"Era uma vez", começava assim a história. Começava assim porque todas as histórias têm que começar por "era uma vez".
Nunca percebeu porquê.
Ele lembra-se de ser criança, pequenino, e a avó lhe dizer que se fosse um menino bonito e desse um beijinho aos papás e se fosse deitar cedo ela lhe ia contar uma história.
Então ele dava um beijinho e pedia a bênção à família e ia para o quarto, acendia o candeeiro, dizia as suas orações e esperava pela avó, que logo de seguida chegava para se sentar à beira da cama.
Recorda-se que todas as histórias começavam com "Era uma vez..." e que normalmente, a seguir, vinha "um menino" ou "uma menina", "muito pobrezinho" (ou pobrezinha).
Antes de se sentar a avó aconchegava os cobertores e os lençóis. Fazia-lhe sempre uma festinha na testa, como que a tirar a franja dos olhos. Aconchegava-lhe o urso de peluche já remendado mas ainda assim o seu companheiro inseparável das noites de pesadelos.
A avó pegava então no livro.
"Era uma vez uma menina, uma menina muito pobrezinha, que não tinha sapatos, não tinha brinquedos, não tinha amigos..."
Ele recorda que gostava que a história começasse pela menina. Um dia perguntou porque é que a menina era muito pobrezinha e a avó respondeu que havia muitos meninos muito pobrezinhos e que ele devia ouvir a história até ao fim.
Quando a avó chegava à parte do príncipe ele imaginava-se num fato galante de veludo, em vários tons de azul, com calções em balão por cima de collants e uma capa ao pescoço, que era fina e esvoaçava à mínima brisa e lá ia ele, em cima do seu cavalo "Veloz", salvar a menina pobrezinha e acabavam a viver os dois felizes para sempre.
"Era uma vez uma menina, uma menina muito pobrezinha, que não tinha sapatos, não tinha brinquedos, não tinha amigos e não podia ir à escola. A menina tinha que trabalhar no campo com os pais, que gostavam muito dela e tinham muita pena que a menina não pudesse ir aprender a ler."
Ele imaginava-se a salvar a menina, e ir com ela à escola, e seriam inseparáveis. Eles iam crescer e iam gostar muito um do outro, como o avô e a avó, como o papá e a mamã, e iam casar e iam ser felizes para sempre.
Ele lembra-se de ser criança e do cheiro dos bolos da avó, e de a mãe lhe cerzir as peúgas, sentada à lareira na cadeira de baloiço enquanto o pai lutava para vencer o cansaço e ler mais uma notícia, atrasada, do jornal. Lembra-se das visitas das tias que vinham da serra e traziam queijos e chouriças e lã que a mãe usava para fazer camisolas e pantufas. Lembra-se de o pai o ensinar a andar de bicicleta no jardim em frente à casa e de não o deixar cair.
Ele lembra-se de perguntar à avó porque é que as histórias do livro eram sempre tão parecidas, e quando a avó lhe dizia para ele ouvir com atenção ele nem se lembrava mais da história anterior, porque a avó magnetizava-o.
Ele lembra-se de ir crescendo e aprender a ler e de abrir o livro e não serem aquelas as histórias que ele ouvia. Ele não gostava das histórias do livro. Lembra-se que nunca disse nada à avó que sabia que ela não sabia ler. Lembra-se de sentir que o importante não eram as histórias, era a avó.
Ele lembra-se que todas as histórias começavam com "Era uma vez..." e terminavam com "... e foram felizes para sempre."
E tentava imaginar o que era ser feliz para sempre, e adormecia a pensar na felicidade que ia ter com a princesa que ia salvar... para sempre.
Agora, à beira da cama, a olhar para a sua princesa, ele sabe que a avó tinha razão e sabe porque é que todas as histórias começam com "Era uma vez..." e terminam com "... e foram felizes para sempre."
E foram felizes para sempre...
Nunca percebeu porquê.
Ele lembra-se de ser criança, pequenino, e a avó lhe dizer que se fosse um menino bonito e desse um beijinho aos papás e se fosse deitar cedo ela lhe ia contar uma história.
Então ele dava um beijinho e pedia a bênção à família e ia para o quarto, acendia o candeeiro, dizia as suas orações e esperava pela avó, que logo de seguida chegava para se sentar à beira da cama.
Recorda-se que todas as histórias começavam com "Era uma vez..." e que normalmente, a seguir, vinha "um menino" ou "uma menina", "muito pobrezinho" (ou pobrezinha).
Antes de se sentar a avó aconchegava os cobertores e os lençóis. Fazia-lhe sempre uma festinha na testa, como que a tirar a franja dos olhos. Aconchegava-lhe o urso de peluche já remendado mas ainda assim o seu companheiro inseparável das noites de pesadelos.
A avó pegava então no livro.
"Era uma vez uma menina, uma menina muito pobrezinha, que não tinha sapatos, não tinha brinquedos, não tinha amigos..."
Ele recorda que gostava que a história começasse pela menina. Um dia perguntou porque é que a menina era muito pobrezinha e a avó respondeu que havia muitos meninos muito pobrezinhos e que ele devia ouvir a história até ao fim.
Quando a avó chegava à parte do príncipe ele imaginava-se num fato galante de veludo, em vários tons de azul, com calções em balão por cima de collants e uma capa ao pescoço, que era fina e esvoaçava à mínima brisa e lá ia ele, em cima do seu cavalo "Veloz", salvar a menina pobrezinha e acabavam a viver os dois felizes para sempre.
"Era uma vez uma menina, uma menina muito pobrezinha, que não tinha sapatos, não tinha brinquedos, não tinha amigos e não podia ir à escola. A menina tinha que trabalhar no campo com os pais, que gostavam muito dela e tinham muita pena que a menina não pudesse ir aprender a ler."
Ele imaginava-se a salvar a menina, e ir com ela à escola, e seriam inseparáveis. Eles iam crescer e iam gostar muito um do outro, como o avô e a avó, como o papá e a mamã, e iam casar e iam ser felizes para sempre.
Ele lembra-se de ser criança e do cheiro dos bolos da avó, e de a mãe lhe cerzir as peúgas, sentada à lareira na cadeira de baloiço enquanto o pai lutava para vencer o cansaço e ler mais uma notícia, atrasada, do jornal. Lembra-se das visitas das tias que vinham da serra e traziam queijos e chouriças e lã que a mãe usava para fazer camisolas e pantufas. Lembra-se de o pai o ensinar a andar de bicicleta no jardim em frente à casa e de não o deixar cair.
Ele lembra-se de perguntar à avó porque é que as histórias do livro eram sempre tão parecidas, e quando a avó lhe dizia para ele ouvir com atenção ele nem se lembrava mais da história anterior, porque a avó magnetizava-o.
Ele lembra-se de ir crescendo e aprender a ler e de abrir o livro e não serem aquelas as histórias que ele ouvia. Ele não gostava das histórias do livro. Lembra-se que nunca disse nada à avó que sabia que ela não sabia ler. Lembra-se de sentir que o importante não eram as histórias, era a avó.
Ele lembra-se que todas as histórias começavam com "Era uma vez..." e terminavam com "... e foram felizes para sempre."
E tentava imaginar o que era ser feliz para sempre, e adormecia a pensar na felicidade que ia ter com a princesa que ia salvar... para sempre.
Agora, à beira da cama, a olhar para a sua princesa, ele sabe que a avó tinha razão e sabe porque é que todas as histórias começam com "Era uma vez..." e terminam com "... e foram felizes para sempre."
E foram felizes para sempre...
8 sakês:
Lindo!!!
Estás cada vez melhor...Bjos!
:) Obrigada! Assim incentivas-me :P
Agora, à beira da cama, a olhar mais uma vez para aquele espaço vazio, ela sabe que a avó não tinha razão e sabe disso porque ali já habitou a felicidade porque ali, já se deitou alguém que nos tirava o sono só para podermos comtemplar o seu sono... ali já esteve em pleno descanso o amor... Agora já não!
Se calhar a avó tinha razão e ela também tem: a avó porque conheceu a felicidade e viveu-a "para sempre" e ela porque tendo conhecido perdeu-a... esperemos que "não para sempre"
It just gets better and better!!!!
Pronto, já arranjaste maneira de eu ficar mais um vez com nariz de palhaço, muito bom mais uma vez conseguiste.Salvo uma amolgadela aqui e ali e olhando para a cama onde dorme o seu principe, embora ressone como tudo, sabe que a avó tem razão.
Tita
Mas cre-me a cada dia que passa que ela a perdeu... MESMO!
Tuxa e Tita, parece que um dia destes vou deixar todos desiludidos... pelo menos ainda não foi hoje :)
Obrigada pelo vosso incentivo.
Agora que pensava que estava a escrever completamente "inócuo" mesmo assim ainda fez mossa.
Devíamos ouvir os nossos aós mais vezes, não era? Podíamos aprender muito com eles se os tivessemos sabido ouvir. Mas ainda não sabíamos e um dia, quando sabemos, eles já cá não estão para nos falar.
Me Hate pode ter perdido para sempre com uma pessoa e não significa que não reencontre outro tipo de felicidade com outra. Assim esteja preparada para que isso aconteça.
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