segunda-feira, 31 de março de 2008

Peixe cru com sabor a realidade

Causa - Efeito. Uma teoria que se torna cada vez mais visível na minha vida. Todas as minhas acções irão provocar uma reacção. Nem sempre agradável, nem sempre merecida. Mas são as minha acções que as provocam.

Quanto mais cresco mais avalio cada passo que dou, cada palavra que sai dos meus lábios. A tempestade de sentimentos da juventude começa a dar lugar à sabedoria da idade. Liberto emoções de forma controlada, penso cada uma das conversas que sei que vou ter ao longo do dia.

Irrita-me sentir que por vezes, nos momentos menos estudados, a minha boca exala emoções que deveriam ficar bem lá no fundo. Provocam reacções que seriam bem evitadas.

Tudo isto me transtorna. Tudo me provoca. Gostava que fosse possível viver sem esta hipocrisia. Que fosse possível viver num mundo onde a verdade fosse suprema, recompensada e reconhecida. Que fosse possível falar sem remorso e sem necessidade de perdão. Mas sem idiotices, sem provocações. Simplesmente falar a verdade.

Hoje vou tentar minimizar as acções. Porque os efeitos começam a massacrar-me o espírito. Mas em troca peço silêncio.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Vivências 22...

(Portishead)
No meio da reunião ele telefonou, ela não atendeu - a chefe tinha avisado que se chateava "à brava" se assim fosse - desligou "disfarçudamente" e pousou o telemóvel.
Ele não desistiu e enviou uma mensagem: Portishead diz-te algo?
Ela respondeu: Adoro!
Nem teve tempo de chegar a sua casa, não havia necessidade, ele ia buscá-la... Ela só teve tempo de engolir avidamente algo e dizer-lhe: "Honey, when you`re good... you are really goooood! Nice surprise!"
O voo tinha chegado mais cedo do que o imaginado...
A reunião terminou muito mais rapidamente do que pensava...
E houve tempo para se fazer o prometido: com chuva, cinza e olhos... E mais!

quarta-feira, 26 de março de 2008

maGIcais ao sushi #8

Primavera na terra do faz-de-conta
em que a aranha tricotava
um vestido para a mosca.

sábado, 22 de março de 2008

Imaginário XXV

Páscoa. Sábado de Páscoa. Levanta-se à mesma hora como se fosse dia de trabalho. Segue os mesmos gestos mecânicos do resto do ano quase maldizendo ser sábado entre feriados e estar em casa quase como uma obrigação.

Liga a televisão da cozinha para ver o notíciário. Abre o frigorífico, tira o sumo de laranja e dá um gole profundo directamente do pacote. É neste momento que ela entra na cozinha e ainda antes dos bons dias lhe diz que é um nojo fazer aquilo. Que vai baixar a televisão. Que as notícias só dão desgraças e é sábado de Páscoa e ainda são 6h da manhã, anda para a cama, os miúdos ainda dormem.

Sim, os "miúdos" ainda dormem, ser ou não ser sábado de Páscoa é igual, estão de férias e todas as noites vão para a borga com o dinheiro que eu trago para casa, a única coisa que peço em troca de sustentar estes vampiros é que me deixem ter das poucas manhãs por ano que posso ter para mim sossegado, beber o meu gole do pacote como faço todos os dias e ela não sabe, ver as minhas notícias.

- Vou ao escritório.

Dou-lhe um beijinho nas testa, sigo para a casa de banho, tomo o meu duche e faço a barba. Visto o fato, aperto o nó da gravata e saio.

É tão diferente conduzir nestes dias. Devia ser sempre assim. O telemóvel não toca. Estão todos nas suas casas com as suas famílias.Também eu deveria estar. Mas aquela não pode ser a minha família. O que foi que perdi?

Faço contas de cabeça para trás, quero saber onde foi que ao longo daqueles mais de 20 anos deixei de ter vontade própria e passei a ser um andróide motivado pelo trabalho e dinheiro. Subi na vida. Sou respeitado. Tenho o que chamam carreira. Tenho o que chamam família. Vamos a lugares finos onde se entra por convite, sentamo-nos lado-a-lado com a nata da sociedade.

Quantos sapos engoli eu para aqui chegar? Não sei. Nem sei quando foi que os comecei a engolir. A minha "família" nunca sequer pensou como foi que podem ter tudo isto, à custa de quê. À custa de quem. De mim, que vou aqui a conduzir, sábado de Páscoa, em direcção ao escritório para fazer nem sei o quê, apenas fugir, tal como Cristo não pôde fazer enquanto carregava a sua cruz.

Dou por mim a comparar a minha vida de lorde à cruz que Cristo carregou até ao Calvário. Um para bem de 5 pessoas, outro a bem da humanidade. Esbofeteio-me. Como me posso comparar a Cristo? Esbofeteio-me horrorizado com o meu sacrilégio.

Páro o carro ao ver a porta de uma igreja aberta. Entro. Lá dentro o que suponho ser o sacristão dispõe a mesa do altar. Dirijo-me a ele, procuro padre. Está a preparar a missa, diz ele, posso chamá-lo se precisar. Sim - agradeço.

Há anos que não me confessava. Há anos que não "pensava religioso". Saí de lá leve. A solução, por muito que eu não gostasse de a pensar ou materializar sempre esteve ali, a partir da altura em que olhei para a minha família e não reconhecia ninguém e pensava em que ponto foi que a nossa estrada deixou de ser a mesma para se dividir em duas quaisquer tangentes que só na altura da mesada se cruzavam.

Chegou ao escritório. Ligou o computador, abriu todas as suas pastas à procura de si e da sua intimidade. Não havia uma única fotografia de férias com as família. Não havia um único e-mail pessoal. Olhava abismado para o ecrã topo de gama, sentado na sua cadeira ergonómica em pele genuína e com um ligeiro impulso girou-a na direcção da janela. Do seu gabinete via mais de metada da parte ocidental da cidade, quase todos os dias tinha acesso a um pôr-do-sol perfeito e todos os dias o deixava escapar porque "amanhã há mais".

Voltou-se de novo para a secretária e começou a redigir um e-mail.

"Hoje termino de carregar a minha cruz. Quero ressuscitar para a vida."

Assinou-o e enviou. Saiu do escritório. Para o bem ou para o mal a sua decisão estava tomada.

Chegou a casa pouco passava das 11h da manhã. Não sabia como lhe dizer, a sua decisão estava tomada. Não sabia como lhe dizer que queria ressuscitar de toda aquela letargia de anos, que toda a família iria ser afectada mas que esta não podia ser uma decisão conjunta, era algo que ele próprio necessitava para ele.

Esperava que num acto de redenção toda a famíla compreendesse e apoiasse. Saberia que seria uma "prova". Sem apoio e sem compreensão nunca lhes poderia chamar "família". Fosse qual fosse a consequência tinha a certeza que a sua decisão era a mais acertada e a única possível.

- Hoje demiti-me.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Vivências 21...

(nos santos sempre dá para refrescar... já sei)
Tudo começou com aqueles prolongados jantares ao fim do dia... Estávamos para lá "da tal de Bagdad" mas encontrávamos sempre tempo para falarmos até altas horas, não era portanto, difícil, no dia encontrares-me deitada no teu sofá...
Em tom de desafio lançaste certo dia a missiva:
- Então e que tal mudares-te de vez para cá?
- Possivelmente porque tenho casa!
- Mas esta fica perto do teu novo trabalho certo?
- Nada que não se faça num piscar de olhos de carro...
- Repara: passo tanto tempo a viajar que é uma pena que a casa não seja... vivida! E quanto à tua casa, enfim, não gostas muito de viver nela não é?
- Mas é MINHA!
- Faz como queiras... um último copo e falas-me desse livro "pseudo" intelectual que andas a ler? Depois falo sobre o "Seda" que já "saquei" da net e já vi...
As horas passaram... não me sentia cansada! Não recordo quem de nós falou a ultima coisa mas, simpaticamente, como já vem sendo hábito, deitaste-me, tapaste-me e sem barulho fechaste a porta.
No dia seguinte, aos meus pés estavam as chaves de tua casa com um pequeno bilhete que dizia apenas: é tua para poderes entrar e: sair! Quando quiseres. Volto na quinta e depois podemos passear?????
Recordo que as primeiras coisas que levei foram bens essenciais (escova de dentes, maquilhagem...).
Seguiram-se os livros e os cd´s.
Depois um ou outro quadro meu.
Por fim a roupa.
Quinta chegou e tu com ela... sorriste e comentas-te:
- Ah sim, agora está vivida!
Trazias o álbum dos "Spoon" que ofereceste e de agradeci com beijo e um abraço e perguntei apenas:
- E vamos passear até onde?????
Boa Páscoa a todos e quem andar nas estradas (como eu) tenham cuidado... Eu estou LÁ, a conduzir!!!!!!! UI!

quarta-feira, 19 de março de 2008

maGIcais ao sushi #7

Estrelas acenando às gaivotas,
que ensaiavam com as andorinhas
uma ODE À PRIMAVERA!

segunda-feira, 17 de março de 2008

Peixe Cru com sabor a saudade

Estão a ver aquela sensação de estar em casa, de abrir uma janela e sentir o ar a que estamos habituados. Este fim de semana senti isso. Esta é uma das janelas que precisava de abrir.

domingo, 16 de março de 2008

Ronda das Tascas 01



O Alfredo não queria namoradas... arranjou uma sem querer!


O Alfredo não queria casar... antes de fazer 1 ano de namoro... dizia convictamente na igreja "Sim!"


O Alfredo não queria, "nem por ordem de padre cura" viver em Lisboa... a namorada tinha casa em Lisboa e agora está morar mesmo ao mesmo lado!!!!!


O que o Alfredo certamente não quer é apanhar porrada porque o resto já sabemos: "Oh Alfredo deixa-te de tretas pá!"


Este domingo fui a um casamento, coisa inédita dirão certamente os que me conhecem bem! E dizem acertadamente mas, este teve mesmo de ser a pessoa em questão... fazia... questão!!!! E eu lá fui.... de boleia!


No dia anterior quem parecia a noiva era eu: estava uma pilha de nervos porque não sabia se haveria de ir de calças ou saias, vestido ou top... se levava as botas ou os sapatos... qual das écharpes levar e o que dizer aos noivos, aos pais dos noivos... A dada altura já só dizia asneiras e amaldiçoava o dia em que nasci e fui convidada!


Prometi aqui há uns anos que o meu casamento seria o último a que iria, escolha inteligente! Se não fosse tão tonta, lembrar-me-ia o que me levou a tomar a decisão e teria logo dito que não!!!! Mas isto da idade, de facto não perdoa, e pareceu-me bem que depressa esqueci tudo o que aprendi... Grande asno!


Regras para não voltar a um casamento de que espécie for:




  • O padre fala sempre de coisas que desconheço...


  • Nunca sei quando levantar e sentar ou o que dizer depois do Amén...


  • Há uma altura em que toda a gente se benze tão depressa que na loucura frenética de os acompanhar, mais parece que estou a fazer uma bruxaria qualquer...


  • Come-se sempre demais...


  • Bebe-se ainda mais...


  • Colocam-nos sempre numa mesa que somos os únicos sem namorado(a)...


  • Há sempre alguém na nossa mesa que não conhecemos mas a quem depois sentimos a obrigação de falar para... não parecer mal...


  • As músicas são estranhas, mas às tantas acabamos por dançar...


  • Vamo-nos embora na melhor parte: quando toda a gente já bebeu demais e começa a dizer as verdades!!!!

Por isso... jovem, se tens entre os 18 e os 65 anos, pensas em casar mas gostas dos teus amigos, deixa-os na paz do senhor que eles... agradecem!

quinta-feira, 13 de março de 2008

Vivências 20...



Há "rios" que se abrem nas nossas vidas nos momentos mais fantásticos...

Os pântanos da vida vida exalam um vapor estranho e, por vezes uma espécie de chuva cai quente seguida de um sol abrasador que nos seca e diz: Que belo dia... que bela vida!


Na memoria tudo nos fica húmido, pegajoso, viscoso e temos a sensação de que só a imobilidade nos dará a luminosidade fumegante que a alma naquele momento necessita.


A solidão dessa imobilidade é tão misteriosa com a selva que nunca conheci.Mas conheço bem a solidão e o que ela representa para muita gente. Há de facto, uma altura em os "rios", os "pântanos", os "mares" nos deixam tão longe de tudo e todos que sentimos que o mundo já não pode fazer nada contra nós...


Novas alianças podem secretamente ser formadas, novas ordens do mundo podem aniquilar o modo de vida em que nasci e vivi, forças tumultuosas e agressiva podem tirar-me a liberdade e a vida. Tudo isto me começa a ser indiferente e a passar ao lado. Pois o importante é que começo agora a compreender que não tenho de fazer acordos com o mundo "balofo" e que me excluí. Tenho apenas de assinar tratados comigo e ser fiel a estes... estes não os nego, estes não os quebro... estes não os violo!


Há pessoas de quem toda a gente gosta, para quem todos reservam um sorriso, a quem todos dão uma espécie de reverência benevolente, quando por detrás está de facto o sentimento mesquinho e egocêntrico de quem diz: "Pobre tolo chegas a ser mais infeliz que todos nós e isso, em última análise, deixa-nos muito mais felizes quando chegamos à noite ao espelho e nos olhamos!". Na vida social dizemos-lhe: "Sim ajudamos-te, claro!" mas na realidade queremos é que se remeta para a sua infelicidade porque sempre teremos algo de que falar!


Os que sempre querem agradar têm algo de prostituto em si, cheiramos-lhe a promiscuidade do "bas-fond" mas os outros, são piores, são a traição, a falsidade o cheiro a perfume caro porque o podem comprar.


Na solidão uma pessoa chega a conhecer tudo e já não tem medo de nada, apenas desprezo por uns e outros. Olhando para trás sentimos apenas náusea pela segurança que nos dava aquela felicidade bacoca, falsa, ordenada.


Não é verdade que o destino entre cego e sem aviso na nossa vida, não, ele entra porque lhe abrimos a porta e muitas vezes, o convidamos mas, também é verdade que ele só permanece porque o "aconchegamos, lhe servimos grandes repastos" e ele sente-se... "em casa"! Há destinos fatais e aos quais achamos que não podemos fugir e depois há apenas o destino... como o tal "rio" de que há pouco vos falava... mudei de emprego... faço voluntariado nocturno... quebrei com todos os sítios e vícios que conhecia e tudo num só dia... tudo apenas porque ao andar deixai de olhar para a calçada e pensei: "Espera, o futuro é em frente, não é na poia que ficou lá atrás!"

quarta-feira, 12 de março de 2008

maGIcais ao sushi #6

O casamento de sonhos
fez-se no mar que amavam
sob lantejoulas de estrelas.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Peixe Cru sem espinhas


Hoje não me apetece escrever. Apetece-me vomitar palavras sem sentido. Ir contra o lugar do meu cérebro que me obriga a pensar e a colocar cada palavra no seu sítio certo, respeitando a língua que me foi imposta por nascimento. Quero desligar-me de toda a lógica e de toda a razão.

Não consigo. Deformação profissional que me obriga a manter tudo no sítio.

Cada palavra tem a sua força. Desde um simples sim dito na altura certa ou errada, até ao mais violento impropério proferido com raiva e amor. Cada uma delas.

Hoje o meu cérebro inunda-se de palavras. De sensações que consigo apenas exprimir com palavras soltas. Soltas de mim, soltas pelo sopro de um corpo que não está bem. Os meus dedos escrevem o que não querem neste teclado velho e cansado. Cada som de cada tecla diz-me que estou cada vez mais perto de um fim e cada vez mais longe do descanso que preciso.

Hoje não me apetece escrever. Apetece-me gritar.

domingo, 9 de março de 2008

Absurdo

Contribuição de Maria Bloch do blogue http://malaamarela.blogspot.com


Neste mundo difícil de acreditar, as coisas acontecem de uma só maneira, quando poderiam acontecer de tantas outras, sendo essas as que verdadeiramente interessam. Aprendemos a viver de uma só maneira, tão a mesma que nos confinamos a limites miseravelmente pequenos onde nos dissimulamos como animais. Personagens. Coisas que não fazem falta nenhuma. Como se de um palco de teatro se tratasse... histórias inventadas. Revela-se o eu, sem capa nem disfarce, no corpo de um boneco de papel. Por isso, viver é absurdo. A verdadeira vida não é aquela que nós vivemos, um dia a seguir ao outro, mas aquela que podemos sonhar. Aqueles mil mundos que podemos conhecer, sem sair daqui.

Isso é o mais importante.

Tenta-se fugir mas não se consegue.

Fechar os olhos para não ver. Olhar para o lado, usar o telecomando e ignorar o que nos tentam mostrar. Desligar o aparelho e optar uma vez mais pelo ritmo do som que se mistura com palavras desconexas formando trechos musicais que nada querem dizer. Um Top 40 contínuo, ausente de conteúdo que se contrapõe de forma inequívoca ao formato das notícias e dos comentários que a rádio tão bem sabia dar.

O mundo real passa a ser pintado em tons negros que se misturam com tonalidades de rosa, delineado pelos parâmetros do que o social pretende mostrar. As imagens tornam-se preponderantes e a palavra legenda os actos e os factos que os vestidos fazem desfilar. O que importa não é o que é, mas o que parece ser, e o que parece ser, há muito que já não é. Deixámos de saber e conhecer o verdadeiro sentido das coisas que se formam e diluem num contexto deformado face ao que acontece lá fora. A ausência da redoma revela a crueldade do mundo, uma construção sintomaticamente semelhante nas suas diferenças, como se a regência de uma só bitola tivesse transformado a nossa maneira de ser e compreender o que nos rodeia. Isso ausenta-se da sua forma e deixa de ser importante. Mais um fenómeno a juntar a tantos outros que vão acontecendo e que deixamos que nos entre pela sala, invada a casa com os sons que teimosamente não queremos ouvir e as imagens que desfilam para si mesmas.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Vivências 19...

Conheci o Liam num dia de nevoeiro intenso sobre ambos os terraços, o dele da avó dele,
e o meu, precisamente da minha avó. Deveriamos ter uns 7 ou 8 anos, nascidos, portanto,
no mesmo ano "dourado" (quase de bijuteria) pós revolução.
Durante alguns dias, limitámos-nos a olhar-nos por cima do muro, que fazia a separação
entre os dois rés-do-chão. Recordo o seu cabelo liso, louro e os seus olhos de azul profundo
era igual ao pai... mais baixo, claro!
Anos mais tarde ele diz que se recorda apenas do sorriso rasgado que parecia abarcar
o mundo - confesso que fico algo orgulhosa mas, ao mesmo tempo, também acho que
era tão catita com aquela quantidade enorme de remoinhos na cabeça e tinha uns olhos
tão vivos que não contenho o comentário e digo-lhe:
- Bolas, só isso?
Claro que o Liam se riu e abanando gentilmente a cabeça disse:
- Não, mas o resto tu já sabes, seria só alimentar-te o ego!
Faço sinal afirmativo e continuamos a recordar...
Nesses dias em que nos observavamos a vida era simples (como creio que é sempre em criança),
eu espreitava muitas vezes "à socapa" o que ele fazia e ele fingia que não me via e fazia
o inverso ignorando-o de propósito também.
Um dia colocou-se em cima do muro da minha avó e perguntou-me:
- Tenho aqui Tulicreme, queres? ... Só tenho 1 colher mas nem trouxe pão!
Aquilo que, à priori, poderia ter sido visto por uma invasão de território, afinal estava no MEU
muro, soou-me de repente a música, daí respondi-lhe prontamente:
- Claro que sim!
Confesso que, nessa altura, era mais despreocupada e MUITO mais fácil de contentar... Pena
não ter assim permanecido e só ter desenvolvido um pouco mais de sentido de humor!!!
Nesse dia portanto, comemos uma caixa inteira de Tulicreme que não deu bom resultado
no dia a seguir, mas para ser verdadeira, não me queixo. Falámos sobre coisas fantásticas,
das histórias dos trabalhos dos nossos pais, da maravilhosa colecção que eu tinha de carimbos
do emprego da mãe e da extraordinária colecção que ele tinha de borrachas de cores, tamanhos
e CHEIROS diferentes. Viamos, ao pormenor, todos os berlindes que tinhamos reflectidos ao sol,
notávamos em todas as nuances que eles nos ofereciam nos vários tecidos que lhe colocávamos
por baixo e desmontávamos/montávamos infinitamente os nossos triciclos para os fazermos
mais rápidos... Claro que, nas descidas, sem travões, nem sempre o mais rápido era o mais
feliz mas, certamente, o "escavacado" de nós dois... Não havia problema, nessa altura as
"feridas" curavam-se com muito mais facilidade: soprando e dando um beijinho.
No Inverno, faziamos uma tenda de índio onde tomávamos intermináveis chás e umas
bolachas que já não existem. E no Verão, estendiamos as nossas toalhas, tomávamos
prolongados banhos no tanque de lavar roupa das nossas avós e, estendiamos-nos preguiçosamente ao sol de mãos dadas.
Era apenas com o Liam que me sentia bem naquela idade e julgo que, o contrário também
era verdade. Falávamos de coisas que os outros miúdos não percebiam - na altura qualquer
um dos nossos pais ouvia muita música clássica e liam livros que nós tirávamos "à socapa" e
tentávamos dar significado a cada frase - e depois desfrutávamos plenamente dos prazeres
mais simples da vida... olhar as árvores, ouvir os pássaros... Tudo isto para os nossos "colegas"
era altamente estranho!!! Muitas foram também as vezes que falávamos de planos para o
futuro, conhecermos outros povos, ajudarmos as pessoas e até, ajudarmos outras pessoas noutros sítios...
Um dia, os pais do Liam separaram-se e ele mais as irmãs foram com o pai para Macau.
Recordo esse dia com um misto de angústia, tristeza e perda. Nunca tinha perdido ninguém.
Passaram-se muitos anos até que voltasse, as irmãs vieram para estudar e partiram de novo
na faculdade, uma para Yale e outra para a Sorbonne. O pai voltou no fim de 2000 quando
Macau deixou de ser "empréstimo" a portugueses. O Liam, que esteve grande parte da vida
profissional ligado a ONG´ s voltou esta semana... não sei como, mas na sexta passada tinha
uma carta sua no meu correio em que as primeiras palavras
eram "Deduzo que ainda aqui vivas..."
Ontem encontrei-me com ele, como se nenhum ano tivesse passado por nós: eu continuo, na
sua opinião a cheirar a algo almíscarado e ele, a especiarias... O seu cabelo liso, louro e os
seus olhos de azul profundo e o meu sorriso rasgado e a abarcar o mundo, ainda assim:
- Estás altíssimo, as tuas orelhas estão lindas e pequenas e a tua voz... és um homem!
- Sim, e tu continuas uma garota baixota de mãos lindíssimas e com um corte de cabelo que
nunca vi noutro sítio!
Sorrimos, falámos do que temos feito... não dormimos essa noite, ele passou a noite lá em casa
no sofá e, no dia a seguir não fui trabalhar, continuámos a falar... até hoje!
Afinal acabamos por ser mais! Não muito... mas o suficiente para... marcar a diferença (?!)

quarta-feira, 5 de março de 2008

maGIcais ao sushi #5

Distante, guardou no baú
a aliança que a prendia,
arrumou o casamento.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Peixe cru com entrada de poesia

Se de palavras simples
vivesse o mundo
que me rodeia, me envolve,
obrigado seria fácil de ouvir.
Amor, saudade,
partir sempre com chegar
fugir sempre com sorrir.
Faz-me falta ouvir
escutar agora
palavras que de tão simples
me fazem acordar e viver.
Amar, sorrir, brincar,
viver, sonhar, sentir,
libertar o que em mim me prende.
Quero hoje dizer obrigado,
palavra simples que,
por incrível que pareça,
não digo quando devo
e menos quando sinto.

domingo, 2 de março de 2008

Em Fogo 14 - A ti...


Foste tu que me ajudaste a crescer, lembro-me tão bem!! Ainda me recordo daquele tempo em que chegava na tua casa e tu estavas sentado à mesa, com um cigarro nos dedos e olhar profundo de quem já tinha vivido muito.
Graças a ti pude aprender a guiar uma bicicleta, primeiro com rodinhas e depois sem nada, com a tua paciência iamos todos os dias para o jardim, perto da tua casa, onde passava largas horas a tentar andar e tu te divertias a jogar às cartas com quem eu chamava "batoteiros".
Graças a ti aprendi que nunca devemos fugir do que queremos, aprendi que devemos lutar sempre por ser felizes, aprendi o que é ser forte mesmo quando sabemos que temos a vida contada...
Ensinaste-me a jogar à sueca como um profissional, foi por tua causa que hoje sei o valor dos naipes e das pintas do dominó... graças a ti passava horas na tua mesa da sala a jogar, a rir, a olhar nos teus olhos profundos, a ouvir-te contar e cantar as tuas aventuras passadas, e a ver-te fumar o teu cigarro que parecia nunca acabar...
Ainda me lembro quando fazias a barba, com uma lâmina das antigas e colocavas alcool puro que te deixava a pele sedosa, como eu nunca consegui deixar a minha... lembro-me daquelas noites de Ano Novo e Natal com as tuas cantigas feitas de Vida, feitas de sonhos, feitas de peripécias que a escandalizavam porque eram reais. Senti-me sempre muito perto de ti em todos os sentidos, em termos de personalidade, de fome de viver, de alegria!!
Adorei participar na comemoração dos teus 50 anos de casado, coisa que hoje em dia pouca gente sabe o que é, anos feitos de luta, de compreensão, de ajuda, de amor... mas custou-me tanto regressar a casa e ver-te sem poder andar, com os teus passos incertos, apoiado pelo meu pai e pelo meu tio... ver a tua degradação dia após dia por causa dos teus SG Gigante ou Ventil... ir ter contigo nos meus anos com lagrimas nos olhos, porque estavas debilitado mas, mesmo assim, olhaste para mim com um sorriso e nunca choraste.
Queria poder dizer-te de novo tudo aquilo que me deste, tudo aquilo que me ensinaste... queria poder novamente beijar o teu rosto suave após a barba, brincar contigo quando o Benfica perdia ou quando podia ganhar-te às cartas ou ao dominó... queria poder esperar que regressasses dos teus passeios com passas de figo doces que me enchiam de prazer.
A ironia disto tudo foi que, apenas descobriste que tinhas um cancro, quando paraste de fumar e o fumo nos teus pulmões baixou... mesmo nesse momento não viraste a cara à luta e procuraste viver os teus últimos dias rodeado de quem mais te ama ainda que sob o efeito da morfina que te fazia viajar por tempos passados ou por locais onde nunca estiveste.
Para ti escrevo e que possas ler onde estiveres, as pessoas só morrem quando nos esquecemos delas e tu estás sempre no meu coração: meu avô Modesto, meu amigo, meu companheiro de brincadeira!!
Carpe Diem.
PS: Eu sei que o Domingo não é o meu dia, ultimamente tenho andado com problemas no meu teclado e, por isso, não pude publicar em 2 semanas seguidas... queria apenas deixar aqui este testemunho como se inserido na "Ronda das Tascas". Para a semana estarei realmente de volta ao meu dia, obrigado.

sábado, 1 de março de 2008

Imaginário XXIV

Hoje é sábado, dia de reunião aqui no sushi, dia de nos "sentarmos" na mesa baixa, dia de expôr uma ideia e alimentar a conversa que todos construimos.

Hoje é sábado e hoje apetece-me vir aqui ao sushi, mas apetece-me ficar em silêncio.

- Não, não tenho nada, está tudo bem.

Hoje é o meu dia de apresentar um tema e de se reunirem à minha volta mas não me apetece que se reunam à minha volta nem me apetece apresentar um tema porque o tema que me invade a mente é meu, íntimo, privado e não quero falar dele, quero ficar no conforto do meu silêncio mas quero vir aqui e sentar-me com vocês e sentir o conforto da vossa companhia e quero ouvir as vossas vozes comungarem do meu silêncio e... quero ficar aqui sossegada, quieta, olhar-vos, ver os vossos gestos.

- Não, a sério, quero apenas estar calada.

Hoje quero estar aqui. Estar, apenas estar. Existir aqui, existir com vocês, em silêncio. Quero fixar os vossos sorrisos, os vossos gestos, as vossas vozes.

- A sério. Posso estar apenas aqui?

Não estou à margem, não me marginalizem. Quero estar aqui e participar silenciosamente. Olhar-vos nos olhos e absorver as vossas expressões, o modo como se entregam ao que acreditam, ouvir-vos falar mais alto no entusiasmo das vossas exposições. Eu sei que é a "minha vez" e que não vim a semana passada.

- Preciso de estar convosco e preciso de o fazer em silêncio. Não estou aborrecida, não estou triste, não estou evasiva. Preciso participar de outro modo.

Porque teimam em querer acreditar que estar em silêncio é sintoma de algo? Sintoma pressupõe doença e não há doença, logo não há sintoma, logo não há problema logo não pintem quadros que não existem.

- Está tudo bem.

Sorrio. Beberico mais um golo. Olho-vos um a um e fixo-vos os olhares, os gestos, as vozes, as expressões, as feições, o entusiasmo, as distracções. Gurado-vos a todos na bagagem da minha alma. Respiro-vos, sinto-vos. Sorrio.

- Obrigada.


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