quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Imaginário XV

Os avós traziam, sempre que vinham a Lisboa, umas coisinhas para eles. As batatas lá da terra e o mel vinham sempre, as outras coisas variavam conforme a época do ano. Daquela vez traziam favas. Fava nova, na casca, uma saca delas.

O pai levava a saca para o barracão que havia no quintal, um quintal diferente do normal, era mais elevado que a casa. Subiam-se as escadas e estava-se como que noutro sítio.

Ela nunca gostava de ir fazer "coisas" que o pai dizia, mas quando era ir ao quintal gostava muito. O quintal parecia outro mundo, havia sempre qualquer coisa para ver.

Mesmo sem lhe dizerem nada ela sabia que havia que descascar as favas e a saca era grande, tinha trabalho para umas tardes depois da escola. Na escola não falava aos colegas das favas, a maioria não sabia o que era descascar nem favas nem ervilhas nem feijões... pensavam, provavelmente, que vinham de um qualquer sítio já meios secos ou congelados. Para os colegas essas coisas surgiam no supermercado. Se calhar eles pensam que nasce nos supermercados, dava ela por si a pensar enquanto descascava as favas.

Numa das tardes de descasca, a reparar que já há imensas favas que estava a pôr as cascas com as favas e as favas com as cascas viu algo a mexer pelo canto do olho. Parou e olhou na direcção do movimento. Ouviu um ruído. Lentamente levantou-se e foi ver o que era. Não mexeu em nada, espreitou e viu um minúsculo ser branco. Parecia uma bolinha de pêlo. Conseguiu aproximar-se e ver que era um rato. Um rato, pequenino, com pêlo branco como a neve e olhos vermelhos, uma cauda longa. Assustado.

Pegou nele e pô-lo numa caixa de ténis. Foi buscar-lhe comida. Passava longos minutos a olhar para ele. Precisava dar-lhe um nome.

No dia seguinte foi lá. Não estava. Chamou pelo ratinho branco mas ele não estava. Sentou-se no banco, olhou para a saca das favas mas não lhe apetecia descascar. O ratinho branco veio ter com ela. Afinal estava lá. Deu-lhe a comida, mudou-lhe a água. Agora tinha um amigo.

Os dias foram passando. Uns dias ele estava na caixa outros dias saía, mas quando ela chegava ele vinha ter com ela. Até que um dia não foi. Nem no outro, nem no outro. Ela chamava pelo ratinho branco e ele não vinha. Ela punha a comida perto dos sítios preferidos dele e ele não vinha. Naquele sítio não se sentia a presença dele.

Ela começou a andar mais triste. Olhava pela porta de vidro que dava para o quintal na esperança de ver o Ratinho Branco passar, mas nada. Um dia, o pai, ao vê-la olhar tanto e desconfiado de tantas idas ao barracão disse-lhe:
- Deitei o teu rato fora.

Ela sabia que não adiantava chorar ou reclamar, o pai não voltaria atrás. E mesmo que voltasse, o Ratinho Branco já não ia querer ser amigo dela, de certeza.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Peixe Cru com sabor a humor

Gostava de saber a razão para um país derivar tanto para a insanidade e a pobreza. O desemprego aumenta, as taxas sobem, o governo é uma anedota real. Ninguém está bem, mas ninguém faz nada. Ainda no outro dia estava a falar com o meu amigo Lamelas sobre o assunto e este tem uma das melhores teorias de todas:

- A culpa disto tudo é da Júlia Pinheiro!
- HÃÃÃÃÃ?
- Sim, ouviste bem, da Júlia Pinheiro e dessa gente como ela...
- Tu já tomaste os comprimidos hoje?
- Pensa nisto assim: tu ligas a televisão...já não tens paciência para ver as notícias, porque só falam em bola, a miúda inglesa, os acordos políticos dos países, as dívidas...vês a tua vida a andar para trás...
- E então?
- Então, porra, não é evidente? Tu mudas de canal até encontrares uma alternativa a isso tudo. E sobra-te apenas os programas da Júlia Pinheiro, onde se fala da vida da Manuelinha que perdeu uma perna, e o filho a tentar salvá-la perdeu a falange do dedo mindinho e, afinal, ela até sofria do SIDA, mas como praticou o coito com o vizinho Manuelinho também ficou grávida, e teve de recorrer à prostituição para sustentar o seu vício da droga, apesar do marido ter ido para a França para as obras...
- Jesus...mas continuo a não perceber onde queres chegar...
- Afinal, quem é que não tomou os comprimidos? É simples...ao veres esses casos convences-te de uma de duas coisas: ou existem vidas bem piores que a tua..
- Sim...
- ...ou convences-te que isto já chegou a um ponto tal que, se programas como este são líderes de audiência, o país está perdido e não vale a pena lutar por ele...
- ahhhhhh...pois....és capaz de ter razão...
- É ou não é?
- Vamos tomar um cafezinho?

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Está frio...

Porque é que tenho tanto frio?

Procuro um agasalho mas não tenho, procuro um lugar mais quente, mas não o encontro...onde estou?
Como vim aqui parar?
Este lugar escuro, onde não vejo nada além desta névoa densa que quase não me deixa respirar.
Está tanto frio...

-Avô!!! – Ouço lá ao fundo...

Consigo agora distinguir, estou em casa do meu filho, no quarto da Sara, a minha neta de 8 anos...mas não me lembro de como aqui vim parar.

-Olá Sara, estás boa?
-Avô...dá-me um abraço!
-Há quanto tempo estou aqui, Sarita?
-Não sei Avô, para mim estás aqui desde sempre...
-Desde sempre?
-Sim, sempre te vi aqui, no meu quarto, onde passamos as tardes a brincar e a conversar...
-E fazemos sempre isso?
-Sim, e à noite costumas dar-me um beijo e aconchegas-me a roupa, para que não tenha frio...

Está tanto frio...
Olho pela porta do quarto e tento ver o meu filho, a minha nora, mas não vejo nada, está escuro, não vejo um palmo à frente do nariz...decido-me a chamar por ele, talvez ele saiba porque estou aqui. Grito a plenos pulmões mas o som só se ouve na minha cabeça. Para além da porta, só o vazio, o vácuo...o escuro. Está tanto frio...

-Sara, o teu pai, onde está?
-Está na sala a ver televisão...está a dar o jogo de Portugal.
-E ele não me ouve? Tem a televisão muito alta?
-Não Avô, ele nunca põe a televisão alta, porque faz dores de cabeça à mamã...

Porque é que ele não me ouve? Não me lembro de estarmos zangados, ele às vezes fazia isso quando era miúdo, quando se zangava comigo deixava de me falar e de me ouvir...mas ele já não tem idade para fazer essas coisas.

-Avô, ele não te ouve porque tu já não falas com ele...
-Mas ainda agora chamei por ele, eu não estou chateado, só quero falar...
-Sim, eu sei Avô, mas não vale a pena porque ele já não te ouve...mas ele diz que tem saudades tuas...
-Então se tem saudades porque não vem aqui ao quarto para falar comigo?
-Porque cada vez que ele entra no quarto tu desapareces...
-Desapareço???
-Sim, voltas para o escuro...

Está tanto frio aqui...no escuro.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

território fronteiriço

Às quintas sou eu.
É assim que está combinado há séculos, durante todos estes séculos tenho falhado. Mas não hoje, que tenho tempo e cabeça para não falhar. Tenho tempo, cabeça, mas não tenho assunto.
Esta falta de assunto é crónica, não apenas aqui, mas na taberna que dirijo sem ajuda, é um problema que se apresenta crónico e sem resolução à vista - por mais que sejam as promessas e tentativas em contrário.
The Sushi Meeting
O Encontro do Sushi
Sushi: arroz frio, temperado com vinagre, em formas variadas, e guarnecido habitualmente com pedaços de peixe, marisco ou vegetais. Expressão utilizada deste 1893, etimologia japonesa.
Gosto. Desde há anos que escolho jantar em restaurantes desta natureza, onde, invariavelmente, opto por...
Sashimi: prato japonês constituído por finas fatias de peixe cru. Expressão utilizada desde 1876, etimologia japonesa.
A preferência gastronómica reflecte-se aqui, na escrita. Ou assim pensei.
Agora, descubro que o meu tempero tem outra natureza, outra origem: um tempero imperceptível, algo que tem que ser demoradamente degustado para que se possa entender de onde vem o paladar, misterioso - já lhe chamaram enigmático. Eu sei, it comes natural.
Aqui vai.
...


- Olá.
- Há que tempos.
- É verdade... por onde tens andado?
- Por lado nenhum, quase que nem saí daqui.
- Sério?
- Claro, achas que eu ia brincar? Não, quase que nem saí daqui. Distracção tua, que nem me viste
...
- Lembras-te de te ter falado nos fios das meadas que fomos perdendo?
- Sim...
- Pois é. A minha meada desenrolou-se imenso, nestas últimas semanas. Tal foi a velocidade com que o novelo rodou, que nem eu tenho tido controlo sobre os fios, nem sei ainda se perdi o controlo desta coisa. Para te colocar a par de todas as pontas, seriam necessárias semanas de conversa...
- Estás a exagerar. Não queres contar?
- Garanto que não é exagero. Aliás, nem sei se tenho agora tempo para estar a ter esta conversa contigo, o telefone pode tocar a qualquer momento e terei que seguir no meu caminho.
- Tens um caminho, agora?
- Sei lá se tenho... tenho sempre a noção de andar a seguir os caminhos dos outros, na tentativa de que um deles me servisse. Acho que continuo na mesma, a tentar a seguir caminhos alheios, mais ou menos tortuosos.
Aliás, deves recordar-te de um conjunto de frases que te dirigi, a propósito, sobre caminhos e sobre como eu te guiava neles...
- Sim, acho que sim, que te guiavas por mim para te orientares.
- Isso: estou exactamente na mesma, sou a mesma pessoa. Apenas com a diferença de, agora, ouvir outras vozes e de tentar guiá-las - e de tentar guiar-me por elas.
- E estás contente com isso?
- Estou sempre contente quando alguém se digna dirigir-me a palavra, em dar-me atenção. Tu sabes, devias conhecer-me essa faceta, as necessidades que tenho.
- Ok.
- Olha, não gosto desse "ok", soa-me a reclamação: mas... que queres? Sabes que eu necessito de ouvir, sabes que eu necessito de guiar, de ouvido. Tu decidiste calar-te, para mim
E é aqui que eu estou agora. Foi para aqui que me mandaste.
- Como se não tivesses vontade própria.
- Talvez não tenha... eu preciso dos outros para viver...

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Constatações do real

Lá fora o Sol brilha. E apesar das chuvas de ontem que anunciavam o tão esperado início de Outono as temperaturas não baixaram, a chuva não veio para ficar, não houve trovoada.

Lá fora o Sol continua a brilhar a aquecer-nos. O calendário não pára. E sob um Sol que ainda nos chega quente preparamo-nos para a mudança da hora já este fim de semana e vamo-nos apercebendo que de dia para dia as ruas têm mais um enfeite de Natal. Luzes que se vão montando que no seu conjunto formam estrelas, pinheiros de Natal enfeitados, bolas, renas, pais natais.

Lá fora o Sol brilha e nos recantos das lojas onde esse Sol não chega as montras vão ficando repletas de objectos alusivos ao Natal. Ursinhos, pais natais, inúmeras coisas que não servem para nada mas todas têm um motivo associado à época que se aproxima. Lojas de artigos domésticos apresentam montras sugestivas para a noite de consoada. Lojas de lingerie apelam aos fetiches natalícios dos mais tímidos. As outras revelam sugestões para presentes.

Lá fora o Sol teima em brilhar e atrasar a chegada do Outono mas a vida segue o seu curso. E eu, seguindo o meu curso, tento ignorar ambas as coisas. Ignorar que o Outono ainda não chegou. Ignorar que o Natal se aproxima.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Em Fogo 5 - Solidão

Solidão... palavra triste... fado doloroso... como uma racha na madeira mais pura... estar só quando não se tem ninguém ou quando nos encontramos no meio da multidão.
Hoje em dia vive-se num Mundo feito de ambição, individualismo, escassez de tempo para olhar/sentir/tocar, corre-se por tudo e por nada, mesmo não saindo do mesmo sitio. Qual o prazer que se pode ter da vida se esta não passa de uma constante rotina e o mais duro é saber que apenas se vive uma vez e não se pode repetir.
A solidão pode ser ultrapassada com uma palavra, um olhar compreensivo, um telefonema que não é esperado, um toque ou, pura e simplesmente, um silêncio onde as duas pessoas se entendem como se de um diálogo se tratasse.
O que nos faz mais sós? O medo da entrega ao outro, mesmo que numa simples relação de amizade? A desconfiança pelo que é diferente? A indiferença perante as dificuldades dos outros, desde que não nos atrapalhem? Custa-me acreditar que o facto de algumas pessoas serem "diferentes", qualquer que seja o conceito de "normal", não possam por isso ser felizes.
Pode ser como uma ponte que a solidão vai corroendo e temos de optar entre ficar num pedaço dela sem fuga possivel ou saltar rumo ao desconhecido e, talvez, fazer outra pessoa feliz. Se é tão bom dizer a alguém "gosto de ti", porque será que muitas pessoas não o dizem? Existe antes uma enorme facilidade em dizer "amo-te", muitas vezes sem sentimento ou significado, e isso de que adianta?
Estar só pode ser bom em algumas alturas, contudo, ninguém consegue ficar sozinho toda a vida... acima de tudo sejam felizes e procurem as rachas da vossa madeira e recuperem-nas com um simples "gosto de ti".
Carpe Diem.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Peixe Cru em forma de medo

Precisava de falar com ela. Dizer-lhe o que sentia, o que queria fazer de um “nós” que não avançava. Pegou no telefone dez vezes. Olhou para o seu nome e sentiu medo. E não ligou. Nunca.
O autocarro estava cheio. As pessoas esperavam que a sua paragem anunciasse a chegada a um lar. As suas faces tinham um ar ansioso, mas plácido. Esperavam.
Queria dizer-lhe que nada fazia sentido. Que queria que pensassem no “nós”. Se valia a pena continuar assim.
A chave entrou devagar na fechadura. Cada som ampliava o seu medo. Não queria ser descoberto. Queria esconder-se. Que ela não o visse. Pesava-lhe o corpo pelo peso do segredo que não lhe desejava mostrar.
Pensou nisto a primeira vez que o viu. Era aquilo que queria. Desejava-o mais do que desejava qualquer coisa. E teve que o ter.
Ouviu-a levantar-se. Já não a podia evitar.
- Olá querido.
- Olá. Preciso de te dizer uma coisa.
- Que ar tão sério…
- Estou a falar a sério!
Sabia que tinha de ser agora. Tirou o peso do seu segredo de dentro do casaco, pegou-lhe com ambas as mãos e abriu a sua caixa. Não podia voltar atrás.
- Queres casar comigo? – disse, mostrando-lhe o anel.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Sem ti...

Acordei.

Sinto um vazio ao meu lado.
Procuro-te na cama, mas não te encontro...
O toque frio dos lençóis indica que saíste há bastante tempo, o suficiente para eles perderem o teu calor...

Um arrepio...

Não, não podes ter saído, eu teria acordado com a porta. De certeza que tu acordaste e estás a deambular pela casa ainda meio ensonada e sem saber o que fazer...

Silêncio

Não te ouço, não sinto os teus passos, não há nada que me faça acreditar que vais voltar para a cama, para o meu lado...mas eu acredito.

Sinto o teu cheiro na almofada.

Reviro os lençóis, como se ainda te procurasse, como se ainda fosse possível tu estares ali, ao meu lado e eu não te visse, não te sentisse, não te cheirasse...

Foi por isso que saíste...?

Ainda te consigo sentir, cheirar e quase tocar...o teu cheiro nos lençóis, o teu suor, as tuas lágrimas, o teu riso, consigo ter isso tudo aqui entre os lençóis, nas minhas mãos, no meu corpo...a batida do teu coração.

Não estás...e eu sem ti acordei...


No quarto, onde em tantas noites partilhámos os nossos corpos, onde desfrutámos de cada um, nos entregámos ao prazer, onde os nossos braços se entrelaçaram e as nossas bocas se tocaram, pairam os sons e o odor a sexo...

Sinto o teu cheiro na almofada.

Nunca conseguimos partilhar o que nos ia na alma, os nossos sentimentos, os nossos seres, partilhámos apenas desejo, luxúria, necessidades, carne...nunca foste totalmente minha nem eu totalmente teu...

Foi por isso que saíste...?

Nunca falámos, nunca partilhámos pensamentos, conversas, amigos, inimigos, amizades, tempo, vida...Tudo o que eu não te disse, tudo o que eu sinto, tudo o que me faz querer estar contigo está aqui, bem dentro de mim...e tu, queres estar comigo?

Silêncio

Saíste para sempre, saíste sem me dizer uma palavra, um gesto, sem um adeus... saíste como entraste, de repente, sem aviso, sem me aperceber de como chegaste até mim...

Sinto o teu cheiro na almofada.

Sei que é tarde, não há nada a fazer, tudo o que não foi dito, tudo o que não foi sentido, tudo o que não foi mostrado, tudo o que não aconteceu, ficará por acontecer...

Não estás...e eu sem ti acordei...

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Imaginário XIV

Lembro-me de ver aquela rapariga todos os dias. Bem, ou pelo menos quase todos. Já nem sei há quanto tempo a vejo. É difícil não reparar nela e atenção, não interpretem isto de modo leviano. É difícil não reparar nela porque ela passa totalmente despercebida.

Creio que é daquelas que se tentam mimetizar no meio da multidão. Quer dizer, é só uma ideia, não sei. Que mania que temos de olhar para as pessoas, especialmente aquelas que nos habituamos a ver sem nunca lhes tocar, sem nunca ouvirmos a sua voz, nem nunca receber um olhar directo nos olhos... bem, neste último caso nem é bem verdade porque às vezes os nossos olhares cruzam-se de vez em quando e devo dizer que o olhar dela me incomoda. Não é que transpareça maldade ou que demonstre ficar chateada ou importunada. Mas é um olhar tão profundo, penetrante e insistente, como se desafiasse, que tenho mesmo que desviar os olhos dos dela. Chega a dar-me a sensação de que para ela estes olhares nos olhos são um desafio e quem acaba por sentir o incómodo como se da invasão da alma se tratasse sou eu.

Seja como for, estava eu a dizer que a impressão que me dá é que ela se quer fazer confundir com o meio, como se desejasse ser camaleão... até vou mais longe. Quer-me mesmo parecer que se ela pudesse seria mais que camaleão... como explicar? Que se ela pudesse estaria no meio da multidão a observar toda a gente, perfeitamente visível mas sem deixar que ninguém a visse... como se fosse possível...

O que me chama a atenção nela é o facto como ela até parece fazer para repudiar os olhares dela. Acredito que não se apercebe de como acaba por ser alvo de tantos olhares. Olho para todos à minha volta e reparo que todos a olham também e enquanto penso no que ela estará a pensar penso também no que os outros estão a pensar sobre ela, se será o mesmo que eu. Penso ainda quem é que a vê há mais tempo que eu e a analisa há mais tempo e julga compreendê-la há mais tempo e quem é que a vê há menos tempo e nesse “menos tempo” já sabe mais sobre ela que eu, e desses eu sinto ciúme.

Que coisa parva - digo para mim logo a seguir - Que coisa parva sentir ciúme de pessoas que não conheço. Devo estar a ficar lélé - é o que me vou repetindo. E no entanto queria ser só eu a compreender o que ela pensa, sente, quer, sonha, deseja...

Em Fogo 4 - Ser Feliz


Estava-mos os 2 naquela esplanada virada para o Tejo com um copo de vinho na frente, quando olhaste bem fundo nos meus olhos e perguntaste "és feliz?". Eu retribui o olhar e naquele momento sabia que estava plenamente realizado... sentia-me livre, solto, com vontade de sorrir sem razão, com o desejo de me perder nos olhos dela e assim respondi "contigo, sou".
Depois dessa resposta passaste as mãos no meu rosto e ficaste a olhar para mim, segundo dizias, "quero fotografar o teu rosto"... e eu, abandonava-me ao teu olhar, sentido-me despido no meu íntimo, como só tu o conseguias fazer.
Contigo consigo ser uma pessoa diferente, consigo criar uma obra prima de um gesto, consigo falar sem palavras ou fazer do silêncio um imenso ruído... tu dizias "hoje sou tua" e eu respondia "só és minha se eu poder ser teu"... partilhava-mos o sonho na caricia sobre a pele, conhecemos o mapa do corpo um do outro de olhos vendados, sei quantos sinais tens no corpo ou aquilo que te dá prazer.
Tu dizias nos momentos de prazer "deixa-me abandonar o meu corpo para sentir o prazer a entrar" e eu respondia-te com o olhar e entrava em ti... era muito mais que isso, era como descobrir um mundo novo de sensações, nunca nos sobrepusemos um ao outro... tu dizias "sente-me por dentro" e eu respondia "não consigo entrar totalmente em ti, mas sinto-te dentro de mim".
Mas a felicidade não dura sempre... 2 meses depois de nos conhecermos soubeste... quando o médico te disse "cancro da mama em estado terminal" tu apenas seguraste a minha mão e olhaste-me nos olhos e nessa altura eu soube... tu querias partilhar comigo a dor, retribui o toque e apenas olhei para ti, sem compaixão mas com amor.
Desde esse dia segurei-te a mão, segui o caminho a teu lado em silêncio, olhei para ti e retive-te na minha mente... quando te disse que era feliz contigo já não tinhas cabelo, mas eu amava-te na mesma, o que conta para mim é a personalidade, o interior, o teu olhar que mesmo em dificuldade não se sentia derrotado.
Sabes o que aprendi contigo? O significado de "ser feliz", tu ensinaste-me que mesmo na tristeza se encontra uma âncora que nos agarra à Vida e eu fui a tua... continuas viva dentro de mim e agora, depois que te foste posso dizer "obrigado por me teres feito descobrir a felicidade".
Carpe Diem.

Antes de qualquer imaginário...

Temos uma novidade.

Depois da inesperada saída da nossa
Me Hate, a inesperada chegada do Eskisito.

Às 2ªs feiras... deliciem-se com os pratos dele.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Imaginário XIII

Entrei na cozinha. Já atrasada. Muito atrasada.

Lavei as mãos a correr. Peguei no avental ao mesmo tempo que abri o frigorífico e enquanto uma mão tirava o que ia precisar a outra ia enfiando o avental pela cabeça abaixo.

Estava com aquela sensação que faltava qualquer coisa. Revi mentalmente a receita a que já me habituei a fazer olhando para o balcão. Não... tudo a postos. Assim de repente não faltava nada.

Arranjei, cozinhei, preparei. Sempre com a sensação de que faltava alguma coisa. Servi. Sempre a pensar no que faltava.

Servi. Comi. Comemos. Afinal, estava ali. Era para se comer. Antes que ficasse frio. Comemos. Comemos até ao fim. Comemos, repetimos, e sem nos saber bem não nos soube mal.

No fim não soubémos dizer o que faltou. Faltava qualquer coisa. O travo foi diferente, que foi.

Estava lá tudo mas faltou qualquer coisa.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Em Fogo 3 - A Beleza



Certo dia, uma amiga disse-me qualquer coisa como: a beleza exterior vai sendo cada vez menos importante à medida que se vai conhecendo o interior do outro. Concordo plenamente com esta ideia e acabou por ser a inspiração para o meu texto de hoje. O conceito de beleza varia de pessoa para pessoa e não quer, obrigatoriamente, corresponder a um conceito de beleza fisico, mas será esse pelo qual vou escrever.
Hoje em dia o conceito de beleza física encontra-se muito ligado ao culto do corpo, a ideia de que só se é belo quando se é alto, magro ou se tem determinadas características aceites por aquilo que denominamos sociedade... aqueles que se destacam por serem diferentes, muitas vezes, são colocados de lado neste Mundo de aparências. Curioso é que as aparências escondem inseguranças, vacuidade, fraca autoestima e prazer em seguir modas.
A crescente vaga de procura por cirurgias plásticas ou programas de TV que promovem a "melhoria do corpo", tornando assim a pessoa "mais jovem" ou fazendo com que se aceite melhor como é. Não aceitar a idade que se tem é uma obsessão para algumas pessoas... porque não podemos envelhecer como fizeram os nossos avós? Porque viver até aos 120 anos se não temos a mesma vitalidade ou o mesmo desejo de quando tinhamos 20? Porque não aceitar que se pode ter rugas e ser feliz? Porque existem pessoas que querem ser iguais a todos os outros, mesmo em mundos virtuais como o Second Life?
Não consigo responder a estas questões... prefiro aceitar o corpo do outro como é e olhar para dentro: ver o que tem para me oferecer, discutir assuntos, partilhar emoções, rir ao mesmo tempo mesmo que faça rugas, olhar nos olhos e perder-me assim, sentir lábios reais nos meus mesmo que não seja a boca da Angelina Jolie, sentir o corpo no corpo pelo simples prazer de tocar e não porque foi totalmente retocado e siliconado... porque ligamos tanto ao que dizem os outros e as revistas de moda?
Para mim Beleza é ser puro no sentido de respeitarmos-nos a nós próprios... existe alguma diferença, em termos de beleza, entre um pôr do Sol e o corpo de outra pessoa mesmo que não seja "perfeito"? Sabe tão bem descobrir o corpo, a mente, o olhar, o beijo, o toque da pessoa que amamos... concordo que, num primeiro olhar, podemos sentir-nos atraidos por aspectos muito diferentes (e muitas vezes fisicos) mas se essa pessoa não tem mais nada para dar qual o interesse?
Ser belo ou bela, para mim, é ter algo que cativa, é ser mais do que um corpo e mostrar que se sabe pensar e viver a Vida, que se sabe aproveitar os pequenos momentos que ela nos oferece, que saiba distinguir o que dizem os outros e aquilo que diz o seu próprio coração, saber aceitar a diferença qualquer que seja a forma como ela se apresenta (fisica, sexual, racial...). Seria tão mais belo o Mundo se as pessoas aceitassem aquilo que são e procurassem antes ver a beleza onde ela realmente existe.
Tal como disse a minha amiga: a beleza fisica vai desaparecendo conforme vamos conhecendo e amando o interior de uma pessoa. Assino e subscrevo.
Carpe Diem.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Dois Meses


Há quase dois meses que não publico neste blog...

Serão várias as razões para que isso aconteça, falta de paciência, falta de "espaço mental", preguiça, falta de "lembradura", excesso de confusão, falta de vontade, falta de tempo, excesso de tempo, falta de organização do tempo disponível, etc...

A verdade é que até a linha em que comecei a "postar", a história, não me satisfaz e até aborrece. Porque faz lembrar coisas boas e más, porque me faz "puxar pela cabeça" para arranjar uma ideia cativante, ou porque não me apetece simplesmente escrever sobre o assunto.
Por isso, vou repensar o formato, vou arrumar as ideias e talvez escreva algo que realmente goste.Não sei ainda o que escrever, mas alguma coisa há de surgir...

Algo que me satisfaça, algo que me agrade e, assim o espero, aos leitores do blog.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Imaginário XII - adaptação do imaginário de alguém

Era uma vez uma cidade azul.

As casas azuis resplandeciam com os seus telhados azuis que brilhavam e reflectiam a luz azul do Sol azul. As crianças azuis, brincavam alegremente na cidade azul. Os pais azuis iam nos carros azuis para os trabalhos azuis com as suas roupas azuis.

Na cidade azul todos eram azulmente felizes. Os pássaros azuis chilreavam nos ramos azuis do topo das árvores azuis, volta e meia voavam para apanharem minhocas azuis enquanto as "pássaras" azuis chocavam os seus ovos azuis.

Os cães azuis passeavam pela relva azul, rebolando-se de felicidade, perseguindo gatos azuis que miavam, de noite, à lua azul.

As flores azuis deitavam um aroma fortemente azul na primavera, no outono as folhas secas azuis deixavam-se desfalecer a pousar suavemente nos passeios azuis e o manto azul crispava sob os passos dos habitantes azuis da cidade azul.

Na cidade azul todos eram azulmente felizes.

Um dia um forasteiro vermelho entrou na cidade azul. Todos os habitantes azuis olharam para a pessoa vermelha e o medo apoderou-se deles. Os seus longos cabelos vermelhos, os seus trajes vermelhos, os seus sapatos vermelhos... tudo era estranho para os cidadõas azuis da cidade azul.

Cercaram o viajante vermelho com cercas azuis.

O viajante vermelho foi então interrogado ferozmente pelos polícias azuis da cidade azul:

- O que estás a fazer nesta cidade? Tu não pertences a esta história.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Em Fogo 2 - Compreensão


Nos dias de hoje torna-se cada vez mais difícil estabelecer relações duradouras com outras pessoas derivado de um elevado stress e falta de paciência para compreender o outro. Investir num relacionamento, seja ele romântico ou de amizade, requer tempo, paciência, cedências, compreensão, carinho e, acima de tudo, confiança no outro.
A evolução do tempo cria clivagens entre as pessoas seja por intermédio de preconceitos (raciais, sexuais, fisicos, psicológicos...) ou porque cada pessoa se reduz à sua própria "concha" e tem dificuldade em assimilar a ideia de viver em conjunto. É certo que, hoje em dia, o tempo é cada vez mais escasso para estar com outras pessoas exteriores à nossa familia mas, em minha opinião, trata-se de algo essencial para manter algum grau de sanidade mental pessoal.
Costuma existir aquela ideia de que a loucura apenas acontece na juventude (ou mesmo antes) e que, com a idade, as coisas têm de acalmar e eu pergunto "porquê?" Porque não podemos continuar a ser loucos ou crianças mesmo que o nosso exterior demonstre uma idade "respeitável"? Porque será que se estabeleceu que a velhice tem de consistir na espera da Morte? O ideal reside em ser um adulto com mentalidade de criança, questionando sempre a Vida e procurando nas pequenas coisas a beleza reservada aos "milagres".
Os relacionamentos actuais pecam por uma falta de tempo em conhecer o outro e, sobretudo, pela dificuldade em dar liberdade. Podemos fazer parte de uma relação e, ao mesmo tempo, ter o nosso espaço e isso baseando-se sempre numa forte compreensão e respeito pela individualidade de cada um. Como dizia Sófocles: "... Para quem tem medo, tudo são ruídos...".
Para quê impor limites quando duas pessoas se amam? Obviamente que ciúmes sempre existem, contudo terão de ser em dose suficiente de modo a não sufocar o relacionamento. A melhor forma de alcançar a compreensão, quanto a mim, reside no diálogo... uma conversa aberta e franca pode ajudar a resolver problemas aparentemente insolúveis, desde que ambas as partes estejam receptivas a isso.
Gostaria de ver um Mundo como uma imensa Torre de Babel, onde o diálogo imperasse e a linguagem do coração fosse suficiente para comunicar com qualquer pessoa. Devemos colocar os sentimentos mesquinhos de lado e abrir o coração, porque mais vale viver e sofrer do que não viver de todo.
Compreender o outro em todas as suas cambiantes é sempre o caminho mais seguro para que todos se sintam bem. Por vezes, dadas as desilusões da Vida, torna-se difícil uma entrega por inteiro e ficamos sempre com medo de quando seremos colocados de parte mas, muitas vezes, estas situações impedem-nos de ver o horizonte e, eventualmente, descobrir uma estrela que brilha para nós e connosco.
Sejam felizes compreendendo o outro e não mudem apenas para agradar, cedam sim, mas mantendo sempre a vossa personalidade e respondam apenas pela linguagem do coração. Ser feliz é dificil (não diria utópico, mas quase), contudo isso apenas depende de cada um e da forma como escolhem o rumo da Vida.
Carpe Diem.

Vivências 13...

A Isabel era uma rapariga comum como outra qualquer...
Sempre metida um pouco no seu mundo achando, durante muitos anos que pertencia aquele universo feito apenas de si e dos livros que não lia, devorava.
Chegou a uma altura da sua vida em que achou que o mundo não podia ser apenas aquilo que estava contido em si ou o que tinha lido...
Procurou e achou, um manancial de gente, coisas e acontecimentos que a deixaram no inicio entre a perplexidade e a surpresa... Depois acostumou-se a ser um "bicho social"...
Gostava daquilo e parecia que os outros também gostavam dela... Não é de espantar, dizia umas piadas engraçadas para os mais distraídos e umas mais rebuscadas para os que mantinha "por perto"... Sabia falar a sério e quando falava toda a gente a ouvia, e essa sensação de ser o centro das atenções agradou-lhe... durante muito tempo, tempo, eventualmente demais...
Depois cresceu, aprendeu que tem de se abdicar de algumas coisas, em ordem se obtermos outras...
E assim... decidiu, sem mais nem porquê: VIVER A VIDA!
Os que não a conheciam perguntavam a razão de tal decisão, de se afastar... os que a conheciam silenciaram a pergunta e continuaram a vê-la quando ela queria, quando eles podiam... As pessoas não se perdem... eventualmente: os textos!


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