quinta-feira, 10 de abril de 2008

Vivências 24...

As pessoas da aldeia são usualmente más, ou pura e simplesmente, como têm falta de assunto ouvem uma história e fazem o resto do filme...
Quando o Pedro morreu a única coisa que disseram foi: "Estava com um colete daqueles florescentes e sem roupa... interior, estava cheio de pedras nos bolsos e ninguém entende por que raio alguém faria semelhante coisa!"
O Pedro em vida, pode não ter sido um exemplo para ninguém... aliás pensando nisso, quem é que de facto quer ser exemplo para alguma coisa? E para quê? Para provar o quê? Não teremos de ser algo para... nós?????
Nunca foi tipo de psicanalista, psicoterapeuta ou de comprimidos, achava-se capaz de resolver tudo pela manhã... à frente do espelho enquanto fazia a barba meticulosamente.
Na realidade, as águas deste lado do mundo são rápidas e as correntes são-o ainda mais... Portanto, inteligentemente, o Pedro colocou o colete para ser facilmente avistado pelos pescadores, as pedras creio, explicam-se por si, pelo peso, e a roupa, aliás a falta da mesma tem a ver com o asseio: O Pedro nos anos primeiros anos de vida profissional foi um técnico exemplar, não se lhe via de tal forma qualquer tipo de falha que quem o visse perguntaria e, com razão se aquilo seria encenação ou a pessoa em si.
Na verdade para o fim também não é que mascara tenha caído... "borrou" eventualmente algumas vezes mas, nunca caiu, nunca ninguém soube dos seus problemas maritais, familiares... de excessos... sobretudo, com algum tipo de drogas... nos últimos meses, depois da mulher o deixar, lavava freneticamente toda a roupa interior à mão, com aquele sabão "macaco" ou o outro "azul e branco" nunca chegámos a apurar muito bem a razão...
Se não estava com a roupa interior certamente, não tenho dúvidas no meu espírito, que tal se prendia com o facto de não ter uma limpa e não queria que o encontrassem naquele estado.
Não interessa de facto perdermo-nos em mais explicações mas, no dia em que o encontraram a fllutuar há pelo menos 5 dias e quando finalmente alguém entrou em sua casa havia uma carta a mim dirigida, previamente aberta pela policia entregue 3 dias depois do encontro do seu corpo, dizia muito brevemente:
"Finalmente olhei-me ao espelho e vi-me! Tinhas razão: não encontro razão para tudo o fiz até hoje, lamento não ver o crescimento das minhas filhas mas não tenho mais paciência para aguentar esta hipocrisia, esta vacuidade das pessoas que me rodeiam. Amanhã morrerei mas não sem antes, ver pela primeira vez o nascer do sol, sem antes tomar um café contigo na nossa esplanada, ver as minhas filhas e dizer-lhes pela ultima vez que as amo profundamente e sem antes pensar em todos (os poucos) que foram os nossos amigos e que me prenderam durante todos estes anos a esta espécie de vida apenas porque me lembravam, ainda que inconscientemente, que houve um dia em que fui de facto, por um breve segundo: feliz!"

4 sakês:

pensamentosametro disse...

Arrepiante de tão real.

bjos

Tita

Carpe Diem disse...

A dificuldade de viver por vezes leva a medidas desesperadas, serão uma forma de fugir à realidade ou uma salvação?

Gostei mt do texto porque com poucas palavras se traduz um estado de alma (ou falta dele) e uma vida em perda mas plenamente consciente desse facto.

Beijos
Nuno.

Anónimo disse...

Tita... algures no mundo, certamente que foi real... a questão é: quando é que nos olhamos ao espelho e acordamos como o Pedro para esta realidade? Quando?

Bj

Anónimo disse...

Nuno raramente sinto a morte como salvação, eventualmente, será uma medida desesperada por quem, espero, já tentou tudo e nada conseguio fazer para acalamar a dor interna...

Amanhã, só quero acordar como hoje: Olhar-me e dizer - "É isso mesmo, fizeste o que é necessário e agora, de novo, está na altura de seguires em frente!"

O pensamento é a primeira forma de acção!


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