quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Concreto I

Eu ainda sou do tempo em que o Bolo-Rei tinha um brinde e uma fava.

Toda a gente olhava muito bem para o bolo antes de cortar a primeira fatia. Todos procuravam atentamente o rasto da fava ou do brinde. Se detectassem o brinde tiravam uma fatia desse sítio. Se detectassem a fava tiravam mais ao lado.

Havia conversas em sussurro à volta da mesa "por acaso já viste onde está a fava?"

Depois de tirada a primeira fatia olhava-se para as duas "frentes" que o bolo tinha visíveis. Os palpites, as apostas.

Eu ainda sou do tempo em que havia quem comesse a fava para não ter que pagar o próximo bolo.

Quando chegava a última fatia e a fava ainda não estava ao pé do bolo essa fatia demorava muito tempo a ser comida. Havia quem a quisesse comer às escondidas.

Para mim era uma espécie de brincadeira.

Às vezes eu ficava com a fava e todos se riam, e eu ria também, porque sabia que era mau, mas não sabia porquê.

A minha avó fazia colecção dos brindes do bolo. Quando me calhava eu ia dar-lhe. Ela ainda tem a colecção lá em casa.

Eu sou do tempo em que só havia um Bolo-Rei na mesa porque eram muito caros.

Eu sou do tempo em que o Bolo-Rei tinha uma fava e um brinde.

Nesse tempo éramos todos mais pobres. Esse é o tempo que eu tenho saudades.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Peixe Cru com desejos - Feliz Natal e um Excelente Ano Novo

Durante uma vida inteira pensei que o Natal era apenas mais um dia. Um dia em que tínhamos de aturar aquela família da qual fugíamos um ano inteiro. E claro, as prendas que ninguém queria.
Cresci. O Natal começou a ficar mais familiar e menos imposto. Começa a dar-me prazer ficar com a família, brincar com os pequenos, receber as prendas com um sorriso nos lábios.
Amar é cada vez mais uma palavra que acho simples. Amo a minha mulher, amo as minhas famílias. Gosto de ver as árvores decoradas, gosto de me sentir no Natal.
Este Natal tem um gosto especial. Fiz algo que sempre pensei impossível, algo que me fez dar um passo em frente no meu crescimento enquanto pessoa. E estou feliz. Para além do que alguma vez julguei possível nesta época.

Beijos e abraços a todos. E um Feliz Natal. Eu, vou de férias deste blog e voltarei num novo ano que espero que seja excelente para cada um de vós.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Vivências 14...

Foto: Inácio Silva

Mais um ano que finda...

Estiveram bem no teatro que andámos 1 mês a preparar e sinto um orgulho quase desmedido em vós que hoje, mais do que nunca sinto como minha família... No nosso almoço vi por fim, o sorriso de alguns de vós que desconhecia, reparei na camaradagem e senti, uma imensa felicidade de ali estar, cansada, estourada mas feliz!

Gostava de dizer que os meus "utentes" são quase meus filhos e os meus colegas e chefia quase meus irmãos e pais... sempre fará com que me sinta menos só nos dias que correm... Porém, dizê-lo não seria verdade... ainda que sentido muitas vezes a realidade é uma outra!

Não é grave. Nos dias que correm a verdade é que já pouca coisa importa e isso não é de todo mau... dá-nos uma certa liberdade, uma certa distância de tudo e todos, o que nos torna... não diferentes, não melhores ou piores... apenas mais humanos ainda que, mais distantes dessa mesma humanidade... Não sei bem como explicar... sou assim, um pouco convergente na divergência!

Este ano não foi igual a todos os outros... vivi muita coisa, chorei por muitas razões, ri por muitas situações mas, acima de tudo, encontrei uma nova "Me Hate" e isso vale todas as viagens interiores que este ano fiz ainda que, não tenha feito nenhuma ao exterior... hoje como alguém diria, estou mais perto de ser eu e de saber o que quero... ainda que, amanhã, queira ser mais, anseie por mais e seja mais!

Quero muito que este ano que se aproxima seja o começo disso mesmo, não só para mim... mas para todos vós que fui conhecendo aqui, ali e um pouco mais além...

Até já... como sempre!

ME HATE

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Imaginário XIX

Ela era uma miúda esquisita. A sério que era, se vocês a vissem também iam achar o mesmo. Eu sei que pessoas diferentes têm opiniões e gostos diferentes mas acho que iam concordar.

Pela aparência teria quê... uns 19, 20 anos. Pela aparência devia andar por aí a nadar em dinheiro. Roupinhas de marca, tudo do bom e do melhor. Carrito próprio e sem querer ser má língua era um carro bonzito, não era um chaço qualquer.

Tinha o seu grupo de amigos, igualmente esquisitos e igualmente aparentemente abastados, mas para ser sincera ela não parecia muito enquadrada nesse grupo.

Bem, eu via-a às vezes no bar. Nunca falei com ela mais do que um "com licença" ou um "podes passar-me o coiso dos guardanapos?". Ela tinha assim um olhar que... sei lá! Os olhos dela entravam para dentro dos nossos e liam-nos a alma. Claro que era arrepiante, né?

Começou a circular na faculdade (a rapariga até tinha boas notas) que ela vinha de famílias ricas, que não batia bem, que o pai andava em negócios obscuros, enfim, os boatos do costume.

Aos poucos foi-se afastando do grupo com quem se dava. Começaram os rumores que à noite "estudava anatomia no técnico" e de dia "dedicava-se à jardinagem e transformação de produtos herbícolas".

Um dia não apareceu na faculdade.

Quatro dias depois, uma segunda-feira, a senhora da secretaria (nunca ninguém sabe o nome delas, são sempre as "senhoras") contacta o regente do departamento de Física. Fiquei a saber porque ia entrar na biblioteca na altura em que ela vem com o que parecia ser um e-mail imprimido na folha que ela levava na mão e acenava para ele, mais branca que a folha.

Claro que fiquei a cuscar. Não era todos os dias que ia à biblioteca daquele departamento e muito menos que havia agitação.

- Dr. Filipe... Ai Dr. Filipe... já sabemos da Claúdia.

Nem consigo descrever o olhar do Dr. Filipe para a senhora da secretaria. Se eu conseguisse, se eu tivesse palavras para dizer o que é possível acontecer num microssegundo... O Dr. Filipe ficou aliviado, feliz, desvanecido, branco, transparente e desmaia. Isto, num microssegundo.

Enquanto a senhora da secretaria pedia ajuda e o pessoal vinha a correr ver o que se passava eu peguei na folha de papel:

"Estamos em 20 de Dezembro. Este ano não vou ser capaz. O peso que trago comigo é muito e leva-me para o fundo.

Não consigo, posso ou quero desfazer-me dele a tal ponto que é ele quem me desfaz.

Hoje, finalmente, ganho coragem, deixo-o desmembrar-me e permito-me dissolver naquilo que um dia foi a minha vida.

Por favor, avise o Dr. Filipe . A caixa de mail dele está cheia, em casa não atende e o telemóvel vai sempre parar ao gravador.

Avise-o o mais depressa possível pois a nossa experiência precisa de ser seguida.

Obrigada, Claúdia, aluna nº45330F, turma 3, Astrofísica
"


Enquanto isto acontecia na faculdade já a polícia entrava em casa dela e o médico legista tirava o seu corpo da banheira onde tinha cortado os pulsos. Ao lado jazia uma aparelhagem que tocava incessantemente a mesma música e um copo de vinho do porto, quase vazio.

E agora, enquanto o Dr. Filipe deita, visivelmente abalado, um punhado de terra sobre o caixão, enquanto olho para quase toda a faculdade em peso em redor desta campa, agora que já sei parte do que se passou, sinto-me indescritivelmente mal, egoísta, fútil. Na minha vidinha que continua não tive espaço, tempo ou vontade de sequer querer perceber porque é que ela parecia uma miúda esquisita.

E numa culpa consumista que me martelava a cabeça não conseguia deixar de pensar que nunca tive tempo de saber que ela já não tinha a quem deixar um bilhete.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Em Fogo 9 - Espirito de Natal

Dei por mim a pensar o que é feito do espirito do Natal e porque será que existe este stress todo em redor da data como se, o facto de não encontrarmos as prendas certas, fosse o fim do Mundo... será que vale a pena perder minutos/horas de Vida em centros comerciais apinhados de gente em "nobre" correria para satisfazer a índole materialista que cada um de nós, em maior ou menor conta, tem?
No que se transformou o Natal? Uma corrida aos presentes sem olhar a meios, uma loucura desenfreada para encontrar o "tal" objecto mesmo que para isso se empurre ou se passe por cima de quem está próximo, as decorações exageradas que tornam uma mera varanda em roda gigante de uma qualquer Feira Popular, os Pais Natais que passam a vida a tentar subir varandas e chaminés por esse País fora mas nunca saem do lugar, os anuncios insistentes a brinquedos que duram semanas até que a criança em causa se canse e passe a outros interesses, ou aquelas pessoas que não nos ligam o ano todo e nesta altura lembram-se de o fazer para nos convidar para jantares de Natal ou enviar uma sms...
Independentemente da orientação religiosa de cada um, ou a falta dela, esta data representa acima de tudo o nascimento de Jesus, isso é o que se deveria celebrar e não a entrega dos presentes dos Reis Magos ou o Pai Natal... não me vejam como fanático religioso, apenas gostaria que esta data regressasse a valores básicos de reunião familiar, carinho, compreensão, união e, acima de tudo, troca de presentes com valor e não "de valor".
Qual o interesse de ser hipócrita nesta data? Ganha-se um lugar no céu ou parece bem seguir o rumo de todos os outros? No que me diz respeito, tenho prendas especiais para pessoas que são igualmente especiais, contudo, não embarco na loucura de comprar prendas 1 mês antes com a justificação de que depois tudo o que é "melhor" se esgota. Prefiro a sinceridade e um pouco do coração como oferta, juntamente com algo que possa, ou diga, algo a alguém e que não fique esquecido em qualquer gaveta ou armário passado dias.
Aproveitar este momento para continuar a ser o que sempre fomos e não para demonstrar algo que nunca quisemos ser... a todos que me lêm quero desejar um Feliz Natal e procurem sempre ser sinceros nos vossos desejos e acções.
Carpe Diem.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Peixe Cru com sabores ecológicos

Enquanto observava a empregada que embrulhava as suas prendas de Natal, Inácio pensava na inutilidade daquilo tudo. Porquê perder tempo a embrulhar prendas que serão abertas na ânsia de uma coisa nova? Para quê gastar papel que serviria para alimentar uma escola inteira durante um ano apenas num dia do ano? Para quê acabar de vez com os nossos recursos naturais apenas para satisfazer um estúpida tradição?
Pediu-lhe que parasse. Que acabasse com aquele desperdício.

As pessoas à sua volta não compreediam a nobreza de tal acto. O altruísmo que Inácio demonstrava pensando no futuro dos seus pares.

Quando voltava a pôr as suas prendas ainda por embrulhar nos sacos, apareceu um senhor com uma prenda muito especial para ser embrulhada: nada mais, nada menos que uma bicicleta. Inácio pensou na enormidade de papel que seria gasto para embrulhar todas aquelas formas, todos aqueles jeitos que a bicicleta tinha. Inácio pensou que seria bem mais fácil pôr apenas uma fita no guiador, como o seu pai fizera quando lhe ofereceu a sua aos 6 anos.

Inácio afastou-se. Sabia que nada do que dissesse ou fizesse iria demover aquele senhor da sua intenção. Mas, enquanto caminhava para casa pensou o seguinte:

- É para isto que nos querem fazer pagar os sacos de plástico?

domingo, 9 de dezembro de 2007

Finório - Um conto de Natal

Autoria e contribuição de Wednesday, do blogue H2OTinto



Ali estava ele, via de novo a luz do dia. Passa o ano guardado no escuro da arrecadação, à espera que viesse o tempo mais frio, a recordação da tradição que era o Natal. O duende Finório, como lhe chamava a pequena Inês, estava já ilustremente sentado ao lado da Árvore de Natal.

Tudo voltava ao normal, podia ver o rebuliço lá em casa, o amontoar dos presentes, o preparar da ceia. Estava junto da lareira e dos elementos do Presépio. A Inês visita-o sempre que chegava da escola, ela achava que ele era muito limpinho e sorridente e que ia comunicar todos os seus desejos ao Pai Natal. E ele comunicava mesmo. Desde
que tinha chegado a esta casa, a vida da família Pereira tinha vencido alguns obstáculos e estava cada ano mais alegre. O reflexo era a alegria e o amor naquela sala acolhedora.

Este ano parecia ser tudo igual até que um dia uma conversa de fundo chegou aos ouvidos do Finório. Estavam a pedir objectos de Natal para um lar de crianças, que tinha ardido nesse ano e não tinham como dar cor à vida daquelas crianças. A Inês queria dar o Finório. Dirigiu-se a ele e disse, baixinho, ao ouvido dele “Gosto tanto de ti, mas estes meninos precisam de um amigo. Gostava que levasses os sonhos deles ao Pai Natal”.

Partilhar, viver a tradição e ver o sorriso das crianças são das coisas que mais gosto no Natal. Vou deixar, sem que ninguém veja, este meu pedido ao pé do meu Finório.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Imaginário XVIII

Cheguei àquele sítio sem ter ideia de como foi. Tinha a nítida sensação de ter percorrido quilómetros mas não me sentia cansada nem com fome nem com sede. Apenas tinha a sensação de ter andado muito.

Não me lembrava do início da viagem. Não me lembrava de onde partira, nem a que horas, nem se tinha partido sozinha ou acompanhada.

Quando olhei em volta tudo o que vi foi uma imensa extensão de cinzento. Cinzento do chão, que era liso, fastidiosamente liso e cinzento. Tudo o resto à volta era negro tirando uma fonte de luz que nuca percebi de onde vinha. Cada vez que olhava para cima aquela luz imensa fluorescente, que dava um ar de certo modo fantasmagórico à cena, movia-se também, de modo que nunca vi de onde vinha.

Dei um passo. A luz moveu-se. Parei. A luz parou. Corri um pouco, a luz correu comigo. Virei-me de repente mas ela foi mais rápida que eu. Não adiantava, não iria descobrir o que era ou de onde vinha.

Continuei a caminhar na direcção para onde me dirigia originalmente, sem saber como é que sabia que era para li ou até o porquê de ir para ali. Afinal, até perder de vista tudo não passava de uma enorme extensão de chão cinzento e liso numa atmosfera de escuridão.

Andei. Andei muito, sem ter a noção da distância ou do tempo. Andei até chegar ao "fim". Tudo à minha volta e para trás continuava a ser uma enorme extensão de chão cinzento e liso mas à minha frente e prolongando-se até ao infinito para ambos os lados estava o "fim".

Espreitei para ver como é que era o "fim". Espreitei com cuidado. O "fim" era como que o vértice de um degrau gigante, do qual eu não conseguia avistar o fundo.

Virei-me para trás. De um lado tinha uma extensão infinita de chão liso e cinzento. Do outro tinha um degrau infinito. Tudo cinzento, liso, estéril. Completamente estéril, estava completamente só no infinito cinzento e negro.

Enquanto pensava o que fazer surge nas minhas costas uma mão gigante. Só mesmo a mão, sem braço, sem corpo. Uma mão em posição de "apontar", com o dedo indicador esticado e os outros dedos recolhidos. Senti um toque nas costas. Desequilibrei-me e cai.

A queda pareceu infinita. Se ao início estava com medo, a dada altura apercebo-me de que à velocidade que eu estava a cair nem iria sofrer se alguma vez chegasse a embater em alguma coisa. O medo passou e comecei a sentir-me bem com aquela queda.

Quando me comecei a sentir bem e a entregar à queda sinto um obstáculo e o meu corpo a embater violentamente em algo. Afinal a queda teve fim.

Pensei que estava toda despedaçada. Mas não. Levantei-me, olhei em volta. Pude tocar no tal degrau. À minha frente uma extensão estéril e infinita de chão cinzento e liso num ambiente de escuridão a perder de vista. A minha luz fluorescente acompanhava-me ainda.

Sacudi-me, endireitei-me e recomecei a caminhar.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Peixe Cru empurrado com água


Um colega meu na universidade (está bem, Politécnico) tinha uma teoria sobre a estupidez natural das gentes que habitavam no local onde estudei. Era da água. Segundo ele, durante a infância eles eram contaminados e aquilo afectava-os. A partir da adolescência a água já não afectava ninguém, mas uma vez contaminado...

Ele também aplicava essa teoria aos seios, em relação ao seu crescimento, por isso tenho umas dúvidas que houvesse algum fundamento na mesma teoria.

Mas que por vezes penso que é isso que acontece aqui na terrinha onde estou...a sério que penso. E estou-me a referir à estupidez natural, não aos seios.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Perdi-me

Perdi-me no teu corpo, durante horas,
durante horas perdi-me no teu corpo...

Perdi-me no cheiro do teu pescoço, no toque da tua pele, na côr dos teus olhos, no sabor do teu sopro...

Caminhar nos teus seios, vaguear no teu cabelo, banhar-me em cada gota de suor e respirar da tua boca...

Ao percorrer cada centímetro da tua pele, durante horas...perdi-me.

Subir pelos teus braços, descer pelas tuas costas, desaparecer no meio das tuas coxas, bem dentro de ti...

Apesar de o saber de cor, perdi-me no teu corpo...

Bem fundo nos teus olhos, senti naquele momento, uma força, uma paixão, um calor...

Foi como se mais nada existisse, como se fossemos únicos no mundo...

Perdi-me no teu corpo...

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Imaginário XVII

Sentei-me à secretária depois de a ter limpo cuidadosamente.

O estado de caos em que se encontrava não me permitia ter o mínimo de concentração. E como eu precisava de concentração. Precisava de me concentrar não tanto para escrever mas para separar os sentimentos que se começavam a aflorar, a invadir o “meu” espaço intelectual, sentimental, emocional de segurança. Se não conseguisse acalmar estes sentimentos que emergiam que nem monstruosos seres hediondos dentro de mim corria o risco de ser mal interpretada. De não dizer o que realmente queria. De me perder em detalhes que não eram o mais importante.

Assim comecei por limpar a secretária. Com o antebraço afastei toda a papelada e objectos que se iam acumulando lá em cima. Tudo o que eu ia depositando enquanto dizia “a ver se um dia destes dou um jeito nisto”. Hoje era “um dia destes”.

Apesar de saber exactamente onde estava cada coisa preferi mandar tudo para o chão. Deixar que os objectos se misturassem para que eu não soubesse de olhos fechados onde estavam. Tinha que perder esta mania de caos organizado, tinha que perder esta mania de que “eu sei onde está tudo e quando começar a arrumar mentalmente sei onde vou pôr cada coisinha” porque era por causa de pensares destes que cada as coisas se iam acumulando cada vez mais.

Por isso tomei esta decisão. Apesar de ter muita pressa para escrever para não me esquecer de nada do que queria dizer-te, preferi arrumar primeiro. Arrumar a secretária, arrumar os sentimentos.

E não me perguntes por que é que arrumar esta me ajuda. Não me perguntes porque preciso de a desarrumar para a voltar a arrumar. Não me perguntes porque é que, estando arrumada pelos meus padrões precisei de alterar tudo para colocar as coisas em sítios diferentes e porque é que isso tinha que ser feito antes de escrever.

Só sei que quem olha para ela a vê arrumada. Arrumada e limpa. Eu sei que está tudo mais caótico que antes. Agora não sei onde estão as coisas. Mas enquanto as “desarrumei” ordenei outras coisas, agora os sentimentos estão arrumados.

No fim fui buscar uma vela de cheiro.

Está aqui do meu lado direito. Alumia e aquece. Olho para ela e perco-me a ver a sombra da chama na parede, as formas que a cera forma ao derreter. E começo a escrever.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Em Fogo 8 - Tempo

Olhei para o relógio e estavas atrasada, senti um aperto no estômago porque não sabia se ias aparecer... espreitava a esquina na esperança de vislumbrar o teu cabelo ao vento, as tuas longas pernas, os teus olhos que apenas sabem responder aos meus.

Mas... tu não vinhas... o tempo, esse maldito, estava a afastar-me de ti porque vivemos escravos das horas, dos minutos, das tarefas que temos de cumprir, dos locais onde temos de ir, das pessoas com quem temos de partilhar 8 horas por dia e que nada nos dizem... eu só queria estar contigo e tu não vens...

Penso na forma como passamos a nossa Vida: acordamos de manhã estremunhados pelo relógio despertador, vamos para um emprego onde passamos horas a fim, saimos do emprego para regressar a casa e onde fica a emoção? Onde fica o prazer da descoberta? Fica para quando tivermos tempo?

Tu não vens e eu desespero... sinto o tempo a fugir-me pelos dedos... os minutos e segundos que podia estar a aproveitar para me perder nos teus olhos estou a olhar no horizonte como um marinheiro em alto mar em busca de terra firme...

Dizem que o tempo cura tudo, só não cura a dor de estar distante de ti... o sentimento de querer estar contigo e não poder... a sensação de desperdicio quando as nossas mãos não se tocam... a dor de não calar constantemente a minha boca com a tua...

Tu disseste uma vez "... o tempo é sempre o melhor conselheiro..." e eu acreditei e por isso esperei... esperei pelo teu olhar como espero o nascer do Sol... esperei pelo toque da tua pele como uma brisa veranil... esperei pela tua boca como se voasse numa nuvem...

O Tempo apenas não me avisou que tudo tem sempre um fim... pode ser bom ou mau mas ele aparece... só não me peças para perder mais Tempo porque ele para mim é precioso.

Tudo se aprende na Vida mas, não há duvida, que o Tempo ensina-nos sempre o melhor caminho a percorrer.

Carpe Diem.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Peixe Cru regado com um pouco de Freud

Sei que por vezes o nosso estado de espírito nos obriga a ficar fechados numa concha, tentando fugir ao nosso dia-a-dia e a todas as nossas responsabilidades. Que fazemos os possíveis e os impossíveis para que ninguém nos olhe de frente e nâo inicie uma daquelas conversas de treta que só os beneficia.
Outras vezes andamos tão exuberantes que só nos apetece gritar e dizer o quão bem andamos com o mundo, beijar pequenas crianças e apanhar flores silvestres. Dias em que a vida parece ser o qua mais importante podemos ter no mundo.

Conseguimos manter a balança naquele ponto certo em que nem estamos bem nem estamos mal a grande maioria das vezes. O nosso grande leque de opções fica mais fechado, mas conseguimos aguentar o dia sem nos apercebermos do quão mau ou bom foi.

Isto tudo para dizer o seguinte: Porque raio é que as nossas emoções parecem ser algo estranho e incontrolável quando vemos aquelas imagens na TV que nos fazem sofrer? Quando até tivémos sexo de manhã, em que o pequeno-almoço foi acompanhado de uma excelente conversa com a nossa cara-metade, em que o banho nos lavou o corpo e a alma?

Tudo está bem, tudo parece ir assim ficar, e de repente aparece o nosso primeiro-ministro com mais uma das suas resoluções para o país e nós começamos a chorar que nem meninas?

Não percebo...

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Peixe Cru com pitadas de Altruísmo

O meu pai sempre me disse que eu era bom demais. Que um dia me lixaria por ser tão bonzinho. Mas, convenhamos, o meu pai acredita que todos o querem assaltar e que os computadores são uma coisa do demónio. Desta vez teve razão.
Estava eu atrasado para uma reunião que iria ter, onde se decidia o meu futuro na empresa, quando, parado num semáforo, vi um senhor de idade a empurrar uma carrinha que provavelmente já teria tido melhores dias. Obviamente, aproveitei o semáforo ainda estar vermelho, e saí a correr do carro para o ajudar. Com esforço e insultando alguns dos transeuntes que se riam da situação mas que não ajudavam, lá conseguimos empurrar a carrinha para bom porto. E bem a tempo, visto que regressava ao carro quando o semáforo passou a verde.

Senti-me bem pela acção, apesar de cansado. Suei e o corpo dava mostras disso, exalando um odor mais característico de fim de dia do que de manhã fresca.

Ao chegar ao escritório vi que ainda tinha tempo para me lavar um pouco. Pelo menos conseguiria eliminar parte do cheiro que ainda não tinha chegado à roupa. Certifiquei-me que não estava ninguém na casa de banho e lá me despi da cintura para cima e lavei os braços e os sovacos. E tudo estava a correr como previsto se não fosse o facto de eu me ter encostado ao lavatório enquanto me lavava. Uma mancha de água percorria-me a área genital, dando a tremenda impressão de que eu era incontinente.

Já não tinha tempo para deixar secar aquilo, portanto retirei as calças e coloquei-as o mais junto possível do secador para ver se ainda conseguia entrar na reunião a tempo sem o ar de miúdo de 6 anos que teve um azar.

Claro que quando eu estava de boxers com as calças na mão inclinado para o secador, era mesmo a altura ideal para me entrar o gerente pelo WC adentro. Que obviamente ficou a olhar para mim perplexo.

Era uma história grande demais para ser contada, por isso limitei-me a dizer:

- Mijei-me!

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Exposição de Pintura

Amigos e blogo-viajantes que param aqui ocasionalmente e outros ainda que aqui vieram ter por acidente, tenho o prazer imenso de vos anunciar que a Me Hate... esperem!

Vocês ainda se lembram da Me Hate, não lembram? Eu espero bem que SIM! A Me Hate afastou-se das blogosferices mas volta em grande a 17 de Novembro para a sua primeira exposição de pintura.

Ó minha gente! Exposição mas a sério, na galeria, não é virtual!

Ah, agora já estão mais atentos, não é? E querem saber detalhes, não é? Pronto. Eu digo tudo, vou descoser-me. Mas é só porque é para vocês e porque a Me Hate até faz umas pinturas catitas e giras (e que eu queria uma para a minha casa mas já sei que já está reservada. Bolas!)

Pormenores, pormenores!!

Onde? Onde?
Centro Cultural Isaltino de Morais, Sala Elisário Carvalho, Alto da Loba, Paço de Arcos.
(Rua José Pedro Silva, nº14-B)

Então e quando, ein?
A exposição vai estar aberta ao público às 6ªs, sábados e domingos das 15h às 19h, entre 17 a 25 de Novembro. No dia 17 de Novembro, o dia da inauguração, vai estar aberta entre as 17h e as 24h.

Quem vai expor?
Ora aí está uma boa pergunta.
Podia ser só a Me Hate, mas realmente ela não vai expor sozinha. Mais 3 artistas vão ter as suas obras expostas na Sala e que são a Ana Oliveira e Costa* (pintura), a Lú Branco e a Lú Alves (ambas expõem fotografia).

*A Ana Oliveira e Costa dirige o Atelier de Artes Decorativas do Bugio, onde ensina várias técnicas de pintura em tudo que seja "pintável". Podem contactá-la para mais informações pelos nºs 214 412 177 ou 917 120 554

Deixo-vos com uma pequena amostra do regalo para os olhos que vai ser a exposição.

Ajudem a divulgar e apareçam!


1. Peças da Me Hate

2. Peças da Ana Oliveira e Costa




3. Fotografias de Lú Branco




4. Fotografias de Lú Alves




terça-feira, 13 de novembro de 2007

Em Fogo 7 - Impressões


As tuas mãos... se tivesse de olhar para ti e ver o rumo da tua Vida olharia para as tuas mãos. Foram elas que tocaram as paredes que percorreste, foram elas que sentiram a pele dos teus amantes, foram elas que segurararam aqueles que caiam e te pediram ajuda, foram elas que tocaram no ombro de quem chorava para reconfortar e são elas que se mexem quando exprimes o que sentes.
Quando descobriste que não ouvias como os outros sentis-te perdida, olhavas em redor e era como uma parede de silêncio que te rodeava, eras uma estranha no meio da multidão... o sufoco de querer comunicar e as palavras sem sairem da tua boca como a tua mente pretendia, o desejo de ouvir a voz dos teus pais, mas apenas sentindo o carinho de um toque e o olhar doce... tu sentias que o Mundo estava vedado ao teu conhecimento.
Tudo mudou quando descobriste que podias falar com as mãos, que podias comunicar com o corpo, que podias recorrer à linguagem labial... tudo isso te aproximou da Vida, deu-te um sentido como uma bussola. Soubeste usar as mãos para exprimir o que o teu coração dizia, conseguiste criar palavras no ar.
Alguns olhavam para ti com desprezo e outros com curiosidade, mas ninguém te ficava indiferente. Tu não falavas apenas com as mãos mas com todo o corpo, com o olhar, com a boca... consegues ser mais viva do que os "normais", que procuram viver deixando o tempo passar... tu vives tocando, sentido, olhando, absorvendo... não ouves mas sentes, dás valor aquilo que não tens e não dás por garantido uma coisa que todos dão.
Só quando perdemos o que temos ou o nosso Mundo é abalado severamente é que damos valor às coisas... tu sempre foste lutadora e acreditaste que existia solução para o teu caso e serias capaz de comunicar com e como os outros.
Certa vez olhaste pra mim e disseste que não precisavas de saber a entoação das palavras ou de ouvir a minha voz porque os sentimentos saem do coração e os sonhos estão no fundo dos nossos olhos... para quê perder tempo com a melodia das palavras se o olhar e um toque dizem tudo?
As palavras podem magoar mas o olhar e um toque são sempre sinceros... fico sempre fascinado quando falas porque as tuas mãos movimentam-se de forma suave como se criassem desenhos no céu... tu es a artista e eu sou a tua tela, onde vais compondo melodias surdas com os teus dedos na minha pele.
Olho para as tuas mãos com dedos longos, suaves, que me percorrem o corpo lentamente como se fossem descobrir um tesouro precioso... tu sentes cada parte do meu corpo como se fosse uma melodia de Chopin ou Wagner...
Ser diferente não é mais do que saber aproveitar aquilo que a Vida nos dá e com isso ser feliz, só ultrapassando as dificuldades sentimos que nos tornamos pessoas melhores e damos valor às pequenas coisas.
Carpe Diem.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Peixe Cru com um toque a revolta

Mas porque raio de razão é que eu tenho para me preocupar com os sentimentos e as responsabilidades dos outros? Se vives num país onde os próprios dirigentes se desresponsabilizam de tudo o que se passa no país, porque hei-de eu preocupar-me com isso?
Sinto-me revoltado por observar aquilo que os outros esperam de mim. Assumem que tenho de ser a mais correcta pessoa à face da terra. Assumem que eu hei de tapar todas as falhas que os outros deixam abertas. Em todos os aspectos da minha vida.
Por isso decido hoje não me preocupar mais. Precisam de mim? Procurem a melhor forma de me agradar. Existe um problema que só eu posso resolver? Quero uma garantia que algo será feito para meu proveito. Simples.
Durante toda a minha vida adulta vi a minha carreira e a minha profissão a ser pisada por todos. Porque eu os deixava passarem-me à frente, porque eu me baixava para ser usado como degrau. Agora levantei-me a uma altura onde só eu vejo o céu e só eu sei o chão que piso.
Isto tudo para te dizer Vicente, que me estou a cagar para o queres que faça por ti e pela tua organização. Não me vou sacrificar porque vocês precisam. Porque não me pagam o suficiente para eu me estar a moer por te dizer que não.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

"Fora de Controlo"

De salto alto encostado à parede,
veste um top de alças, mini-saia, meias de rede, que subindo até às coxas, terminam num cinto de ligas que ocasionalmente deixa revelar... Vi-a do fundo da sala, a marcar o ritmo com o estalar dos dedos, e pensei:
“Ela quer estar só.” Não me vou atrever...
Num movimento rápido, os nossos olhos cruzaram-se, não tive escolha, senão dançar com ela...
As luzes cheias de côr movem-se em todas as direcções, a batida controla-nos e faz-nos girar, o cheiro do corpos suados, as bocas que se tocam, braços no ar...
Os nossos corações batem juntos, os nossos corpos misturam-se, o suor arrefece, o sons confundem-se com pensamentos, estamos fora de controlo, escravos da música...
As ancas balançam, os pés não param, o cabelo solto agita-se no ar...
“Oh, meu Deus, é a minha música favorita...”
Puxo-a para mim e ela começa a cantar...
Não conseguimos abrandar, mesmo se tentássemos, enquanto a música tocar, somos só nós os dois no mundo, Ela gosta de dançar e tem sabor a lágrima...
Agarra-me e diz: “Não pares de dançar...”
Não temos onde ir, não temos nada a provar, em vez de dançar sozinho, estou a dançar contigo, esta música deixa-me fora de controlo...
Ou talvez sejas somente Tu...

Baseado numa tradução livre e horrível da letra da música “Out of Control” de She Wants Revenge, do álbum “She Wants Revenge”.
Pensei que iria ficar melhor, mas a falta de imaginação foi terrível...mas também poderia ter ficado pior, prometo que não o torno a fazer.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Imaginário XVI - Imaginário?

(Já publicado nesta entrada do meu blogue)

E no início é rocha. Bruta, potencial, maciça, disforme, oculta.

No ínicio é rocha, coesa, agregada, firme, imutável.

No início a rocha é imponente, com todos os seus minerais agregados, unos. A rocha é una. Bruta, coesa e una.

E depois vem o vento. E depois vem a chuva. E depois vem o sol. E depois vem o vento e a chuva e o vento e o sol e o sol e a chuva e o vento.

E a chuva descobre uma falha. E sempe que chove passa a ocupar esse espaço. E a rocha deixa de ser coesa. E deixa de ser una. E depois vem o sol e leva a água. E fica o espaço, desocupado de rocha, a cicatriz. A primeira. Depois da primeira a segunda... e num instante a rocha fica minada.

Já não é una: parece. Já não é sólida: parece. Já não é resistente: parece.

Um dia cada fenda, cada cicatriz começa a juntar-se a outras fendas fazendo cicatrizes cada vez maiores. Um dia as cicatrizes maiores são tão grandes que a rocha se desmembra. Vai-se perdendo de si.

Aos poucos vai-se fragmentando em pedaços que variam conforme a cicatriz.

A rocha vai rolando por si abaixo.

E a chuva e o sol e o vento não páram. E chegam todos os dias. E fazem mais cicatrizes. E fazem novas cicatrizes nos pedaços de rocha que se soltam.

A rocha é agora um conjunto de pedaços de si mesma. Cada pedaço que se solta torna-a mais vulnerável. Cada pedaço de si que se solta e rola, ajudado pela gravidade, ajudado pelo vento, pela chuva.

Um dia, se a rocha deixar, se as suas cicatrizes deixarem, ela aceita-se desmembrada e aceita-se fértil.

Um dia, depois de muita chuva, depois de muito sol, depois de muito vento, que a transformam, moldam, dividem, fragmentam, quebram... um dia, depois da dor passar, quando ela já anestesiada se vê amaciada, um dia... ela gerará vida.

E esquece os pedaços de si que vão rolando. Rolados pelas colinas, levados pelos rios, lançados nas praias... pedaços de si que estão longe. Cada vez menores, cada vez mais fragmentados, cada vez mais frágeis.

Cada pedaço que se parte e solta, anguloso e vivo, é um pedaço frágil que se julga novo e resistente. Cada pedaço não sabe que apesar de cheirar e ter cores novas está a caminhar rapidamente para o fim.

E cada pedaço estagna num areal. E permanece os seus dias rolando em cada espriaio, voltando a cada ressaca.

E cada pedaço nem percebe que está a mirrar.

Já não tem memória da rocha imponente, coesa e una que foi, há tempos. Agora vê-se disperso num areal que ainda não é o seu e que foge debaixo de si, cada vez mais fino, para o mar. Também esse areal foi, em tempos, uma rocha... Também esta rocha vai ser, um dia, um extenso areal...

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Em Fogo 6 - Opostos


Num dia de Verão olhaste-me nos olhos e perguntaste o que via eu em ti... respondi ao teu olhar e disse que conseguia ver o que tu representavas, eras simplesmente a Mulher que me completava e da qual podia dizer que adoro o exterior e o interior.
Tu estranhavas a minha resposta e perguntavas o que via eu no teu interior... eu respondia, sem perder o teu olhar de vista, que o mais importante não está à distância de um toque ou ao alcance do olhar, mas deve-se à tua personalidade e forma de encarar a Vida que me fazia sentir leve e fora de mim.
Tu achavas estranho eu sentir-me fora de mim quando estava contigo já que sentias não ser uma pessoa especial... eu respondia-te que o ser especial está no coração de quem ama e que mesmo o mais vulgar se pode transformar num diamante.
Tu perguntavas o que mais gostava em ti... eu respondia que era o teu sorriso, só isso me deixava leve, como se pudesse abrir as asas e voar, tu tinhas esse efeito sobre mim como se de um feitiço se tratasse.
Tu agradecias por eu estar presente naquele momento especial... eu tentava dizer que não precisava de agradecimentos porque o meu coração era teu, mas aquilo que ficou na minha mente foi o toque dos meus dedos na palma da tua mão para te relaxar.
Tu perguntavas que é isso do Amor... eu respondia que o Amor é quando estamos com alguém e conseguimos ser nós próprios, sem que tenhamos de procurar cativar a qualquer preço ou ser aquilo que nunca seremos, apenas para agradar.
Tu perguntavas como era possivel eu amar-te sendo nós tão diferentes... eu respondia que isso é apenas uma ideia pré-concebida, os opostos nem sempre se atraem, mas nós dois tinhamos tudo para dar certo, principalmente nas nossas imperfeições.
Tu perguntavas o que eu sonhava... eu respondia que sonho contigo e no dia que conseguirei que tu olhes para mim e me vejas da mesma forma que eu te vejo e possamos assim voar os 2 nas asas do Sonho.
Tu dizias que eu era louco... eu respondia que a loucura torna a Vida mais aliciante e, se queremos que os nossos sonhos se realizem, devemos ser loucos e arriscar, porque enquanto não temos medo de dizer o que sentimos, somos capazes de amar.
Tu dizias que tinhas outros gostos... eu respondia que, apesar de tudo, te respeitava e esperava que um dia visses que o meu amor é válido quanto qualquer outro.
Tu perguntavas para onde vamos quando morremos... eu respondia que não sabia, mas que esperava que quando esse dia chegasse estaria a teu lado para te apoiar onde quer que fosses.
Tu dizias "Acorda" e eu abria os olhos do sonho de ter quem me ame.
Carpe Diem.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Peixe Cru com travo de sangue

No meio da guerra, o sangue já não me assustava. Os corpos empilhados no meio da rua também não. Passeava-me no meio deles como se fossem pequenos canteiros de flores.

Ia encontrar-me com um dos capitães. Precisava de um visto para um dos meus familiares distantes, daqueles que só se lembram de nós quando podemos ser úteis. E desta vez, eu era útil.

Não que seja bom rapaz, nem nada dessas tretas, apenas quero ver-me livre deste familiar em especial. Nunca o faria se não tivesse uma razão especial, algo que me levasse a mexer-me sem ser em proveito próprio.

O capitão estava de mau humor. Segundo parecia a sua companhia tinha sofrido graves baixas numa tentativa frustrada de ganhar terreno ao inimigo. E não quis saber de mim, nem do meu visto.

Ao chegar a casa do meu familiar distante, ia já convencido da atitude que iria tomar. Ele queixou-se que eu não fora convincente, que não fizera tudo ao meu alcance. Ouvi-o queixar-se enquanto observava a sua mulher. Que corpo fabuloso. Cada curva era convidativa ao mais baixo instinto sexual. Queria possui-la naquele momento.

Farto de tal conversa, peguei na arma e abati-o com um tiro na cabeça. Olhei-a nos olhos e beijámo-nos. Dirigi-a para o quarto enquanto lhe tirava a roupa. O corpo podia esperar.

domingo, 4 de novembro de 2007

Quem me leva os meus fantasmas

Autoria e contribuição de Xana, do blogue Andamos Nisto


Já não quero mais. Não quero mais. Já não quero aprender com as agruras da vida, tornar-me forte na tormenta, descobrir forças escondidas onde não sabias que havia. Não quero consolar, apaziguar, esconder as minhas lágrimas para secar as dos outros, dar força a quem não a tem.

Não quero mais.

Não quero mais sopa. Tragam-me a sobremesa.

Não quero mais servir de exemplo, portar-me bem, ter bons empregos, boas notas, boas avaliações. Não quero mais resistir às tempestades. Não quero mais tempestades. Tragam-me a sobremesa, o sol, pessoas vivas que não morram nunca.

Parem, quero ir ali fora respirar ar puro.

- Onde? Não existe lá fora.

Quero que exista. Tem que existir. Tem que haver um sítio sem fantasmas. Isto assim, já não quero mais. Não quero mais sopa, tragam-me a sobremesa. Quero respirar fundo, que nada me aconteça, que ninguém me falte. Não quero mais a dor, a ausência, a saudade.

- Não percebeste? Não há mais nada. Não há lá fora para apanhar ar. Não há "Parem". Não há segunda pessoa do plural. É isto. Os teus fantamas pertencem-te e não te largam. Se reclamam mais, tens que lhes dar, tens que os deixar engrossar as fileiras com os teus amores. Não há lá fora para apanhar ar.

Assim já não brinco.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Ontem passei por ti...



Na rua, vi-te de relance, por um instante...estavas linda como sempre e irradiavas uma estranha luz que era assustadora mas ao mesmo tempo reconfortante. Não consegui desviar os olhos de ti.Os nossos olhares nunca se cruzaram, as nossas vozes nunca se entrelaçaram e as nossas mãos nunca se tocaram, mas no entanto, sei o que sinto por ti, sei que te quero. Não tenho a coragem de me aproximar, nem sequer penso nessa hipótese. Prefiro assim, de longe, saber que te amo, que te desejo, imaginar falar contigo, tocar-te, cheirar-te, amar-te...

Não quero mais, tenho medo de mais...

Medo de que a nossa relação, até agora tão bela e pura, se transfigure e mude para sempre. Não, eu estou bem assim, amo-te na minha solidão e imagino que me amas também. Assim sei que te vejo todos os dias, sem falta, no meio da multidão anónima e apressada.

Desde sempre que me lembro de ti.

Sozinha, sempre te vi só. Talvez chegues a casa e prepares uma pequena refeição, antes de adormecer em frente à televisão, (des)atenta a um programa qualquer.
Imagino-te à noite, isolada no (des)conforto do teu apartamento, um gato ou um pequeno peixe dourado como companhia. E choras...

Choras porque estás longe de mim e eu de ti...

Mas ris, quando estás comigo e eu te abraço, agarro-te pela cintura e elevo-te no ar, rodopiando como miúdos na brincadeira, quando assistimos a um filme na televisão que nos faz sorrir, quando chego a casa e te conto as peripécias do meu dia...mas sou só eu a imaginar, porque...

Ontem passei por ti...

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Imaginário XV

Os avós traziam, sempre que vinham a Lisboa, umas coisinhas para eles. As batatas lá da terra e o mel vinham sempre, as outras coisas variavam conforme a época do ano. Daquela vez traziam favas. Fava nova, na casca, uma saca delas.

O pai levava a saca para o barracão que havia no quintal, um quintal diferente do normal, era mais elevado que a casa. Subiam-se as escadas e estava-se como que noutro sítio.

Ela nunca gostava de ir fazer "coisas" que o pai dizia, mas quando era ir ao quintal gostava muito. O quintal parecia outro mundo, havia sempre qualquer coisa para ver.

Mesmo sem lhe dizerem nada ela sabia que havia que descascar as favas e a saca era grande, tinha trabalho para umas tardes depois da escola. Na escola não falava aos colegas das favas, a maioria não sabia o que era descascar nem favas nem ervilhas nem feijões... pensavam, provavelmente, que vinham de um qualquer sítio já meios secos ou congelados. Para os colegas essas coisas surgiam no supermercado. Se calhar eles pensam que nasce nos supermercados, dava ela por si a pensar enquanto descascava as favas.

Numa das tardes de descasca, a reparar que já há imensas favas que estava a pôr as cascas com as favas e as favas com as cascas viu algo a mexer pelo canto do olho. Parou e olhou na direcção do movimento. Ouviu um ruído. Lentamente levantou-se e foi ver o que era. Não mexeu em nada, espreitou e viu um minúsculo ser branco. Parecia uma bolinha de pêlo. Conseguiu aproximar-se e ver que era um rato. Um rato, pequenino, com pêlo branco como a neve e olhos vermelhos, uma cauda longa. Assustado.

Pegou nele e pô-lo numa caixa de ténis. Foi buscar-lhe comida. Passava longos minutos a olhar para ele. Precisava dar-lhe um nome.

No dia seguinte foi lá. Não estava. Chamou pelo ratinho branco mas ele não estava. Sentou-se no banco, olhou para a saca das favas mas não lhe apetecia descascar. O ratinho branco veio ter com ela. Afinal estava lá. Deu-lhe a comida, mudou-lhe a água. Agora tinha um amigo.

Os dias foram passando. Uns dias ele estava na caixa outros dias saía, mas quando ela chegava ele vinha ter com ela. Até que um dia não foi. Nem no outro, nem no outro. Ela chamava pelo ratinho branco e ele não vinha. Ela punha a comida perto dos sítios preferidos dele e ele não vinha. Naquele sítio não se sentia a presença dele.

Ela começou a andar mais triste. Olhava pela porta de vidro que dava para o quintal na esperança de ver o Ratinho Branco passar, mas nada. Um dia, o pai, ao vê-la olhar tanto e desconfiado de tantas idas ao barracão disse-lhe:
- Deitei o teu rato fora.

Ela sabia que não adiantava chorar ou reclamar, o pai não voltaria atrás. E mesmo que voltasse, o Ratinho Branco já não ia querer ser amigo dela, de certeza.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Peixe Cru com sabor a humor

Gostava de saber a razão para um país derivar tanto para a insanidade e a pobreza. O desemprego aumenta, as taxas sobem, o governo é uma anedota real. Ninguém está bem, mas ninguém faz nada. Ainda no outro dia estava a falar com o meu amigo Lamelas sobre o assunto e este tem uma das melhores teorias de todas:

- A culpa disto tudo é da Júlia Pinheiro!
- HÃÃÃÃÃ?
- Sim, ouviste bem, da Júlia Pinheiro e dessa gente como ela...
- Tu já tomaste os comprimidos hoje?
- Pensa nisto assim: tu ligas a televisão...já não tens paciência para ver as notícias, porque só falam em bola, a miúda inglesa, os acordos políticos dos países, as dívidas...vês a tua vida a andar para trás...
- E então?
- Então, porra, não é evidente? Tu mudas de canal até encontrares uma alternativa a isso tudo. E sobra-te apenas os programas da Júlia Pinheiro, onde se fala da vida da Manuelinha que perdeu uma perna, e o filho a tentar salvá-la perdeu a falange do dedo mindinho e, afinal, ela até sofria do SIDA, mas como praticou o coito com o vizinho Manuelinho também ficou grávida, e teve de recorrer à prostituição para sustentar o seu vício da droga, apesar do marido ter ido para a França para as obras...
- Jesus...mas continuo a não perceber onde queres chegar...
- Afinal, quem é que não tomou os comprimidos? É simples...ao veres esses casos convences-te de uma de duas coisas: ou existem vidas bem piores que a tua..
- Sim...
- ...ou convences-te que isto já chegou a um ponto tal que, se programas como este são líderes de audiência, o país está perdido e não vale a pena lutar por ele...
- ahhhhhh...pois....és capaz de ter razão...
- É ou não é?
- Vamos tomar um cafezinho?

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Está frio...

Porque é que tenho tanto frio?

Procuro um agasalho mas não tenho, procuro um lugar mais quente, mas não o encontro...onde estou?
Como vim aqui parar?
Este lugar escuro, onde não vejo nada além desta névoa densa que quase não me deixa respirar.
Está tanto frio...

-Avô!!! – Ouço lá ao fundo...

Consigo agora distinguir, estou em casa do meu filho, no quarto da Sara, a minha neta de 8 anos...mas não me lembro de como aqui vim parar.

-Olá Sara, estás boa?
-Avô...dá-me um abraço!
-Há quanto tempo estou aqui, Sarita?
-Não sei Avô, para mim estás aqui desde sempre...
-Desde sempre?
-Sim, sempre te vi aqui, no meu quarto, onde passamos as tardes a brincar e a conversar...
-E fazemos sempre isso?
-Sim, e à noite costumas dar-me um beijo e aconchegas-me a roupa, para que não tenha frio...

Está tanto frio...
Olho pela porta do quarto e tento ver o meu filho, a minha nora, mas não vejo nada, está escuro, não vejo um palmo à frente do nariz...decido-me a chamar por ele, talvez ele saiba porque estou aqui. Grito a plenos pulmões mas o som só se ouve na minha cabeça. Para além da porta, só o vazio, o vácuo...o escuro. Está tanto frio...

-Sara, o teu pai, onde está?
-Está na sala a ver televisão...está a dar o jogo de Portugal.
-E ele não me ouve? Tem a televisão muito alta?
-Não Avô, ele nunca põe a televisão alta, porque faz dores de cabeça à mamã...

Porque é que ele não me ouve? Não me lembro de estarmos zangados, ele às vezes fazia isso quando era miúdo, quando se zangava comigo deixava de me falar e de me ouvir...mas ele já não tem idade para fazer essas coisas.

-Avô, ele não te ouve porque tu já não falas com ele...
-Mas ainda agora chamei por ele, eu não estou chateado, só quero falar...
-Sim, eu sei Avô, mas não vale a pena porque ele já não te ouve...mas ele diz que tem saudades tuas...
-Então se tem saudades porque não vem aqui ao quarto para falar comigo?
-Porque cada vez que ele entra no quarto tu desapareces...
-Desapareço???
-Sim, voltas para o escuro...

Está tanto frio aqui...no escuro.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

território fronteiriço

Às quintas sou eu.
É assim que está combinado há séculos, durante todos estes séculos tenho falhado. Mas não hoje, que tenho tempo e cabeça para não falhar. Tenho tempo, cabeça, mas não tenho assunto.
Esta falta de assunto é crónica, não apenas aqui, mas na taberna que dirijo sem ajuda, é um problema que se apresenta crónico e sem resolução à vista - por mais que sejam as promessas e tentativas em contrário.
The Sushi Meeting
O Encontro do Sushi
Sushi: arroz frio, temperado com vinagre, em formas variadas, e guarnecido habitualmente com pedaços de peixe, marisco ou vegetais. Expressão utilizada deste 1893, etimologia japonesa.
Gosto. Desde há anos que escolho jantar em restaurantes desta natureza, onde, invariavelmente, opto por...
Sashimi: prato japonês constituído por finas fatias de peixe cru. Expressão utilizada desde 1876, etimologia japonesa.
A preferência gastronómica reflecte-se aqui, na escrita. Ou assim pensei.
Agora, descubro que o meu tempero tem outra natureza, outra origem: um tempero imperceptível, algo que tem que ser demoradamente degustado para que se possa entender de onde vem o paladar, misterioso - já lhe chamaram enigmático. Eu sei, it comes natural.
Aqui vai.
...


- Olá.
- Há que tempos.
- É verdade... por onde tens andado?
- Por lado nenhum, quase que nem saí daqui.
- Sério?
- Claro, achas que eu ia brincar? Não, quase que nem saí daqui. Distracção tua, que nem me viste
...
- Lembras-te de te ter falado nos fios das meadas que fomos perdendo?
- Sim...
- Pois é. A minha meada desenrolou-se imenso, nestas últimas semanas. Tal foi a velocidade com que o novelo rodou, que nem eu tenho tido controlo sobre os fios, nem sei ainda se perdi o controlo desta coisa. Para te colocar a par de todas as pontas, seriam necessárias semanas de conversa...
- Estás a exagerar. Não queres contar?
- Garanto que não é exagero. Aliás, nem sei se tenho agora tempo para estar a ter esta conversa contigo, o telefone pode tocar a qualquer momento e terei que seguir no meu caminho.
- Tens um caminho, agora?
- Sei lá se tenho... tenho sempre a noção de andar a seguir os caminhos dos outros, na tentativa de que um deles me servisse. Acho que continuo na mesma, a tentar a seguir caminhos alheios, mais ou menos tortuosos.
Aliás, deves recordar-te de um conjunto de frases que te dirigi, a propósito, sobre caminhos e sobre como eu te guiava neles...
- Sim, acho que sim, que te guiavas por mim para te orientares.
- Isso: estou exactamente na mesma, sou a mesma pessoa. Apenas com a diferença de, agora, ouvir outras vozes e de tentar guiá-las - e de tentar guiar-me por elas.
- E estás contente com isso?
- Estou sempre contente quando alguém se digna dirigir-me a palavra, em dar-me atenção. Tu sabes, devias conhecer-me essa faceta, as necessidades que tenho.
- Ok.
- Olha, não gosto desse "ok", soa-me a reclamação: mas... que queres? Sabes que eu necessito de ouvir, sabes que eu necessito de guiar, de ouvido. Tu decidiste calar-te, para mim
E é aqui que eu estou agora. Foi para aqui que me mandaste.
- Como se não tivesses vontade própria.
- Talvez não tenha... eu preciso dos outros para viver...

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Constatações do real

Lá fora o Sol brilha. E apesar das chuvas de ontem que anunciavam o tão esperado início de Outono as temperaturas não baixaram, a chuva não veio para ficar, não houve trovoada.

Lá fora o Sol continua a brilhar a aquecer-nos. O calendário não pára. E sob um Sol que ainda nos chega quente preparamo-nos para a mudança da hora já este fim de semana e vamo-nos apercebendo que de dia para dia as ruas têm mais um enfeite de Natal. Luzes que se vão montando que no seu conjunto formam estrelas, pinheiros de Natal enfeitados, bolas, renas, pais natais.

Lá fora o Sol brilha e nos recantos das lojas onde esse Sol não chega as montras vão ficando repletas de objectos alusivos ao Natal. Ursinhos, pais natais, inúmeras coisas que não servem para nada mas todas têm um motivo associado à época que se aproxima. Lojas de artigos domésticos apresentam montras sugestivas para a noite de consoada. Lojas de lingerie apelam aos fetiches natalícios dos mais tímidos. As outras revelam sugestões para presentes.

Lá fora o Sol teima em brilhar e atrasar a chegada do Outono mas a vida segue o seu curso. E eu, seguindo o meu curso, tento ignorar ambas as coisas. Ignorar que o Outono ainda não chegou. Ignorar que o Natal se aproxima.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Em Fogo 5 - Solidão

Solidão... palavra triste... fado doloroso... como uma racha na madeira mais pura... estar só quando não se tem ninguém ou quando nos encontramos no meio da multidão.
Hoje em dia vive-se num Mundo feito de ambição, individualismo, escassez de tempo para olhar/sentir/tocar, corre-se por tudo e por nada, mesmo não saindo do mesmo sitio. Qual o prazer que se pode ter da vida se esta não passa de uma constante rotina e o mais duro é saber que apenas se vive uma vez e não se pode repetir.
A solidão pode ser ultrapassada com uma palavra, um olhar compreensivo, um telefonema que não é esperado, um toque ou, pura e simplesmente, um silêncio onde as duas pessoas se entendem como se de um diálogo se tratasse.
O que nos faz mais sós? O medo da entrega ao outro, mesmo que numa simples relação de amizade? A desconfiança pelo que é diferente? A indiferença perante as dificuldades dos outros, desde que não nos atrapalhem? Custa-me acreditar que o facto de algumas pessoas serem "diferentes", qualquer que seja o conceito de "normal", não possam por isso ser felizes.
Pode ser como uma ponte que a solidão vai corroendo e temos de optar entre ficar num pedaço dela sem fuga possivel ou saltar rumo ao desconhecido e, talvez, fazer outra pessoa feliz. Se é tão bom dizer a alguém "gosto de ti", porque será que muitas pessoas não o dizem? Existe antes uma enorme facilidade em dizer "amo-te", muitas vezes sem sentimento ou significado, e isso de que adianta?
Estar só pode ser bom em algumas alturas, contudo, ninguém consegue ficar sozinho toda a vida... acima de tudo sejam felizes e procurem as rachas da vossa madeira e recuperem-nas com um simples "gosto de ti".
Carpe Diem.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Peixe Cru em forma de medo

Precisava de falar com ela. Dizer-lhe o que sentia, o que queria fazer de um “nós” que não avançava. Pegou no telefone dez vezes. Olhou para o seu nome e sentiu medo. E não ligou. Nunca.
O autocarro estava cheio. As pessoas esperavam que a sua paragem anunciasse a chegada a um lar. As suas faces tinham um ar ansioso, mas plácido. Esperavam.
Queria dizer-lhe que nada fazia sentido. Que queria que pensassem no “nós”. Se valia a pena continuar assim.
A chave entrou devagar na fechadura. Cada som ampliava o seu medo. Não queria ser descoberto. Queria esconder-se. Que ela não o visse. Pesava-lhe o corpo pelo peso do segredo que não lhe desejava mostrar.
Pensou nisto a primeira vez que o viu. Era aquilo que queria. Desejava-o mais do que desejava qualquer coisa. E teve que o ter.
Ouviu-a levantar-se. Já não a podia evitar.
- Olá querido.
- Olá. Preciso de te dizer uma coisa.
- Que ar tão sério…
- Estou a falar a sério!
Sabia que tinha de ser agora. Tirou o peso do seu segredo de dentro do casaco, pegou-lhe com ambas as mãos e abriu a sua caixa. Não podia voltar atrás.
- Queres casar comigo? – disse, mostrando-lhe o anel.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Sem ti...

Acordei.

Sinto um vazio ao meu lado.
Procuro-te na cama, mas não te encontro...
O toque frio dos lençóis indica que saíste há bastante tempo, o suficiente para eles perderem o teu calor...

Um arrepio...

Não, não podes ter saído, eu teria acordado com a porta. De certeza que tu acordaste e estás a deambular pela casa ainda meio ensonada e sem saber o que fazer...

Silêncio

Não te ouço, não sinto os teus passos, não há nada que me faça acreditar que vais voltar para a cama, para o meu lado...mas eu acredito.

Sinto o teu cheiro na almofada.

Reviro os lençóis, como se ainda te procurasse, como se ainda fosse possível tu estares ali, ao meu lado e eu não te visse, não te sentisse, não te cheirasse...

Foi por isso que saíste...?

Ainda te consigo sentir, cheirar e quase tocar...o teu cheiro nos lençóis, o teu suor, as tuas lágrimas, o teu riso, consigo ter isso tudo aqui entre os lençóis, nas minhas mãos, no meu corpo...a batida do teu coração.

Não estás...e eu sem ti acordei...


No quarto, onde em tantas noites partilhámos os nossos corpos, onde desfrutámos de cada um, nos entregámos ao prazer, onde os nossos braços se entrelaçaram e as nossas bocas se tocaram, pairam os sons e o odor a sexo...

Sinto o teu cheiro na almofada.

Nunca conseguimos partilhar o que nos ia na alma, os nossos sentimentos, os nossos seres, partilhámos apenas desejo, luxúria, necessidades, carne...nunca foste totalmente minha nem eu totalmente teu...

Foi por isso que saíste...?

Nunca falámos, nunca partilhámos pensamentos, conversas, amigos, inimigos, amizades, tempo, vida...Tudo o que eu não te disse, tudo o que eu sinto, tudo o que me faz querer estar contigo está aqui, bem dentro de mim...e tu, queres estar comigo?

Silêncio

Saíste para sempre, saíste sem me dizer uma palavra, um gesto, sem um adeus... saíste como entraste, de repente, sem aviso, sem me aperceber de como chegaste até mim...

Sinto o teu cheiro na almofada.

Sei que é tarde, não há nada a fazer, tudo o que não foi dito, tudo o que não foi sentido, tudo o que não foi mostrado, tudo o que não aconteceu, ficará por acontecer...

Não estás...e eu sem ti acordei...

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Imaginário XIV

Lembro-me de ver aquela rapariga todos os dias. Bem, ou pelo menos quase todos. Já nem sei há quanto tempo a vejo. É difícil não reparar nela e atenção, não interpretem isto de modo leviano. É difícil não reparar nela porque ela passa totalmente despercebida.

Creio que é daquelas que se tentam mimetizar no meio da multidão. Quer dizer, é só uma ideia, não sei. Que mania que temos de olhar para as pessoas, especialmente aquelas que nos habituamos a ver sem nunca lhes tocar, sem nunca ouvirmos a sua voz, nem nunca receber um olhar directo nos olhos... bem, neste último caso nem é bem verdade porque às vezes os nossos olhares cruzam-se de vez em quando e devo dizer que o olhar dela me incomoda. Não é que transpareça maldade ou que demonstre ficar chateada ou importunada. Mas é um olhar tão profundo, penetrante e insistente, como se desafiasse, que tenho mesmo que desviar os olhos dos dela. Chega a dar-me a sensação de que para ela estes olhares nos olhos são um desafio e quem acaba por sentir o incómodo como se da invasão da alma se tratasse sou eu.

Seja como for, estava eu a dizer que a impressão que me dá é que ela se quer fazer confundir com o meio, como se desejasse ser camaleão... até vou mais longe. Quer-me mesmo parecer que se ela pudesse seria mais que camaleão... como explicar? Que se ela pudesse estaria no meio da multidão a observar toda a gente, perfeitamente visível mas sem deixar que ninguém a visse... como se fosse possível...

O que me chama a atenção nela é o facto como ela até parece fazer para repudiar os olhares dela. Acredito que não se apercebe de como acaba por ser alvo de tantos olhares. Olho para todos à minha volta e reparo que todos a olham também e enquanto penso no que ela estará a pensar penso também no que os outros estão a pensar sobre ela, se será o mesmo que eu. Penso ainda quem é que a vê há mais tempo que eu e a analisa há mais tempo e julga compreendê-la há mais tempo e quem é que a vê há menos tempo e nesse “menos tempo” já sabe mais sobre ela que eu, e desses eu sinto ciúme.

Que coisa parva - digo para mim logo a seguir - Que coisa parva sentir ciúme de pessoas que não conheço. Devo estar a ficar lélé - é o que me vou repetindo. E no entanto queria ser só eu a compreender o que ela pensa, sente, quer, sonha, deseja...

Em Fogo 4 - Ser Feliz


Estava-mos os 2 naquela esplanada virada para o Tejo com um copo de vinho na frente, quando olhaste bem fundo nos meus olhos e perguntaste "és feliz?". Eu retribui o olhar e naquele momento sabia que estava plenamente realizado... sentia-me livre, solto, com vontade de sorrir sem razão, com o desejo de me perder nos olhos dela e assim respondi "contigo, sou".
Depois dessa resposta passaste as mãos no meu rosto e ficaste a olhar para mim, segundo dizias, "quero fotografar o teu rosto"... e eu, abandonava-me ao teu olhar, sentido-me despido no meu íntimo, como só tu o conseguias fazer.
Contigo consigo ser uma pessoa diferente, consigo criar uma obra prima de um gesto, consigo falar sem palavras ou fazer do silêncio um imenso ruído... tu dizias "hoje sou tua" e eu respondia "só és minha se eu poder ser teu"... partilhava-mos o sonho na caricia sobre a pele, conhecemos o mapa do corpo um do outro de olhos vendados, sei quantos sinais tens no corpo ou aquilo que te dá prazer.
Tu dizias nos momentos de prazer "deixa-me abandonar o meu corpo para sentir o prazer a entrar" e eu respondia-te com o olhar e entrava em ti... era muito mais que isso, era como descobrir um mundo novo de sensações, nunca nos sobrepusemos um ao outro... tu dizias "sente-me por dentro" e eu respondia "não consigo entrar totalmente em ti, mas sinto-te dentro de mim".
Mas a felicidade não dura sempre... 2 meses depois de nos conhecermos soubeste... quando o médico te disse "cancro da mama em estado terminal" tu apenas seguraste a minha mão e olhaste-me nos olhos e nessa altura eu soube... tu querias partilhar comigo a dor, retribui o toque e apenas olhei para ti, sem compaixão mas com amor.
Desde esse dia segurei-te a mão, segui o caminho a teu lado em silêncio, olhei para ti e retive-te na minha mente... quando te disse que era feliz contigo já não tinhas cabelo, mas eu amava-te na mesma, o que conta para mim é a personalidade, o interior, o teu olhar que mesmo em dificuldade não se sentia derrotado.
Sabes o que aprendi contigo? O significado de "ser feliz", tu ensinaste-me que mesmo na tristeza se encontra uma âncora que nos agarra à Vida e eu fui a tua... continuas viva dentro de mim e agora, depois que te foste posso dizer "obrigado por me teres feito descobrir a felicidade".
Carpe Diem.

Antes de qualquer imaginário...

Temos uma novidade.

Depois da inesperada saída da nossa
Me Hate, a inesperada chegada do Eskisito.

Às 2ªs feiras... deliciem-se com os pratos dele.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Imaginário XIII

Entrei na cozinha. Já atrasada. Muito atrasada.

Lavei as mãos a correr. Peguei no avental ao mesmo tempo que abri o frigorífico e enquanto uma mão tirava o que ia precisar a outra ia enfiando o avental pela cabeça abaixo.

Estava com aquela sensação que faltava qualquer coisa. Revi mentalmente a receita a que já me habituei a fazer olhando para o balcão. Não... tudo a postos. Assim de repente não faltava nada.

Arranjei, cozinhei, preparei. Sempre com a sensação de que faltava alguma coisa. Servi. Sempre a pensar no que faltava.

Servi. Comi. Comemos. Afinal, estava ali. Era para se comer. Antes que ficasse frio. Comemos. Comemos até ao fim. Comemos, repetimos, e sem nos saber bem não nos soube mal.

No fim não soubémos dizer o que faltou. Faltava qualquer coisa. O travo foi diferente, que foi.

Estava lá tudo mas faltou qualquer coisa.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Em Fogo 3 - A Beleza



Certo dia, uma amiga disse-me qualquer coisa como: a beleza exterior vai sendo cada vez menos importante à medida que se vai conhecendo o interior do outro. Concordo plenamente com esta ideia e acabou por ser a inspiração para o meu texto de hoje. O conceito de beleza varia de pessoa para pessoa e não quer, obrigatoriamente, corresponder a um conceito de beleza fisico, mas será esse pelo qual vou escrever.
Hoje em dia o conceito de beleza física encontra-se muito ligado ao culto do corpo, a ideia de que só se é belo quando se é alto, magro ou se tem determinadas características aceites por aquilo que denominamos sociedade... aqueles que se destacam por serem diferentes, muitas vezes, são colocados de lado neste Mundo de aparências. Curioso é que as aparências escondem inseguranças, vacuidade, fraca autoestima e prazer em seguir modas.
A crescente vaga de procura por cirurgias plásticas ou programas de TV que promovem a "melhoria do corpo", tornando assim a pessoa "mais jovem" ou fazendo com que se aceite melhor como é. Não aceitar a idade que se tem é uma obsessão para algumas pessoas... porque não podemos envelhecer como fizeram os nossos avós? Porque viver até aos 120 anos se não temos a mesma vitalidade ou o mesmo desejo de quando tinhamos 20? Porque não aceitar que se pode ter rugas e ser feliz? Porque existem pessoas que querem ser iguais a todos os outros, mesmo em mundos virtuais como o Second Life?
Não consigo responder a estas questões... prefiro aceitar o corpo do outro como é e olhar para dentro: ver o que tem para me oferecer, discutir assuntos, partilhar emoções, rir ao mesmo tempo mesmo que faça rugas, olhar nos olhos e perder-me assim, sentir lábios reais nos meus mesmo que não seja a boca da Angelina Jolie, sentir o corpo no corpo pelo simples prazer de tocar e não porque foi totalmente retocado e siliconado... porque ligamos tanto ao que dizem os outros e as revistas de moda?
Para mim Beleza é ser puro no sentido de respeitarmos-nos a nós próprios... existe alguma diferença, em termos de beleza, entre um pôr do Sol e o corpo de outra pessoa mesmo que não seja "perfeito"? Sabe tão bem descobrir o corpo, a mente, o olhar, o beijo, o toque da pessoa que amamos... concordo que, num primeiro olhar, podemos sentir-nos atraidos por aspectos muito diferentes (e muitas vezes fisicos) mas se essa pessoa não tem mais nada para dar qual o interesse?
Ser belo ou bela, para mim, é ter algo que cativa, é ser mais do que um corpo e mostrar que se sabe pensar e viver a Vida, que se sabe aproveitar os pequenos momentos que ela nos oferece, que saiba distinguir o que dizem os outros e aquilo que diz o seu próprio coração, saber aceitar a diferença qualquer que seja a forma como ela se apresenta (fisica, sexual, racial...). Seria tão mais belo o Mundo se as pessoas aceitassem aquilo que são e procurassem antes ver a beleza onde ela realmente existe.
Tal como disse a minha amiga: a beleza fisica vai desaparecendo conforme vamos conhecendo e amando o interior de uma pessoa. Assino e subscrevo.
Carpe Diem.


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