quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Imaginário VI

Entrou no carro e ligou-o. Sabia que precisava ir – a algum sítio – sabia que tinha que ir. Estaria a fugir? Interrogava-se se estaria a fugir. Provavelmente. Era tão difícil… não sabia quanto tempo mais iria aguentar fugir – fugir do mundo.

Aquelas imagens não lhe saíam da cabeça. Aqueles sons não lhe saíam da cabeça. Não sabia onde ir, não sabia o que fazer, não sabia o que queria ver – apenas precisava ir. Tinha que ir.

As lágrimas pesavam-lhe à beira dos olhos, grossas, pesadas, o esforço para que não rolassem era já demasiado. A garganta doía, o peito apertava, a respiração fugia. Não conseguia esquecer.

No fundo no fundo não queria nada. Não sabia se queria esquecer, não sabia onde queria ir, não sabia onde devia estar. Principalmente não sabia o que devia pensar e acima de tudo que não queria pensar mais. Não queria pensar nunca mais.

À medida que acelerava o prazer aumentava. Assim que entrou na autoestrada o limite era o do carro e nem esse interessava. Não interessava mais o que os outros poderiam pensar, não interessava mais o que os outros poderiam dizer, não interessava mais o que poderia acontecer – não interessava mais nada.

Conseguia ouvir as vozes a recriminarem o seu instinto de auto-destruição, como se compreendessem sequer o que se estava a passar e ria com plena consciência da aparente loucura que tinha a certeza que os outros viam em si.
E acelerava. Mais, cada vez mais.

Ria ao tentar explicar-lhes que não era auto-destruição, sabendo perfeitamente que quanto mais tentava explicar mais se riria, com a certeza que quanto mais tentasse explicar menos acreditariam mas nem isso interessava. Não interessava se não acreditavam que não era auto-destruição, não interessava se todos achavam que precisava ajuda, não interessava nada. Neste momento não interessava nada. Já nada interessava.

E ria do que conseguia ouvir nitidamente do que diziam e sabia perfeitamente que estava só: verdadeiramente só. E por isso nada importava, nem o que pensavam, nem o que diziam, nem o que queriam. Só interessava a velocidade e a busca de uma direcção, precisava ainda de encontrar a direcção. A velocidade cada vez maior já não satisfazia o suficiente.

Antes de embater violentamente no separador central pensou do que estaria a fugir. Era difícil admitir para si que estava a fugir. Lágrimas pesadas rolaram quando virou o retrovisor na sua direcção e tirando os olhos da estrada olhou para si olhos nos olhos e disse: "descobri que estou a fugir de ti"



3 sakês:

pensamentosametro disse...

Sem palavras, lindo intenso e tão verdadeiro quem noum momento ou outro da vida não quis fugir de si?? acabar com tudo e recomeçar de novo.

Bjos

Tita

hibrys disse...

Bem... lindo mesmo... V. estas cada vez melhor nisto.
bjokas e aproveita as férias

Anónimo disse...

É dificil rir quando no fundo... se quer chorar! Parecemos, por vezes, palhaços num daqueles circos de beira de estrada em que já não encontramos razão para ali estar...

E porém, todos continuamos a rir...

Um imenso e apertado beijo a ti amiga que tanto queria estar a sentir neste momento o teu abraço...


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