quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Vivências 46...


Dizia-me uma amiga, companheira, bom conselhereira que se eu continuasse a "marrar" no barro como o fazia e se continuasse a "estragar pincéis e acríulicos" como estragava que mais cedo ou mais tarde as coisas dariam o seu fruto...

Não deu para fazer dinheiro mas dia 22 deste mês inaugurei uma nova exposição e dia 30 vou estar representada com uns trabalhos noutra... (salão nobre do Clube desportivo de Paço de Arcos - mesmo no centro da vila)

Não é aí que vou buscar o dinheiro para pagar as contas mas certamente, é aí que vou buscar a pouca sanidade mental que ainda me vai restando.

Ainda não posso dizer como os ingleses Thank God It´s Friday (TGIF) mas... a sexta, a verdadeira, a séria, já esteve bem mais longe!!!!!!

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Experiência 15


Gaia, Géia ou Gê era a deusa da Terra, como elemento primordial e latente de uma potencialidade geradora. Segundo Hesíodo, ela é a segunda divindade primordial, nascendo após Caos.

Tal como Caos, Gaia parece possuir uma natureza forte, pois gera sozinha, Urano, Pontos e as Montanhas. Hesíodo sugere que ela tenha gerado Urano com o desejo de se unir a alguém semelhante a si mesma em natureza. Isso porque Gaia personifica a base onde se sustentam todas as coisas, e Urano é então o abrigo dos deuses "bem-aventurados".

Gaia, como o amor, a amizade entre outros sentimentos mais ou menos humanos é uma hipótese, não os vemos, não os conseguimos transformar em algo palpável mas, diz a maioria que os sentimos...

Quando é que então sabemos que o que sentimos é a tal força geradora de algo maior do que nós ou apenas estivemos enganados?

Quando é que então sabemos se estamos certos ou errados em darmos uma outra hipótese a nós, aos outros ou sequer às coisas que nos vão ocorrendo no dia a dia e as pessoas nos dizem ser verdade?

Quando acreditar?
Quando não acreditar?
Quando esperar?
Quando seguir em frente?
Quando... ... ...

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

BURACO NEGRO XIII

Imagem Google

Hoje também eu sou uma sequência de círculos de luz sugados pela infinita força da atracção de um buraco negro.
Que como todos os do universo real, não se vê.
Sabe-se que existe, sente-se o efeito mas não se pode fugir dele.

Há uma constância nesta coisa de se saber bem que eles andam por aí.
Que olhando atentamente a forma como a luz se deforma os podemos adivinhar. Mas não sabemos ou não queremos fugir deles.

Ou já nos habituámos a viver com esta atracção pelo abismo ou se tornou uma dependência perigosa gostar da força poderosa que nos agarra e que à menor hesitação nos engolirá sem apelo nem agravo.

Gostaria de dizer como o poeta "...não vou por aí".

Mas vou, vou sempre.
Pelo lado mais perigoso da estrada.
Pelo beco menos iluminado.
Pela rua que talvez não leve a lugar nenhum.

Teimosamente sou um ponto sugado, num circulo luminoso, à beira do desastre ou da redenção.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Vivências 45...


Nietzsche escreveu um dia, numa das suas obras que mais vezes li ("Humano, Demasiado Humano") que podemos sempre prometer acções, mas não sentimentos. Fazia tempo que já não lia esta obra e, talvez por isso talvez tenha esquecido os seus "ensinamentos "...

O princicipio a que se referia, estava subjacente ao facto de que, segundo o autor, quem promete a alguém amá-lo sempre, ou odiá-lo sempre, ou ser-lhe sempre fiel, promete algo que não está no seu poder.

Contudo, ainda na sua opinião, o que se pode perfeitamente prometer são aquelas acções que, na verdade, são geralmente as consequências do amor, do ódio, da fidelidade, mas que também podem emanar de outras razões: uma acção conduz a diversos caminhos e motivos.

Assim e como aprendi esta semana, a promessa de amar sempre alguém significa, portanto, apenas o seguinte: enquanto eu te amar, manifestar-te-ei as acções do meu amor; se eu já não te amar, pois que, as minhas acções demonstraram isso mesmo. Obviamente que, depois de pensarmos um pouco, nada é tão literal, óbvio ou preto no branco.

Porém, em dois anos (é muito tempo, eu sei) aprendi então que: desprezo não é amor, não comunicação não é amor, mentir não é amor, estar com outro em vez de nós não é amor... ... ...

Demorou, mas encaixou!

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Experiência 14


As mulheres são, usualmente bichos estranhos, vulgarmente comparadas às Hidras, e muitas vezes sendo-o, o homem tem por fraqueza, burrice ou puro desconhecimento a tentação de se lhes submeter até a própria auto-estima.

Um amigo de longa data contava hoje num café, com vista sobre a cidade, que vivia com uma rapariga (amiga sua de longos anos) e que a dada altura, porque não tinham mais nada de interessante para fazer, juntaram-se. No meio da "tanta coisa interessante" já lá iam uns belos 5 meses de "ajuntamento" que ao fim de pouco tempo se veio a revelar perigoso.

Logo nesse momento a minha pergunta interna foi: Porra mas se como amigos as coisas corriam tão bem, porque raio tiveram de estragar tudo???? Mas mantive o silêncio e ouvi cuidadosamente o relato...

No 1º mês contava ele, ainda havia amizade, sexo com fartura e interesses partilhados... depois, não sabe muito o que lhe deu a ele ou a ela (fiquei com o "feeeling" que foi aos 2) aos poucos as coisas foram desaparecendo... Tipicamente masculino, a primeira coisa pela qual ele deu falta foi do sexo, em palavras do próprio: Oh pá, a nossa espécie pensa no bem da humanidade e, logo, na reprodução... descuidada, maluca e sem quaisquer tipo de preocupações sexualmente transmissíveis.

Fiz cara de poucos amigos e percebi logo ali que o restante não podia ser coisa boa...

Continuou a descrição dizendo que depois, começou a perceber que cada vez jantavam menos vezes juntos, se viam menos vezes no mesmo espaço físico (a tal da casa) e que, o cúmulo veio no dia em que descobriu que ela até lhe batia...

Aí a cara de poucos amigos passou a ser a de "furibundo" porque, achei que ninguém descobre que outrem nos bate... assim, de repente, a coisa SENTE-SE! Não?

Pedindo-lhe esclarecimentos acerca de tão fantástica descoberta, a resposta veio em forma de soco no estômago quase em pezinhos de lã: Sabes bem que as "gaijas" às vezes se passam e atiram coisas, partem pratos e tal e um dia começou a fazer isso mas a fazer pontaria a mim... Um cinzeiro uma vez partiu-me a cabeça e ela até me levou ao hospital e...

A dada altura comecei a sentir náuseas e uma imensa vontade de Eu próprio lhe bater... Como somos amigos há muitos anos, limitei-me a levantar-me e a ir-me embora! Sem mais! Não havia ... desculpem a expressão: CU!

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

BURACO NEGRO XII


Hoje tudo começou bem...o dia, o tempo, a tua presença!
Depois foi correndo bem... o trabalho, o tempo, a tua ausência!
Agora o dia caiu, o trabalho acabou e tu não vens!
Um dia quase perfeito pode, de repente, tornar-se assim numa falta de vontade de estar, numa corrente angustiada de perguntas, numa sequência inventada de respostas...
Porque tu não vens!
Lembro bem o tempo de estar aqui sem angustias e sem medos, o tempo em que o cair da tarde era apenas o fim de mais um dia, o antes do amanhã, o sossego e a quietude.
Lembro esse tempo sem pena...daqui a pouco vais chegar...
E o abraço que trocarmos vai saber a todas as certezas...
E o nosso sorriso vai iluminar a sala onde nem as luzes, agora, estão acesas.
Porque tu não estás!

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Vivências 44...


Por diversas vezes acreditei que podia encontrar a felicidade se conseguisse subverter o mundo para o fazer entrar no verdadeiro, no puro, no imutável, no que eu imaginei. E que esse mundo imaginado não era assim tão difícil de se gostar: em termos de leis, de sentimentos... puro!

Depois recordei que se eu própria não era pura teria de me fazer... e depois disso, achei que isso mesmo, iria levar muito tempo e que paciência desde logo, não era o meu forte. Pensei então que o mundo como estava e como era talvez não fosse mau de todo.

Encontrei-me muitas vezes no outro comum, com o outro amado com o outro distante. Entre muitas outras coisas, foi neste mundo real que me entrava esqueleto adentro, que aprendi a ter como janela para ver novas ruas, realidades e formas de estar. Sozinha não o podia fazer...

O quotidiano em si mesmo começou-me a ser maravilhoso: fosse nos seus pequenos recantos existentes, fosse nos inventados ou até, nos descobertos. A janela, em pouco tempo, passou a porta e a porta, não demorou a tornar-se vida, cheiros, toques...

Entendi então, que o caminho verdadeiro passa pela constante experiência de vivermos o dia-a-dia e de o mudarmos se assim tiver de ser.

Perguntaram-me há pouco tempo se não me arrependia de todas as decisões que tinha tomado na minha curta vida... Sendo sincera, tive de começar por dizer que não me lembrava de todas as decisões, que a vida é escolha constante e portanto tinha mais em que pensar. Mas daquelas que recordava (e que se assim é, seriam as importantes), haveria algumas que teria ponderado melhor sobre elas e outras que não mudaria uma vírgula.

A resposta não deixou a pessoa ou a questão muito esclarecida e então disse-lhe: vivendo o que vivo hoje, não me sinto infeliz, não me sinto extasiada ou sequer sempre realizada mas, olhando para atrás, com as limitações da idade, da falta de experiência e, por vezes - confesso - pela falta de paciência, fiz o meu melhor... O meu melhor de ontem, não é certamente, o meu melhor de hoje mas, ao menos os erros de ontem, não são os de hoje e isso, em última análise só posso dizer uma coisa: estou feliz com o que fiz, e sou feliz naquilo em que - ainda - me vou tornando.

O ar de interrogação não deixou o sobrolho do ouvinte e foi aí que, com algum cansaço e já (de novo) sem paciência, lhe perguntei: E então como foi a praia?

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Experiência 13


Em amena cavaqueira numa tarde desta semana com um amigo, surgiu o assunto - para mim quase esgotado - das ex-namoradas, dos porquês, dos finais... Eu sei lá.

E enquanto ele dissertava acerca do assunto e eu não via a hora de uma das minhas amigas chegar, perguntou-me se era normal as pessoas deitarem-se fora?

Confesso que num primeiro momento fiquei espantado sem saber o que lhe dizer mas, acabei por compreender qual era a sua verdadeira questão e, por falta de capacidade racional ou pura brutalidade, acabei por lhe "espetar" com uma citação alterada de um autor que li, faz tempo:

Pode deitar-se fora uma mulher ou um homem, como uma caixa de fósforos, por paixão, por se ter um carácter assim, por não se conseguir ligar a uma pessoa, ou porque olha para mais alto, porque tudo e todos lhe servem de instrumento e, enfim, desculpa. Isso entendo que magoe mas, ainda assim, posso compreender.. É infame, mas tem algo de humano, nem que seja a cobardia.

Mas deitar fora alguém por distracção... isso é mais do que infame.
Isso não tem desculpa, porque é desumano.
Já percebes, agora?

Não vale a pena "ruminares" mais o assunto, sossega-o na alma porque a ocasião a que te reportas, a pessoa em questão nunca deixará de ser cobarde, nunca deixará ter 2 pássaros na mão porque, inevitavelmente, tem medo de ficar só e esse, é para si o pior dos castigos.

Mas, ainda assim, prefere o castigo a lutar, a ter coragem para mudar... sei lá, prefere isso a ser gente! Prefere isso e assistir de plateia à sua vida do que a dar pancada nos actores e dizer: "Porra, não! Não quero mais isto!"... É assim caríssimo, e tu não podes fazer mais nada... Tu, na verdade, é que és a plateia, e talvez esteja na hora de assistires a um teatro diferente... Ou não.

O que não vale a pena é pensar no mesmo e sentires essa constante tristeza que nem eu, já tenho pachorra para a ouvir!

O seu olhar tombou perante as minhas palavras e o som de mil estilhaços de um coração abatido e cansado ecoou interminavelmente. Por um ínfimo momento senti pena dele e estive quase para lhe pedir desculpa, não o fiz apenas porque no segundo seguinte chegou a minha amiga e pensei: estás com sorte... esta é ideal para ti!

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Em Fogo 23 - O Meu Caminho

Catarina é feliz consigo própria, quando acorda de manhã e sorri a mais um dia, mesmo que o tempo esteja escuro... veste-se como se fosse a uma festa, mesmo que tenha de usar fato/calça para uma entrevista de emprego... anda na rua de cabeça erguida, mesmo que o dinheiro não seja suficiente para aguentar o fim do mês.
Catarina inspira nos outros alegria, vontade de viver, faz sonhar e permite a uma pessoa triste, sorrir por dentro, devido a tanta exuberância... ao caminhar na rua, é capaz de parar para dizer "olá" a um desconhecido (a), dar um abraço a quem não conhece e sente que precisa, sorrir a alguém que tem os olhos marejados de água impedindo que esta saia.
Catarina não tem medo de nada, porque acredita que esse é o rumo para a felicidade... perdeu, há muito, o medo da morte depois de lhe diagnosticaram um cancro no estômago... a partir desse momento, acredita que a Vida é mais do que sofrer, é mais do que fazer o mesmo todos os dias, é mais do que ficar parado sem sentir, é mais do que perder tempo com pequenas coisas.
Catarina decidiu seguir o seu caminho... um caminho que pode ser difil, com altos e baixos, com pouco dinheiro... contudo, para ela, o mais importante foi alcançado... a plena felicidade e a unica preocupação de ser fiel a si própria e amar-se a si e assim poder dar-se aos outros.
Catarina só notou o quanto temos medo de nos entregar quando ao dar um sorriso, um abraço, uma palavra a um desconhecido (a) era vista como louca... apenas porque mostra a sua felicidade e a partilha com os outros... o mais curioso, pensa ela, é que muitas vezes as pessoas precisam de um abraço, de se sentir queridas, de se sentir desejadas mas têm medo de o demonstrar.
Catarina pegou no seu destino nas mãos, calçou os sapatos da Vida e subiu... continua ainda a subir por essa estrada até que lhe apareça o sinal de "sentido proibido" mas, até mesmo nessa altura, ela irá sorrir abertamente e dizer "olá, aqui estou".
Carpe Diem.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

BURACO NEGRO XI


Dizem que o ambiente que nos rodeia reflecte o que nos vai na cabeça, ou na alma.
Casa desarrumada, cabeça baralhada.
Trastes velhos à nossa volta, cargas passadas de que não queremos ou não podemos livrar-nos.
Papéis que guardamos como se nos fossem fazer falta amanhã e que ao fim de anos ainda não voltámos a consultar.
Hoje passei o dia a pôr ordem no meu local de trabalho...
tantos objectos guardados por pena de não os ver mais,
tantos materiais guardados para serem, eventualmente, usados um dia que nunca chegou,
tanta tralha que foi ficando esquecida pelos cantos como se fizesse parte da mobilia,
tanta gaveta cheia de restos de coisas que foram úteis um dia.
Cada viagem aos depósitos de lixo foi uma romaria de saudades e um alivio.
Agora que lhe apanhei o jeito vou continuar amanhã
e quando já só restar o estritamente necessário tenho a certeza de que vou sentir-me muito mais leve, muito mais solta, muito mais preparada para avançar.
As novas ideias vão ter espaço para circular e os meus olhos não vão esbarrar a todo o momento com as coisas que já não conseguiam levar-me a concretizar nada.
Limpei a casa...
Veremos se é verdade que também a cabeça ficou mais arejada e mais criativa

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Pantera - This Love

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Vivência 43...


Hoje, e porque isto de não se fazer nada, por vezes também é difícil e, dá muito "prá" leitura... deixo-vos com o meu, muito conhecido...
Pensei inicialmente no Ruy mas, acabei por deixar a leitura a meio porque o Álvaro faz mais tempo que exigia a minha atenção...

O que há em mim é sobretudo cansaço -
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas -
Essas e o que falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...

(Álvaro de Campos)

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Experiência 12


O meu dia "de escrita" mudou, porque alguém se ausentou... assim... Em jeito de nova introdução, deixo por hoje as palavras sábias de alguém: Numa ocasião ouvi um cliente habitual comentar na livraria do meu pai que poucas coisas marcam tanto um leitor como o primeiro livro que lê porque este, realmente abre caminho até ao seu coração. Aquelas primeiras imagens, o eco dessas palavras que julgamos ter deixado para trás, acompanham-nos toda a vida e esculpem um palácio na nossa memória ao qual, mais tarde ou mais cedo - não importa quantos livros se leiam, quantos mundos se venham a descobrir, tudo o que se aprenda ou esqueça - vamos regressar.


O passado como li faz pouco tempo, pode ter sido infeliz ou feliz....

O presente, pode ser conturbado ou não...

Mas o futuro a nós, aos novos mundos e às novas experiências pertencem!


Até já.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Em Fogo 22 - Olhar a Vida

Zulmira todas as manhãs abria a janela da sua sala e observava... olhava as pessoas que se movimentavam na sua rua, umas em passo mais acelerado e outras mais lentas, e imaginava qual o seu destino.
Zulmira ficava à janela, todos os dias, apenas vendo passar o tempo, o sol, as pessoas, imaginando... vivendo a vida dos outros como se fosse a sua, baseando o seu olhar no olhar da mente.
As vizinhas de Zulmira estranhavam e procuravam convênce-la a ir para dentro de casa assistir às novelas, as da TVI melhores que as outras segundo elas... mas Zulmira retorquia do alto da sua janela dizendo que a melhor novela que ela podia ver era o que acontecia na realidade, os sonhos e os destinos das pessoas comuns, os desejos e os ambientes da rua que atravessava o seu prédio.
Zulmira vive sozinha, tendo apenas um gato como companhia, o nome dele é Zacarias, em homenagem ao marido falecido há 10 anos... Zacarias, tal como a dona, adorava observar, não sabendo imaginar como ela, contudo sonha e abre-se à vida através do seu interior porque já não pode ver... Zacarias foi maltratado quando era bébé e estava cego, Zulmira encontrou-o na rua e trouxe-o para casa... isto aconteceu quando Zulmira ainda saia de casa.
A filha e os netos de Zulmira não a visitavam... ela mora longe, eles vivem em Benfica e ela em Alfama... pode não ser longe para os outros, mas para eles é longe, tão longe como um coração frio pode estar do calor do magma incandescente de um vulcão. Zulmira não esquecia a filha e os netos, a prova disso era as 3 molduras que estavam na mesa ao lado da porta como se fossem os guardiões do seu pequeno mundo.
Zulmira apenas abandonava a janela para comer ou fazer qualquer necessidade primária porque não queria perder nada do que se pudesse passar... dizia para si mesma que tudo parava enquanto ela se ausentava e, caso alguém familiar aparecesse, saberia esperar pelo regresso dela...
Zulmira começava a apresentar sintomas da doença de Alzheimer mas ninguém notou porque poucos lhe davam atenção e Zacarias não podia fazer nada porque não via... os dias passavam-se, as estações do ano corriam, as pessoas que passavam na rua iam envelhecendo tal como Zulmira e isto aproximava-os a todos.
Certo dia, Zulmira olhou no horizonte e sobressaltou-se... Zacarias a seu lado, ao ver a dona modificar o seu comportamento de repente, inteiriçou-se... Zulmira tinha visto um sorriso... Zulmira tinha visto calor nesse sorriso... Zulmira reconheceu o sorriso no meio da sua doença, era o seu Zacarias que estava de volta.
O Zacarias gato não entendeu porque não podia ver, contudo sentiu que a dona estava feliz e quando o fez deixou-se ir, era velho e descansou porque sentiu que Zulmira, finalmente, era feliz.
Zulmira viu Zacarias ao longe, muito longe, mas esticou o braço... ergeu a mão... queria tocar o rosto do homem que a fez feliz ao longo de 50 anos... aquele que ela nunca deixaria de reconhecer... esticou-se toda sem notar os gritos aflitos das pessoas que a viam no fundo da rua... Zulmira esticava-se mais e mais, até que se sentiu leve... pensou que voava... nesse instante tocou-o e sentiu de novo o calor daquele que lhe ensinou o significado da palavra Amor.
Com um baque surdo, Zulmira chegou ao solo mas já nada sentia... morreu com um sorriso nos lábios porque aquele a quem esperava todos estes anos voltou a aparecer para a levar consigo, segurou-a nos seus braços e fê-la sentir de novo mulher, mãe, criança e menina.
Carpe Diem.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

BURACO NEGRO X


Imaginava-me na cozinha, naquele esforço tremendo de inventar um prato que te agradasse, diferente, com sabor a terras exóticas como tu gostas.
Imaginava-me a pôr uma mesa especial, os grandes copos altos, bem abertos para deixar o vinho respirar, as flores em arranjo baixo para que nos pudéssemos olhar sem nada entre nós. Imaginava-me a colocar estrategicamente as velas que dariam à sala o ambiente acolhedor, apelativo à conversa, aquela luz que dá à pele o tom certo para o desejo do toque.

De repente veio-me à memória uma outra vez em que o fiz. Lembrei-me que tive de chamar a atenção para o cenário tão bem montado, tive de pedir elogios para o que cozinhei e depois de uns minutos de condescendência me perguntaram: então já se podem apagar as velas? isto parece um velório! e pode-se ligar a televisão?
Apaguei as velas, liguei o aparelho, estava a começar a novela, Graças a Deus!!!
Depois também a vontade de tocar morreu, lentamente, a partir desse dia, até ao velório real de um amor que não sabia saborear-se!
Às vezes a memória é inimiga da imaginação...mas a teimosia, a minha, vai levar-me a surpreender-te um dia destes!!
Só uma pergunta: tinto ou branco?

domingo, 3 de agosto de 2008

Experiência 11


Disse uma vez, aquando mais novo, que ansiava conquistar o coração da minha namorada e que não sabia bem como fazê-lo porque já tinha feito um pouco de tudo...

Perguntei aos amigos... fiz as coisas certas... as erradas... demonstrei o mais profundo dos amores e o mais desolador dos desprezos... Nada a demovia de me dar apenas um pequeno contentamento ao fim do dia e julgar que isso seria o bastante... O contentamento, explique-se: ia do taciturno jantar com alguma troca de informações de como foi o dia de cada um, passando pela "loucura" de vermos juntos uma série do seu agrado, até ao lermos em absoluto sossego cada um, o seu livro...

Um dia em que ambos tínhamos acabado de tomar banho e lavávamos os dentes, olhei-a prolongadamente ao espelho, sem que ela desse por isso: descobri nessa altura um rosto humano (?) em que não existia raiva, nem desejo, rosto do qual se desvanecera toda a paixão, que sabia "tudo" e nada queria, nem vingança, nem clemência...

E por momentos pensei: "Será isto a suprema perfeição? Esta solidão absoluta e surda, face às alegrias e dores?".

Viria perceber, 1 ano mais tarde que afinal não! Aquilo era apenas uma pessoa que estava morta por dentro e que já não permitia que a vida lhe entrasse pelos poros enquanto fazíamos amor, ou lhe fosse injectada por agulhas quando ia ao médico, porque mesmo estando ali ao seu lado dando-lhe amor, provando o que era o amor, a única coisa que ela alguma vez fez que se assemelhasse a um sentimento, foi numa dada noite dar-me um valente estalo quando lhe disse: "Estás morta!".

Nesse dia saí porta fora, nunca mais a vi, nunca mais falámos... e dado que nunca pediu desculpa nem nunca quis falar do passado, deduzo que, eventualmente: morreu, mesmo!

sábado, 2 de agosto de 2008

Imaginário XXXI

Era uma vez, num país muito distante, uma rainha.

A rainha não era muito popular, era muito difícil gerir um reino tão grande sozinha e muitas vezes tinha que tomar decisões difíceis e que sabia que iam desagradar aos seus súbditos mas tinha que as tomar.

Um dia, enquanto a rainha chorava secretamente no seu leito por tão tormentosa que era a sua vida, apareceu-lhe uma fada que lhe trazia uma oferenda. A fada oferecia-lhe um espelho mágico cuja magia só se manifestava e era vista pelos olho da rainha. Tudo o que a rainha precisava fazer para que o espelho espelhasse com magia era perguntar-lhe se os outros viam a sua beleza e o espelho reflectiria a imagem que a maioria das pessoas tinha dela.
Mas, disse a fada, se contares a alguém a magia deixa de funcionar.

A rainha posicionou-se em frente do espelho mágico, proferiu as palavras mágicas e teve o resultado mágico. Uma imagem feia, disforme, distorcida e monstruosa surgiu.

Como a rainha ficou devastada... como lhe custava ter que tomar certas medidas para endireitar o reino e principalmente para o manter direito. Será que eles não sabiam? Achariam eles que ser rainha e tomar decisões era fácil?
Eles apenas decidiam sobre as suas vidinhas e bastava-lhes ter conhecimento delas. Ela não. tinha que estar informada não só das vidas deles como de tudo o que se passava no seu reino como de tudo o que se passava no resto do mundo. Às vezes ficava cansada e nem tinha quem lhe desse o conforto de um abraço, porque uma rainha não mostra emoções.

Nessa noite adormeceu embalada pelo som do seu choro e acarinhada pela suavidade das suas lágrimas.

Quando acordou na manhã seguinte, ainda um pouco angustiada, resolveu que ia mudar algo. Queria que a vissem como ela era. Não que a vissem como uma monstra. Os seus súbditos precisavam sentir que nem sempre as medidas boas para eles eram as melhores para todos. Iria sacrificar um pouco o reino mas eles iriam perceber que ela era para eles como uma mãe: eles podiam não concordar com tudo mas para eles ela iria ser bela e insubstituível porque uma mãe toma sempre conta dos filhos o melhor que sabe e quer sempre o melhor para eles.
E se eles não o descobriam " a bem" iriam descobrir "a mal".

Assim, na primeira sessão aberta ao povo, ela não refutou nem argumentou com os conhecimentos que tinha em como o que eles queriam não era o melhor para eles. Não. Ao contrário - assentiu a tudo depois de lhes dar a escolher entre os resultados a curto prazo e a longo prazo. Cada súbdito assinava uma espécie de testemunho em como a pergunta tinha sido feita e ele tinha escolhido o que achava ser melhor para o reino.

E assim foi. Ao início, e para desgosto cada vez maior da rainha - que se ia vendo cada vez mais bela no espelho - o reino estava a tomar as medidas directamente suplicadas. E ela sabia pela sua experiência que mais tarde ou mais cedo o reino ia colapsar. Gostaria que fosse mais tarde e que todos tivessem oportunidade de ver que o modo dela era o melhor para todos, mesmo parecendo o pior.

Aos poucos os súbditos recomeçaram as suas lamúrias. A cada um a rainha sorriu complacentemente e disse que apenas acedia aos desejos de cada um. Que eles haviam criticado antes e optaram voluntariamente por estas medidas, que nada lhes tinha sido imposto.

A rainha via o seu reino degradar-se cada vez mais depressa ao mesmo tempo que no espelho sua imagem era cada vez mais bela mas cada vez mais distorcida também.

Então tomou outra medida. Chamou todos para junto de si e anunciou as principais diferenças entre o antes e o depois das medidas. E anunciou também que iria voltar ao regime anterior.

Nessa noite o espelho não reflectiu. E a angústia da rainha continuava. Queria que a vissem como ela era. Nem ser mais bela nem ser hedionda aos olhos dos outros. Apenas como era: uma mulher destinada por herança a governar um povo que queria prosperar e que fazia tudo para que isso acontecesse.

Passados alguns dias o espelho voltou a reflectir. O espectro ainda era disforme, aparecia menos belo mas ainda assim distorcido.

E com o passar do tempo e com o retorno à sua política o seu reino estava cada vez mais perto daquilo que era o seu desejo.

Ela continuava a analisar e a ouvir o povo mas conforme estava decidido ela tomaria as decisões e não eles.

Um dia olhou-se no espelho e o espelho reflectia a sua imagem nítida. Sem disformidades, sem belezas exageradas sem monstruosidades. Reflectia a mulher que estava diante dele.

Nessa noite, enquanto dormia um sono calmo como há muito não tinha a fada passou e levou o espelho mágico deixando um igual.

E durante todo o reinado da rainha ninguém contestava as suas decisões pois ela estava confiante de si e da imagem que o mundo tinha dela.


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