 10 - Renascer

O inicio de um novo ano é sempre o momento escolhido para efectuar balanços, olhar para o passado e preparar uma série de objectivos a alcançar. Em regra geral, elabora-se uma lista com o que desejamos fazer no ano seguinte.
Durante uma série de dias acreditamos que será possivel mudar alguma coisa, que vamos escolher caminhos diferentes ou optar por melhorar certos aspectos em nós mesmos. Não estamos a sonhar, mas a projectar no tempo aquilo que queremos fazer e como queremos ser, até cairmos de novo na monotonia da Vida.
O que fazer então? Entrar no ano com um ar apático apenas porque vai ser mais um? Nada disso... porque não aproveitar o novo ano para aperfeiçoar o conhecimento de nós próprios, do lugar que ocupamos no nosso pequeno mundo, para conhecer melhor os amigos que nos rodeiam ou até fazer novas amizades?
Porque não arriscar sem fazer planos, vivendo um dia de cada vez e aproveitando ao máximo o tempo que temos? Será que ao fazer uma lista, que sabemos não ir cumprir, não estamos a desperdiçar tempo que poderia ser usado de outra forma... por exemplo, a viver o presente?
O Renascer deste sushi refere-se à capacidade que todos temos, enquanto seres humanos, de nos transformarmos e é esse o desafio que aqui deixo... em vez de criarmos expectativas para este novo ano porque não aproveitamos a matéria-prima existente (nós mesmos)? Porque sejam bons ou maus momentos, o que importa sempre é a lição que tiramos deles e como ultrapassamos as situações.
Vivam este 2008 um dia em 24 horas, uma hora em 60 minutos e 1 minuto em 60 segundos e procurem conviver, apreciar as pequenas coisas da Vida, partilhar com quem nos diz algo parte de nós e irão descobrir que no meio disto tudo o vosso "eu" sai bem mais fortalecido.
Um bom Ano de 2008 a todos os visitantes do Sushi:
Carpe Diem.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Peixe Cru com travo a jogatina

É curioso como tentamos encarar cada novo ano como um ponto de partida para uma vida nova. O problema é o rodar dos dados. Pode sair qualquer número. E as casas onde podemos aterrar são cada vez menos.
Temos casas para impostos, taxas, despesas várias, desemprego, problemas de saúde, tristezas, depressões. Já nem tirar um "doble" (fabulosa esta palavra - double era muito complicado) nos safa de aterrar nelas.

O problema é claro: o dono do tabuleiro faz batota. Se há uns anos eu conseguia comprar avenidas inteiras sem ter de hipotecar nada, construíndo casas e hotéis à minha escolha, o que se passa agora? Será que o banco só quer juros? Será que perdi a capacidade de jogar?

Lancei os dados no início do ano. Parece-me que cai numa das poucas casas boas que ainda sobram. A casa da esperança.


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