sábado, 18 de abril de 2009

Imaginário XXXIX - 1ª parte

Não queria que o último som nos seus ouvidos fosse aquele bip irregular que lhe ia lembrando constantemente que em breve estaria morta. Não, queria tanto que aquele bip fosse musical, um som alegre, um chilrear, qualquer coisa em vez daquele som tão desprovido de vida que foi escolhido para traduzir precisamente os seus sinais vitais.
Agora, ali deitada naquela cama impessoal onde nem imaginava quantas pessoas teriam pensado o mesmo que ela, concluía que era perfeitamente aniquilador de qualquer esperança ouvir permanentemente um "Bip, bip, bip" que lhe dizia que cada vez estava mais perto da chegada a um ponto qualquer. Ou de saída de um outro ponto, em breve descobriria.

Já tinha lido sobre "near death experiences" e perguntava-se quando começaria a ver a tal luz brilhante e a ver a vida passar à frente como um filme em "fast-foward". Como seria rever tudo de uma só vez? Iria lembrar-se de alguma coisa que achava esquecida? O que seria essa coisa?
Pensou que não devia estar a bater bem: era suposto estar assustada ou curiosa? Se não fosse aquele maldito bip... Se não fosse estar com tubos por todo o lado e não conseguir dizer a ninguém diria que não há pior que partir de vez a ouvir aquilo. A curiosidade, essa, ficava cada vez maior e o medo cada vez mais para trás.

Começou a sentir-se mais calma. Lembrou-se de quando soube que estava gravemente doente e não sentiu raiva nem tristeza. Sentiu-se como que a ver um filme, faltam as pipocas, pensou.

Ouviu uma voz conhecida e tentou abrir os olhos mas não conseguiu. Sabia que era a sua filha que perguntava nesse momento ao médico o que se passava. Ela respondia à filha que estava tudo bem. O médico respondeu para ela se afastar, que tinha que sair dali.

Tolo do médico, não me ouve? Deixa estar aqui a minha filha. Saberei lá eu se a volto a ver? Sentiu-se a rir calma e docemente, um misto de riso e sorriso e queria tanto conseguir dizer apenas que estava tão bem.

Mas aqueles horríveis bip's, aquelas vozes desconhecidas que não a deixavam ouvir a filha e aqueles malditos tubos que só serviam para a impedir de comunicar com o que ainda era o seu mundo - Será que havia outro? Como será se houver? - e dizer pelo menos para viverem o melhor que puderem que a vida é tão curta para mágoas. Queria dizer que estava bem, talvez não o bem que queriam que estivesse, mas que estava melhor do que tinha estado: leve e sem dores. Queria dizer também que podiam substituir aquele bip que agora já não era enervante e parecia mais um som lá muito longe.
Sorriu ao "ouvir" todos quantos conhecia dizerem em coro que tinha mesmo mau-feitio. Sorriu fracções de segundo depois, num sorriso-réplica, por ver todos ali reunidos de novo.

As vozes dos médicos, o bip, o choro da filha eram agora memórias longínquas...


[Continua]

4 sakês:

ઇઉ Aralis ઇઉ disse...

Bom...agora queria mais!
nãogosto de coisas que continuam, nem séries nem nada, fico tramada da vida!
LOLOL
é verdade!

Deixaste-me com água na boca!
Volta rápido!
jokas

V. disse...

Bom dia Aralis, obrigada por quereres mais e teres ficado de água na boca, a questão e o meu probema agora são se viu conseguir "saciar"!

No que me fui meter, ahahah

Se eu não dividisse o conto ia ficar muito grande... optei por publicar em duas vezes. Sábado vem o 2º e último episódio :))


Bjoka

mimanora disse...

Deixar-nos assim a meio não vale...

hibrys disse...

Simplesmente: "UAU!"


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