"Pecado não é só o mal que cometemos. Pecado é também o que desejaríamos, mas que não temos forças para levar a cabo."
Esta frase era muitas vezes usada pela minha avó ainda num tempo em que o ar era doce e cheiroso, como se, algures tivessem deixado aberto um enorme frasco de compota, nunca achei que ela estivesse correcta, sempre o disse, agora com o passar dos dias, da idade acho que cada vez tem menos razão na sua afirmação... penso apenas que o dizia porque estava magoada, com ela em algumas coisas, com o mundo noutras...
Sentei-me no jardim, pela última vez com ela num dia, pouco tempo antes dela morrer... o chá resfriava, brilhava o sol. Já inquietas, grulhavam as aves. A Primavera chegava. Ocorreu-me que esta era a altura favorita do ano para a minha avó, dizia ele que esta estação, apesar de "(...) comprometer o equilíbrio da razão e das emoções é também a que melhor permite que nos sintamos mais gente."
Tinha-lhe contado que tinha terminado uma relação mas que me deixou muito doloroso... não só porque senti que essa namorada tinha levado parte de mim, da minha alma mas também porque ainda a desejava e agora, por muito que quisesse ela partia para um novo emprego e não mais nos veríamos... A minha avó olhou-me prolongadamente, limpou-me uma das lágrimas que estava a cair solitáriamente pela face e disse com o seu ar calmo de sempre: "Um engano maravilhoso, de que emerge tanto sofrimento, mas igualmente, esplendor: feitos heróicos, obras de arte, maravilhas do engenho humano. Tu, agora, vives nesse estado de espírito, sei... mas se bem te conheço em breve ele passará... se não passar poderás sempre pensar que isso só faz de ti mais rico, mais forte e com mais calo para não caíres na próxima situação!".
Continuámos a beber o chá que mesmo frio estava saboroso... hoje verifico que ela tinha razão mas, eu, ao contrário daquilo que ela tinha vaticinado, continuo sem aprender nada e a apaixonar-me por quem faz com que, mais cedo ou mais tarde, emerja de novo, o já conhecido, o já experimentado e vivido: sofrimento!
Avó, gostava muito de ti mas, tínhamos versões racionais e sentimentais muito diferentes acerca da vida!
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