José, conhecido lá na empresa como Zézito por ter começado a lá trabalhar há tantos anos que nem ele se lembra, aguardou um pouco à porta do gabinete do director geral.
Quando foi trabalhar para aquela empresa eram poucos. Havia o Manel, o Tó, o Costa, o Álvaro, já reformados nesta altura, o Costa e o Tó já falecidos que nem tiveram tempo para gozar a reforma que foram logo levados "e por isso é que eu trabalho, parar é morrer!" - dizia sempre o Zézito - a Amália, a Mani, a Litas. Também elas já foram, a última vez que soube delas estavam a Litas com a família, a Amália num lar e a Mani tinha emigrado há anos, lá para África do Sul, ajudar o genro e a filha que tentavam uma vida nova.
A empresa já não era como ele a tinha conhecido: familiar, com gente amável, o dono a quem nunca tiveram problema em recorrer "que se for preciso, "xô" Filipe, já sabe que estamos cá e conta connosco! "
Nessa altura faziam-se festas no Natal. As esposas e esposos eram convidados, os filhos ficavam em casa e confraternizava-se como se de "iguais" se tratasse, até que o "xô" Filipe morreu de doença agravada e tudo mudou.
Zézito recordava alguns destes momentos de coração palpitante. Os seus ouvidos voltavam a encher-se de música e os seus olhos viam com nitidez o Sr. Filipe Paiva e a esposa a abrir o baile, as mesas com bolinhos e copos de bebidas diferentes. Nessas alturas não conseguia evitar que uma lágrima pesada, teimosa e irrequieta lhe descesse face abaixo para logo a seguir sentir o molhado nas mãos "olha agora, ó Zézito, então dá-te para chorar?" e logo passava o lenço de pano gasto pelo tempo nos olhos.
Agora tudo era diferente. Desde que o Sr. Filipe tinha morrido e que os filhos venderam o sítio que tudo era diferente. Tinham conseguido que eles lá ficassem, "eles", os velhos que ainda "vêem do tempo do paizinho... se os mandamos embora para onde é que vão?".
Estes miúdos novos que mandavam nisto agora não tinham respeito por ele nem pelos outros. Se a ele se preparavam para o despedir, aos outros preparavam-se para os substituir. Se a ele lhe tinham arrancado a sua rotina e achincalhado a sua dignidade, aos mais novos tiravam a vontade de prosseguir a cada dia que passava. As queixas eram muitas, as condições quase inexistentes.
Zézito era o único que restava de um tempo glorioso que aquela empresa viveu, sabia que todos o que formavam a outra parte do que considerava ser a sua família já tinham partido e ele estava só.
Em casa Zézito tinha visto Deus levar a sua Mina depois de meses de sofrimento em que não saiu de ao pé dela. Já na altura só a tinha a ela, que foi para junto de Deus e dos dois filhos que a febre levou, tão pequenos e frágeis eram, que nunca o desgosto lhe passou.
Agora Zézito aguardava a reforma para ir morar com a irmã e o cunhado lá para os lados de Portalegre, que a velhice quer-se perto da família para ter alguém na hora da morte.
Zézito estava à espera à porta do director geral quando sentiu o chão tremer. Desequilibrando-se caiu desamparado, algo lhe bateu na cabeça e antes de perder os sentidos ainda sentiu o quente do sangue escorrer pela cara e pingar no chão. Ainda conseguiu ouvir alguns berros de medo, pensou ele, enquanto tentava dizer que era só um abalo, logo passava... mas já não conseguiu.
À porta do gabinete veio a correr o Engº Silva. Chamou imediatamente uma ambulância.
Zézito teve direito a um funeral com pompa e circunstância. O Engº fez um discurso. Flores foram atiradas para a cova. Um punhado de terra. Uma oração.
Quando foi trabalhar para aquela empresa eram poucos. Havia o Manel, o Tó, o Costa, o Álvaro, já reformados nesta altura, o Costa e o Tó já falecidos que nem tiveram tempo para gozar a reforma que foram logo levados "e por isso é que eu trabalho, parar é morrer!" - dizia sempre o Zézito - a Amália, a Mani, a Litas. Também elas já foram, a última vez que soube delas estavam a Litas com a família, a Amália num lar e a Mani tinha emigrado há anos, lá para África do Sul, ajudar o genro e a filha que tentavam uma vida nova.
A empresa já não era como ele a tinha conhecido: familiar, com gente amável, o dono a quem nunca tiveram problema em recorrer "que se for preciso, "xô" Filipe, já sabe que estamos cá e conta connosco! "
Nessa altura faziam-se festas no Natal. As esposas e esposos eram convidados, os filhos ficavam em casa e confraternizava-se como se de "iguais" se tratasse, até que o "xô" Filipe morreu de doença agravada e tudo mudou.
Zézito recordava alguns destes momentos de coração palpitante. Os seus ouvidos voltavam a encher-se de música e os seus olhos viam com nitidez o Sr. Filipe Paiva e a esposa a abrir o baile, as mesas com bolinhos e copos de bebidas diferentes. Nessas alturas não conseguia evitar que uma lágrima pesada, teimosa e irrequieta lhe descesse face abaixo para logo a seguir sentir o molhado nas mãos "olha agora, ó Zézito, então dá-te para chorar?" e logo passava o lenço de pano gasto pelo tempo nos olhos.
Agora tudo era diferente. Desde que o Sr. Filipe tinha morrido e que os filhos venderam o sítio que tudo era diferente. Tinham conseguido que eles lá ficassem, "eles", os velhos que ainda "vêem do tempo do paizinho... se os mandamos embora para onde é que vão?".
Estes miúdos novos que mandavam nisto agora não tinham respeito por ele nem pelos outros. Se a ele se preparavam para o despedir, aos outros preparavam-se para os substituir. Se a ele lhe tinham arrancado a sua rotina e achincalhado a sua dignidade, aos mais novos tiravam a vontade de prosseguir a cada dia que passava. As queixas eram muitas, as condições quase inexistentes.
Zézito era o único que restava de um tempo glorioso que aquela empresa viveu, sabia que todos o que formavam a outra parte do que considerava ser a sua família já tinham partido e ele estava só.
Em casa Zézito tinha visto Deus levar a sua Mina depois de meses de sofrimento em que não saiu de ao pé dela. Já na altura só a tinha a ela, que foi para junto de Deus e dos dois filhos que a febre levou, tão pequenos e frágeis eram, que nunca o desgosto lhe passou.
Agora Zézito aguardava a reforma para ir morar com a irmã e o cunhado lá para os lados de Portalegre, que a velhice quer-se perto da família para ter alguém na hora da morte.
Zézito estava à espera à porta do director geral quando sentiu o chão tremer. Desequilibrando-se caiu desamparado, algo lhe bateu na cabeça e antes de perder os sentidos ainda sentiu o quente do sangue escorrer pela cara e pingar no chão. Ainda conseguiu ouvir alguns berros de medo, pensou ele, enquanto tentava dizer que era só um abalo, logo passava... mas já não conseguiu.
À porta do gabinete veio a correr o Engº Silva. Chamou imediatamente uma ambulância.
Zézito teve direito a um funeral com pompa e circunstância. O Engº fez um discurso. Flores foram atiradas para a cova. Um punhado de terra. Uma oração.
5 sakês:
Muito bom. Mesmo.
Beijos
Tenho vindo aqui várias vezes ler-te e até já falámos sobre isto noutro local, mas chego aqui e fico sem palavras há tanto para dizer, mas o nó na garganta vai crescendo à vista do que tão pouco valemos, para a vida, para o mundo...Continua a escrever que eu gosto de te ler
Tita
Fenomenal... Dos melhores textos que já li por aqui! ;)
Bjokas
Creio que esse é sempre um dos problemas de alguns negocios de familia passarem para as mãos dos filhos e não, para as mãos dos competentes...
O Zézito também já não teria, julgo, muitas razões para viver e, assim sendo... o melhor é deixarmo-nos ir!!!!!
Eskisito e Aisling, obrigada, vocês são muito benovolentes :)
Tita, de facto talvez eu escreva muito crú, acredito que as pessoas fiquem sem saber o que dizer. Acontece-me muitas vezes não saber o que comentar quando as palavras parecem ser supérfulas ouinsignificantes para descrever o que quero.
Como te disse este fim não é o original, foialterado depois de reler.
Obrigada pelo incentivo. Bjoka
Me Hate, neste caso o ponto nem era esse... e mesmo com tudo o que aconteceu ao Zezito, não achas tu que, depois de teres escrito a tua Vivencias 10, se deveria dar a mão? "Felizmente" deu-lhe uma macacoa natural...
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