quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Imaginário III

Naquela manhã os seus olhos fixaram-se em todos os outros olhos procurando expressões, esgares que traduzissem qualquer sentimento que já tivesse vivido ou presenciado.

Passou a mesma entrada principal que, num ritual indesejado de tempo perdido na longa fila de espera, cruzava há coisa de 4 anos. As caras, apesar de diferentes, espelham todas os mesmos sentimentos. Conversas mais sorridentes, olhos mais lacrimejantes, mas as vivências, mais tarde ou mais cedo, comuns a todos - só uma questão de tempo.

Naquele dia estava sol. Reparava agora que a maioria das vezes que lá tinha ido até aquela altura tinha chovido. Ultimamente estava sol e perguntava-se se seria bom augúrio.

Passada a entrada principal o mesmo encontro com o segurança, as perguntas de sempre: "onde vai?" "sabe o caminho?" e a resposta a todas já sem pensar porque parecia já uma rotina, mesmo que se passasse mais de 6 meses sem lá ir.

No início do que se tornaria um hábito, uma componente da vida, virava à esquerda passando o segurança. Quando passou a virar à direita para se dirigir ao segundo andar o seu entusiasmo melhorou.

Agora, na sala de espera onde se habituou a esperar calmamente pela sua vez, silenciosa, iluminada, aprazível até, olhava para as caras que já não sabe se conhece ou não com uma vontade de dizer "bom dia, como vai?" mas que não faz por receio nem sabe bem de quê mas prefere não fazer.

Tanto a sua própria experiência pessoal como o conhecimento do ritual do lugar faz com que olhe para as caras e saiba o que estão a pensar. E se umas tem vontade de abraçar, oferecer o ombro e todo o tempo do mundo e dizer que vai correr tudo bem, com outras tem vontade de felicitar e "despedir" (porque nunca se sabe em que esquina vamos encontrar quem...) e outras ainda tem vontade de explicar tudo tim-tim por tim-tim e dizer que o mais importante é mesmo saber esperar, como se tudo isto fosse um desígnio maior para pôr à prova a capacidade de espera e de controlo da pessoa.

Chega a sua vez. Cruza olhares com duas ou três expressões que também conhecem a sua. Respirar fundo, sorrir e seguir.

Sem dar conta muito tempo passou até que pudesse sorrir. E até que pudesse ter aquele sorriso naquele sítio.

5 sakês:

pensamentosametro disse...

Mais uma vez um texto muito bel que transmite serenidade, esperança a quem dela precisa, mais uma vez conseguiste superar-te no teu "imaginário".

Bjos

Tita

Anónimo disse...

E a esperança está lá... aliás, está em ti! ;)

V. disse...

Todos precisamos de esperança a toda a hora, mesmo não sabendo que precisamos.

Anónimo disse...

Sim... e por vezes a esperança é tal que as coisas mudem e elas nunca mudam que a unica coisa que nos acontece é ficarmos cristalizados...

O que aconteceu à cronica do Cai???

V. disse...

O Cai foi de férias...

E o cristalizar só acontece quando esperamos que as coisas mmudem em evz de incitarmos à mudança. Nós temos que ser activos.


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