quarta-feira, 28 de julho de 2010

Qual é o interesse de ter milhares de amigos virtuais?


A Inês Pedrosa escreveu no Expresso, uma crónica que fala sobre duas coisas que realmente, são um problema na nossa sociedade: um actual, o malfadado "facebook" e outra, brevemente e tristemente actual o acordo ortográfico que recuso, também, a aceitar!!!! Leiam que é interessante ver certas coisas noutra perspectiva...

O nome da coisa é Facebook, o que começa logo por me irritar. Não tenho nada contra a língua inglesa - só não percebo porque me hei-de ajoelhar diante dela quando tenho a sorte de ter uma outra língua, menos internacional mas menos banalizada. O português tem palavras difíceis de traduzir - não é só a saudade; é, por exemplo, o desenrascanço. O inglês também tem coisas só suas: dizer "I'm longing for you" não é a mesma coisa do que dizer "desejo-te ardentemente", até porque ninguém pode dizer isto em português sem se rir. Como "I'm falling in love" não pode traduzir-se por "estou a ficar apaixonado/a", "estou a apaixonar-me" nem sequer "estou apaixonado". Estas três expressões não transmitem a sensação de vertigem lenta e fulminante de alguém que está a cair no amor. A capacidade de síntese da língua inglesa tornou-a o esperanto do mundo e apoucou-a. Grupos de rock portugueses cantam em inglês para chegar "mais longe".
O inglês torna-lhes mais fácil escrever versos curtos e que, julgam eles, entrem no ouvido. Esta facilidade não tem compensado, e ainda bem: os cantores de língua portuguesa que conseguem maior internacionalização são os que se dão ao trabalho de criar na língua que é sua. Os poemas que Amália cantava não eram fáceis e chegaram aos Estados Unidos e ao Japão. Como chegaram os Madredeus, Mariza, Caetano Veloso ou Maria Bethânia. Por outro lado, as várias versões do português sempre se entenderam - não é por escreverem actual sem c ou os nomes dos meses com minúsculas que se entenderão melhor. Os brasileiros continuarão a chamar camisola à camisa de dormir e a usar o verbo trepar como sinónimo de transar, um verbo amável que os portugueses não têm. Além das diferenças vocabulares, persistirão as diferenças na gramática e na sintaxe - criativas, inspiradoras diferenças, que impedirão sempre a unificação dos manuais escolares nos países de língua portuguesa, mantendo a música específica de cada versão do português. Expliquem-me, por favor, para que serve o acordo ortográfico - e digam-me quanto desse dinheiro que não gastamos a promover a cultura de língua portuguesa ele nos custou. Quanto custou o tal lince descodificador? Quanto custaram as reuniões dos cérebros que produziram a maravilha? Quantos milhões de livros se deitarão para o lixo por neles estar escrito "afecto" em vez de "afeto"?

Agora, quando me falam da necessidade absoluta de estar no Facebook, respondo simplesmente: "Não entro numa coisa que nem sequer consegue ter um nome na minha língua." Facilita. As pessoas ficam a olhar para mim com um ar apiedado, julgando-me uma provinciana sem remissão. Sucede que a mim me parece que não há nada mais provinciano do que usar palavras de outra língua. É uma batalha antiga e dura: nos idos de 90 do século passado proibi os títulos em língua estrangeira numa revista que então dirigi e debati-me com uma incompreensão quase geral, à excepção (com um poderoso p) de algumas almas mais seguras e cosmopolitas. Alegavam que o próprio título da revista já era estrangeiro (francês); eu contrapunha que, por isso mesmo, convinha que a edição portuguesa fosse inteiramente nacional. Claro que não é só o nome da coisa que me afasta do Facebook: é o próprio conceito. Se já não tenho tempo para conviver com os meus amigos efectivos (com c), e com as pessoas que são da família ou que estão ligadas a mim por laços de casamento, para que me interessa criar milhares de outros, virtuais? Gosto das caras dos meus amigos. Tenho prazer em partilhar risos e lágrimas com essas caras. Há semanas, a minha cabeleireira perguntou-me se eu estava no Facebook - porque estava lá alguém a fazer-se passar por mim, com uma fotografia minha e tudo.
O que a fez desconfiar foi que esse meu fantasma pedia que alguém o ajudasse a administrar a página. Conhecendo-me há anos a cara, o cabelo e tudo o que nesses espelhos concretos se vê, a cabeleireira estranhou que eu pedisse essa "ajuda" . Uma amiga tratou de desmascarar imediatamente o fantasma - e recebeu um telefonema dos administradores do livro dos rostos pedindo-lhe o meu contacto para confirmarem a fraude. Claro que essa minha amiga não deu o meu contacto - mas conseguiu, pelo menos para já, acabar com o problema. Parece que já lá tinham aparecido amigos e conhecidos de há vinte anos que estavam a ficar ofendidos com a minha falta de resposta. Pois é: eu continuarei a insistir em ter uma vida real. Como se diz em "facebookês": sorry

Inês Pedrosa escreve de acordo com a antiga ortografia

Texto publicado na edição do Expresso de 17 de Julho de 2010


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