sábado, 29 de novembro de 2008

Excerto de um dia atípico da vida dos Thunder's

Bem sei que é sábado e dia de sushi, mas o tempo não dá para tudo e apesar de o fim-de-semana ser dos prolongados e apesar de ter o esboço de uma história (mais uma das minhas secas) na cabeça não vai dar para desenvolver.

Então falo daquilo que também são histórias mas das vividas a sério por nós, não das que invento.

Levantámo-nos a uma hora agradável para um sábado. Tínhamos umas compras muito simples para fazer (na verdade o que nos levava ao super seriam iogurtes para a avó). Tomámos o pequano almoço e saímos para deixar o Pootchie com ela.
Tive a "brilhante" ideia de me enfiar no Cascaishopping. Vá lá, à hora que chegámos ainda havia um lugarito no parque descoberto.

Compras de Natal. A maioria estão despachadas. De cada vez que saímos de um sítio o número de pessoas nos corredores parecia ter aumentado.

Continuo a achar "fantástico" as famílias enfiarem-se em peso no centro comercial ao fim-de-semana. Pai, mãe, avós que andam lentos à brava, carrinhos de bebés que ocupam os corredores inteiros e mais: pessoas que entram com os carrinhos de bebés dentro das loljas tornando a circulação extremamente difícil. Crianças que acabam por ficar rabujentas e pais que acabam por ficar sem saber o que lhes fazer quando seria tão simples dividirem-se entre si e um ficaria em casa enquanto outro iria fazer compras.

Há também as típicas pessoas que se esquecem com certeza que estão num local público e passeiam-se como se mais ninguém lá andasse. Param onde lhes apetece nem que isso signifique entupirem o corredor inteiro porque a avó tem uma malha nas meias e o neto não pára quieto e dali a pouco apanha não tarda e o bebé entretanto acordou e põe-se a chorar e o pai vai abanar o carrinho e a mãe não sabe onde está o telemóvel e a filha adolescente está ali com ar de quem mais lhe apetecia estar era com a amiga a ver páginas do Hi5 e o melhor é mesmo ficarem ali todos porque a tia finalmente estacionou e vai ali ter com eles se eles não esperam nunca mais se encontram.

Há aqueles espécimens que eu também gosto (sim, gosto, de ver longe) que têm o marido ou o filho ou a mulher ou quem seja no último lugar de uma fila de 50 pessoas para ir buscar um hamburguer mas já estão a reservar mesa para 10 pessoas que entretanto "limparam" pondo os 4 tabuleiros cheios de restos na mesa ao lado para quem vier a seguir que limpe. As outras que andem de tabuleiro na mão a procurar um sítio, azarito.

Ah, também gosto das senhoras na idade da parvalheira que a menopausa dá, aquelas que acham que como já pariram e já lhes secou a fertilidade são donas do mundo (malditas descompensações hormonais) que mesmo mostrando a senha para o bacalhau e mesmo pedindo educadamente para se desviarem porque a minha vez está a chegar olham como se eu tivesse acabado de sair da creche e ainda gozam. Se calhar devo mesmo, talvez elas não pedissem e se impusessem. Bem, pensando bem foi o que elas fizeram. Cascais? Tiazocas? Benzocas? Na.. de bem não tiveram nada a não ser a arrogância.

Bem, e agora vou arranjar o frango para o wok de amanhã e fazer a canjinha. Natal é quando o homem quer excepto nas grandes metrópoles em que Natal é dia 25 de Dezembro e já é muito bom.

Lamento pelas pessoas que vão fazer compras de Natal que não têm a mínima noção do que ele é.

Talvez seja por isso que eu detesto tanto o Natal.

Ahh! E por falar em detestar. Este ano não se vai fazer árvore, não vamos estar cá e não vamos ter a trabalheira, não nos apetece. Falava no entanto com um colega que dizia que no Natal não dispensava a árvore e o presépio. Achei de uma incongurência enorme.
O paganismo e o cristianismo ali juntos, lado a lado. Na minha opinião as pessoas deveriam escolher se querem festejar o solstíco de Inverno ou o nascimento de Cristo.
É que vejamos, são estas as pessoas que criticam em massa os outros (o critianismo deveria ser uma religião de aceitação e amor ao próximo, digo eu que sou agóstica), que se benzem perante ideias "do demo", que defendem as fogueiras onde se queimavam as bruxas e no fim ali está ele, o símbolo pagão a lembrar como foi que a "Igreja" se apoderou das crenças de todos e os forçou a amar a Cristo mesmo ao lado do símbolo do berço do menino Jesus.

Eu acho incoerente mas aceito que me digam que a árvore e o presépio sejam o símbolo máximo da união entre todos. São pontos de vista. Mas se a abertura é assim tão grande que não seja apenas em Dezembro, afinal Natal é quando o homem quer.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Vivências 59


Para a semana vou ser aquela rapariguinha ali do meio à direita...
Lindo... o que eu sempre desejei ser na vida: uma mulher do fim do século XIX...
A ver vamos!

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Experiência 28


Durante muito tempo tentei não tirar férias e trabalhar que nem um camelo... Era um objectivo... um alvo... um fim a atingir... um propósito... um intuito...
Uma maluquice... uma avaria... a extinção de um dos lobos cerebrais... sei lá...
Hoje cedi e disse: Está bem! Vou-me! Até ao meu regresso!

sábado, 22 de novembro de 2008

(A importância de) Sentir na pele

Lembrei-me há pouco que quando era miúda (e não serei eternamente uma miúda? ainda que uma miúda a encarquilhar, a descair e a esbranquiçar?) me perguntava muitas vezes o que veria o meu pai, que usava óculos permanentemente e sempre que lhe pegávamos nos óculos ele dizia rispidamente "dá-me cá isso que eu não vejo nada sem eles" como se algo de muito mau lhe pudesse acontecer, um tom de voz que era um misto de receio e de ordem.

O meu pai era o único adulto que não era velho que eu conhecia que usava óculos sempre e a toda a hora. Nem os adultos velhos os usavam 24/7 e nem os adultos velhos ficavam tão irritados se pegássemos nas "oculetas" deles.

O meu pai era o único que ficava todo abespinhado.

Um dia perguntei-lhe se ele ficava cego se não os tivesse. Na minha ideia pôr os óculos seria como acender uma luz e tirá-los seria como apagá-la. E por isso nunca ele poderia ficar sem eles, senão passava a ver tudo muito escuro.
Ele respondeu que não ficava cego mas que não via nada. E eu não percebi nada do que ele me disse. Mas ele era crescido e eu não e devia ser uma daquelas coisas que só os crescidos é que sabem.

Um dia, tinha eu 13 anos, comecei a usar óculos. Coisa pouca, mas precisava. E lá andava eu toda contente com os meus óculos novos. Ao início tudo parecia igual com a excepção de ter uns vidros à frente dos olhos.

Hoje, 20 anos depois, ao olhar para o relógio digital do quarto lembrei-me da pergunta que fiz ao meu pai teria eu os meus 4 ou 5 anos. Ia jurar que até ouvi a minha voz.

E lembrei-me de ele ter respondido que não ficava cego mas que não via nada.
Porque eu não sou cega e macacos me mordam se eu não via nada a não ser um esborratado colorido disforme.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Vivências 58


"Gentil viúva, eu não sou o homem que procuras, mas desejava ver-te, ou, quando menos, possuir o teu retrato, porque tu não és qualquer pessoa, tu vales alguma coisa mais que o comum das mulheres. (...)

A cláusula de ser o esposo outro aborrecido, farto de solidão, mostra que tu não queres enganar, nem sacrificar ninguém. Ficam desde já excluídos os sonhadores, os que amem o mistério e procurem justamente esta ocasião de comprar um bilhete na loteria da vida. Que não pedes um diálogo de amor, é claro, desde que impões a cláusula da meia-idade, zona em que as paixões arrefecem, onde as flores vão perdendo a cor purpúrea e o viço eterno. Não há de ser um náufrago, à espera de uma tábua de salvação, pois que exiges que também possua. E há que ser instruído, para encher com coisas do espírito as longas noites do coração (...)....

Viúva minha, o que tu queres realmente, não é um marido, é um remédio contra o enjôo. (...) Não te contentas com o remédio de Sêneca, que era justamente a solidão, "a vida retirada, em que a alma acha todo o seu sossego".

Tu já provaste esse preparado; não te fez nada. Tentas outro; mas queres menos um companheiro que uma companhia."

Machado de Assis, Vae soli: "Gentil viúva...", 1892

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Experiência 27


O melhor da solidão é a sensação de ela nunca acabar que nos envolve como um abraço que vem de antes do tempo, mas que paira exacto no instante. E igualmente a sensação de nos podermos expandir interminavelmente como uma nave decidida a perder a rota para encontrá-la, sabendo que ter rota nenhuma é o caminho autêntico para tudo, desde que se tenha um gosto pirata no olhar, na boca, em todos o sentidos - um gosto conquistador de quem venceu o medo em sentido lato e viaja junto dele na pura expectativa de quem consegue a cada nova inspiração a maravilha.
A experiência do satori assim torna-se contínua e precisa, e tão natural que nem se dá por isso e por ser o estado natural do espírito que igualiza a dor e a alegria, o ganho e a perda, o inferno e o paraíso, nele não há rejeição nem aceitação de coisa alguma e assim o homem torna-se nuvem e passa com uma leveza de pássaro sem oposição a coisa alguma.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Extra


O Marco tinha uns olhos azuis profundos e francos. Um sorriso agradável e sincero. Era um portento de generosidade como vi em poucas pessoas.

O Marco teve uma uma vida conturbada. Chegou até mim num dia de chuva: cansado, dorido, só.

O Marco tornou-se meu utente. Durante meses partilhou comigo a sua vida. Mais tarde a sua alma e, no fim, os seus medos.

Nunca chegou a saber quais eram os meus. Tínhamos uma relação profissional e as coisas ficaram assim.

Saiu da Instituição onde eu trabalhava por razões que nem ele, nem eu concordámos mas que o meu superior achou serem as melhores.

Ele nunca chegou a saber a quantidade de discussões que essa saída gerou entre mim e a minha chefia.

Creio que nunca questionou que foi graças a essas constantes divergências (sobre ele e outros casos) que mais tarde, também eu saí da Instituição e o senti como alivio.

Telefonava-me muitas vezes. Umas apenas para partilhar o dia, outras para me pedir a opinião e outras ainda, para me pedir orientação.

Nunca chegou a ter conhecimento que muitas vezes eu não partilhava o meu dia com ninguém, que eu não tinha quem me desse uma opinião e, acima de tudo me proporcionasse uma orientação.

O Marco tinha uma doença da qual ele sabia que nunca iria recuperar, da qual ele não falava quando tinha uma nova namorada e, sobretudo, a qual ele tentava deixar cair no esquecimento de si próprio.

Foi uma doença "ganha" nos excessos de uma vida que na altura ele tentava deixar para trás.

O Marco morreu. Deu entrada no Bloco operatório e disse o médico: "Já não havia nada a fazer!"

No momento em que a família me deu a noticia estava frio, chovia lá fora e eu por momentos senti que o mundo parava ali de alguma forma...

Dei-me conta das discussões e da futilidade de algumas delas. Dei-me conta das frustrações e da inutilidade de muitas delas. Dei-me conta da quantidade de energia gasta em alguns casos/pessoas e do quanto improfícuo foram na maioria delas.

desnecessária,
escusada,
sem préstimo,
incapaz,

inábil,
frívola,
vão,
leviana...

A vida por vezes É isto! E outras vezes a lista continua...

Cheguei assim, de forma abrupta, ao fim da minha opção profissional...

Há que saber quando já não aguentamos mais, quando já não conseguimos fazer mais... Os homens/mulheres não se medem aos palmos mas, por vezes, a humanidade e o que nos resta dela: sim!

sábado, 15 de novembro de 2008

Era uma vez um ancião

Mesmo mesmo no meio do universo havia um mundo. E mesmo mesmo mesmo no meio do mundo havia uma floresta. E mesmo mesmo no meio da floresta, mesmo mesmo lá no meio, havia uma pequena aldeia. Tão pequena que já só tinha um casebre, um poço e, mesmo mesmo no meio, um pelourinho.

Essa aldeia tão pequena tinha apenas um habitante, um ancião que ninguém sabe que idade tinha porque ninguém sabia que ele existia, assim como ninguém sabia que a aldeia existia.
E o ancião também não sabia porque a última vez que ele falara com alguém já tinha sido há tanto tempo que ele próprio não se lembrava.
Ele também já não tinha noção do tempo que passava, ele só sabia que a seguir à noite vinha o dia e a seguir ao dia vinha a noite e que a seguir ao Verão vinha o Outono e a seguir ao Inverno vinha a Primavera.

O ancião já não ansiava a vinda de ninguém.

Durante muito tempo, que ele não se lembra nem quando nem quanto foi, ele esperou alguém.

Mas agora, passado todo o tempo que passou, o que ele espera é que não venha ninguém. Assim como desejou em tempos ouvir uma voz deseja agora que nenhuma voz se oiça.

Se alguém por lá passasse (que não passa porque ninguém já quer ir aos lugares que faltam descobrir porque acham que estão todos descobertos) ia com certeza ter muita pena do ancião. E se alguém por lá passasse nunca ia compreender como é que o ancião podia ser assim tão rude.
Na verdade ninguém poderia compreender porque todos estão sempre tão habituados e dependentes de estar rodeados de tudo o que é supérfulo que não lhes caberia no entendimento que alguém possa viver assim (E ainda por cima ser feliz, que horror, como é possível!! - quase dá para a ouvir as exclamações), com se "assim" fosse de um modo deplorável.

Por isso o ancião apenas ansiava uma coisa. Poder viver tanto tempo quanto quer que fosse o tempo que lhe restava sem que ninguém ali aparecesse para lhe roubar a paz. Todos os dias abençoava ter sido mais um dia a sozinho (mas não "só", que estar só e estar sozinho são coisas bem diferentes). E todos os dias sentava-se no pelourinho antes de ir para o seu casebre e olhava o céu. E todos os dias pensava no que seria que estava no centro do universo.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Vivências 57

A minha vida tal como ela é, dizem, tem algo de:
Mas eu, acho isso... demasiado:




Verdade ou não... decidi, vivê-la sem ter em conta a opinião dos outros...

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Experiência 26


Todas as perguntas que nunca fizeste... todas a respostas que nunca te dei!


“Porque nunca me perguntas nada?”, disse-lhe ela, e ele perguntou a si mesmo por que seria.

“Porque nunca me perguntas nada?”, disse-lhe ela, e ele pensou que o problema não estava nas perguntas mas nas respostas.

“Porque nunca me perguntas nada?”, disse-lhe ela, e ele olhou-a, interrogativamente.


“De que cor é o mar?”, perguntou-lhe ela, e ele fechou os olhos para ver melhor.

“De que cor é o mar?”, perguntou-lhe ela, e ele olhou-a à procura de uma resposta.

“De que cor é o mar?”, perguntou-lhe ela, e ele respondeu-lhe que era da cor do seu olhar.


“Porque estás tão calado?”, perguntou-lhe ela, e ele foi todo ouvidos.

“Porque estás tão calado?”, perguntou-lhe ela, e ele abriu-se num sorriso caloroso.

“Porque estás tão calado?”, perguntou-lhe ela, e ele pensou em responder-lhe com uma pergunta.


“Tens alguma coisa a dizer-me?”, perguntou-lhe ela, e ele soube que as perguntas ainda mal tinham começado.

“Tens alguma coisa a dizer-me?”, perguntou-lhe ela, e ele ficou à espera do que ela tinha para lhe dizer.

“Tens alguma coisa a dizer-me?”, perguntou-lhe ela, e ele disse a si mesmo que só lhe restava negar tudo com veemência.


“O que queres da vida?”, perguntou-lhe ela, e ele disse a si mesmo que lhe bastava estar vivo.

“O que queres da vida?”, perguntou-lhe ela, e ele sentiu de imediato a presença da morte.

“O que queres da vida?”, perguntou-lhe ela, e ele teve vontade de lhe apertar o pescoço.


“O que queres dizer com isso?”, perguntou-lhe ela, e ele arrependeu-se imediatamente de o ter dito.

“O que queres dizer com isso?”, perguntou-lhe ela, e ele disse a si mesmo que o melhor era não acrescentar coisa alguma.

“O que queres dizer com isso?”, perguntou-lhe ela, e ele apressou-se a dizer-lhe que não era nada do que ela estava a pensar.


“És feliz?”, perguntou-lhe ela, e ele pensou nisso pela primeira vez há muito tempo.

“És feliz?”, perguntou-lhe ela, e ele sentiu a dúvida a instalar-se nele.

“És feliz?”, perguntou-lhe ela, e ele amaldiçoou-a por isso.


“Estás a dizer-me a verdade?”, perguntou ela, e ele respondeu para si mesmo que sim, claro, que coisa, estava a dizer a sua verdade.

“Estás a dizer-me a verdade?”, perguntou ela, e ele começou a duvidar de si mesmo.

“Estás a dizer-me a verdade?”, perguntou ela, e ele mentiu-lhe mais uma vez.


“Quanto tempo consegues aguentar sem sexo?”, perguntou-lhe ela, e ele calou bem fundo um sentido “Ainda mais?”.

“Quanto tempo consegues aguentar sem sexo?”, perguntou-lhe ela, e ele respondeu com um cauteloso “depende”.

“Quanto tempo consegues aguentar sem sexo?”, perguntou-lhe ela, e ele disse-lhe com um sorriso que atingira o seu limite.


“Por que me olhas tão intensamente?”, perguntou ela, e ele mergulhou ainda mais dentro de si mesmo.

“Por que me olhas tão intensamente?”, perguntou ela, e ele olhou-a como se ela mesma fosse a pergunta.

“Por que me olhas tão intensamente?”, perguntou ela, e ele despertou finalmente do seu sonhar acordado.


“O que é escrever?”, perguntou-lhe ela, e ele olhou-a intensamente até que ela se viu reflectida no seu olhar.

“O que é escrever?”, perguntou-lhe ela, e ele agarrou numa caneta e escreveu a pergunta na palma da mão esquerda.

“O que é escrever?”, perguntou-lhe ela, e ele respondeu que era isso mesmo, e não disse mais nada.


“Porquê o ser e não o nada?”, perguntou-lhe ela, e ele sentiu em si um profundo abalo metafísico mas fez como se nada fosse.

“Porquê o ser e não o nada?”, perguntou-lhe ela, e ele percebeu que nunca antes tinha sentido em si tanta vontade de ser.

“Porquê o ser e não o nada?”, perguntou-lhe ela, e ele repetiu a pergunta para si mesmo, breves instantes antes de deixar finalmente de ser.


“Por que nunca acreditas em mim?”, perguntou-lhe ela, e ele nem queria acreditar no que ouvia.

“Por que nunca acreditas em mim?”, perguntou-lhe ela, e ele olhou-a nos olhos, ainda com mais desconfiança do que era habitual.

“Por que nunca acreditas em mim?”, perguntou-lhe ela, e ele acreditou nela pela primeira vez.


“Por que te esforças tanto?”, perguntou-lhe ela, mas ele nem a ouviu, tão concentrado estava a tentar agradar-lhe.

“Por que te esforças tanto?”, perguntou-lhe ela, e ele ficou a pensar no exacto sentido da pergunta.

“Por que te esforças tanto?”, perguntou-lhe ela, e durante várias horas ele fez o possível e o impossível para lhe explicar a razão.


“Quem sou eu?”, perguntou-lhe ela, e ele lembrou-se do tempo em que tinha uma resposta simples para essa pergunta.

“Quem sou eu?”, perguntou-lhe ela, e só então ele percebeu que não sabia a resposta.

“Quem sou eu?”, perguntou-lhe ela, ele olhou-a como se a visse pela primeira vez. Só assim lhe poderia verdadeiramente responder.


“É verdade que me trais?”, perguntou-lhe ela, e ele disse a si mesmo que sim, sim, sim, bem podia ficar à espera de uma resposta.

“É verdade que me trais?”, perguntou-lhe ela, e ele calou-se, mas ficou a pensar que até não era uma má idéia.

“É verdade que me trais?”, perguntou-lhe ela, e ele respondeu que não, sem hesitações, sem mesmo pensar. Se havia uma coisa que nunca faria era trair-se a si mesmo.


“Qual é o teu desejo mais profundo?”, perguntou-lhe ela, e ele ficou a pensar se ela tornaria o seu desejo realidade caso ele lhe dissesse qual era.

“Qual é o teu desejo mais profundo?”, perguntou-lhe ela, e ele nada disse: o desejo devia ser profundo e todo ele era superficialidade.

“Qual é o teu desejo mais profundo?”, perguntou-lhe ela, e ele caiu em si à procura de uma resposta e nunca mais voltou.


“É melhor estar vivo ou estar morto?”, perguntou-lhe ela, e ele nem hesitou: disse-lhe que preferia estar morto. Acho que foi isso que lhe salvou a vida.

“É melhor estar vivo ou estar morto?”, perguntou-lhe ela, e ele respondeu que preferia estar vivo. Viveu ainda muitos e muitos anos, tantos que várias foram as vezes que implorou pela morte.

“É melhor estar vivo ou estar morto?”, perguntou-lhe ela, mas ele nem tentou responder. Havia muito que estava completamente morto.


“Serias capaz de prescindir de sexo por amor?”, perguntou-lhe ela, e ele ergueu sobressaltado o olhar dos seus generosos seios e pediu-lhe para repetir a pergunta.

“Serias capaz de prescindir de sexo por amor?”, perguntou-lhe ela, e ele respondeu para si mesmo que sim, sim, sim, mal podia esperar para levá-la para a cama.

“Serias capaz de prescindir de sexo por amor?”, perguntou-lhe ela , e ele respondeu que sim, claro, sem dúvida, o que não faria por amor. Estava há muito habituado a mentir por sexo.


“Por que me amas?”, perguntou-lhe ela, e ele não só não lhe respondeu como fez tudo para esquecer a pergunta. Tinha bastante medo de, caso um dia soubesse a resposta, deixar de a amar.

“Por que me amas?”, perguntou-lhe ela, e ele respondeu-lhe sem hesitar: Porque desconheço a razão! Foi nesse exacto momento que ela começou a amá-lo.

“Por que me amas?”, perguntou-lhe ela, e ele começou a falar-lhe com entusiasmo do último livro que lera. Então ela sorriu de felicidade, pois, tal como ele, também ela não sabia por que o amava.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Depeche Mode - New Life

New life???

Quem sabe?

Pelo menos alguma mudança tem que haver...

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Vivências 56...


Acordar bem cedo.
Tomar banho.
Colocar uma roupa apresentável e que não pareça que vim ou vou para a tasca ali do lado.
Pintar-me.
Pentear-me e dar um jeito nas sobrancelhas.
Engolir algo liquido.
Sair com tudo certinho dentro da mala.
Ter a certeza do percurso que tenho de fazer: rápido e bem!
Comprar viagens de metro.
Tomar café. Outro.

Chegar a horas ao trabalho.

E saber que depois nos pagam 3,25€ à hora... que deve ter sido isso que gastei só nas viagens de metro...

Há dias em que não se devia sair da cama!

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Experiência 25


Há dias em que dizer que me sinto só, parece-me ser palavra desadequada, pobre ou eventualmente, feminina mas, de facto, não há como reter. Não há como impedir, Não há como controlar. Esta dor de alma sobe por mim a uma velocidade estonteante, segue-me como sombra. É mais do que eu, em muitos dias em que eu, sou mais do que os outros.

Não choro. Não porque o macho não chora mas, por vergonha.

Não me queixo. Não porque macho não se queixa mas, por saber que não serei ouvido ou tido em conta.

Não telefono aos amigos. Não porque o macho é orgulhoso mas, porque eles têm os seus problemas e os únicos que vou tendo nem sempre me apetece chateá-los.

Não conto à namorada. Não porque macho não dá parte fraca mas, porque ela tem problemas dela e porque, acima de tudo, tem os seus amigos que tem também de os ouvir.

Não faço relato aos pais. Não porque macho é independente e trata de si próprio, uma vez fora de casa mas, porque normalmente os pais não entendem o que é isso da solidão... Já lá vai tanto tempo que deixamos de ser jovens...

E Hoje, se o digo aqui é apenas por pura incapacidade de manter este ermo mais tempo calado, sem me consumir mais um pouco...

sábado, 1 de novembro de 2008

Resumindo muito...

Um dia (e ninguém sabe explicar muito bem como apesar de haver inúmeras teorias) o Universo formou-se.

O Universo que ninguém sabe explicar muito bem o que é mas sabe-se intuitivamente - porque a palavra impõe respeito, tomara que o houvesse mesmo - que a sua vastidão vai além do que o próprio nome que lhe deram dá a entender.

O Universo formou-se, aquelas partículas todas criaram afinidades umas com as outras e resumindo a história, cá estamos nós, seres vivos e seres não vivos. Seres. Não somos mais que uma afinidade de partículas.

Resumindo muito outra vez, depois de toda a evolução (para os evolucionistas) ou de toda a criação (para os criacionistas) o homem (sim, com letra minúscula) - homens e mulheres - ganhou uma caracteristica: consciência do que o rodeia. Adjectivação. Tenha sido pelo ganho de superfície cerebral às custas de cada vez mais sulcos (evolucionistas) ou tenha sido graças a uma trinca na maçã (criacionistas) o certo é que o mundo que o rodeia começou por ser aproveitado. Depois observado. Depois esmiuçado. Depois esventrado. Hoje é escravizado.

O substracto que nos criou (seja por uma mutação na agregação de partículas - evolucionistas - ou porque da lama se fez a costela de Adão - criacionistas), que nos sustentou, que nos prendou com recursos, que fez do homem o Homem (desta vez com letra grande) foi, em dois escassos séculos de uma história tão mais vasta, avidamente esgotado.

Quando o homem saiu do seu núcleo reduzido, motivado seja pelo que quer que tenha sido (crescei e multiplicai-vos - criacionistas - ou procura de comida e paragens calmas onde fosse possível ter alimento e protecção - evolucionistas) ele conheceu novos locais. Fixou-se. Aprendeu as artes da defesa, da agricultura, do pastoreio. Iniciou a perigosa busca do saber. Perigosa porque há linhas que não se podem atravessar. Mas sempre e ao longo dos séculos o homem foi timidamente aproximando-se cada vez mais dessa linha.

O homem, achando que está cada vez mais próximo da sabedoria absoluta, auto-entitula-se "Homem", homem todo-poderoso, acima dos seres vivos e não vivos, acima de tudo, acima até do Universo.

A Humanidade, como ela gosta de se chamar a si mesma, não passa hoje de uma enorme organização trituradora onde de um lado coloca pedras, animais, árvores, água, pessoas e do outro obtém dinheiro, dinheiro e até mesmo dinheiro.
A palavra de ordem é seguir em frente sem olhar aos meios para atingir os fins. O que interessa é lá chegar.

Chegar? Onde? Será que alguma vez alguém parou para pensar onde se vai chegar?

O homem nasceu no seu berço, vagueou um pouco por todo o mundo, fixou-se aqui e ali onde para cada grupo havia melhores condições, prosperou, cresceu mais, onde havia pequenos núcleos passou a haver aldeias, organizou-se, dividiu tarefas, especializou-se, aumentou ainda mais, as aldeias deram lugar a vilas, a cidades, hoje em dia são metrópoles que mais parecem países, conquistam-se territórios, separam-se bens. Para quê?

Mais tarde ou mais cedo as grandes metrópoles esgotar-se-ão. Os escravos da era moderna que ainda permanecem nos campos a alimentar as cidades - quais vassalos a alimentar os nobres e reis - mas que ao invés da época medieval em que tinham protecção dos seus senhores estão hoje desprotegidos e inferiores em número, não conseguem já tirar das terras o sustento da suposta Humanidade.

As civilizações estão a entrar em declínio, vítimas de si mesmas.

Chegará o dia em que o colapso será inevitável. Mas ao invés de se dar em períodos longos em que a suposta Humanidade se pode adaptar, não. Desta vez não haverá adaptações. Seremos esmagados por nós mesmos, dizimados pela nossa desmesurada ambição.

E o pior é nunca chegarmos a saber exactamente o que ambicionávamos. Porque deus (deuses), a existirem, não aceitam homens no seu espaço.


Bem-vindos à época catastrófica do "format c:" global. Seja por castigo de Deus (criacionistas) seja por esgotamento dos recursos que nos sustentam (evolucionistas). Não vai sobrar ninguém para contar a história que nunca chegou a ser feita.

Um dia (e ninguém sabe explicar muito bem como apesar de haver inúmeras teorias) o Universo extinguir-se-á.
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Humanidade

do Lat. humanitate s. f.,

o conjunto dos homens;
o género humano;
natureza humana;
clemência;
benevolência;
amor do próximo;
(no pl. ) estudos clássicos.

(http://www.priberam.pt/)


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