sábado, 21 de fevereiro de 2009

Imaginário XXXVI

Enquanto esperava pela sua vez na consulta, naquela sala de espera tão familiar, observava as pessoas.

Observava que as pessoas chegavam tímidas. Observava que as pessoas sussurravam um cumprimento cabisbaixas como se um simples “boa tarde” fosse perturbar a timidez de todos os outros.

Observava que poucos traziam algo para fazer – deviam ser os inexperientes ou talvez crédulos que daquela vez é que seria a vez que seriam atendidos na sua vez e via-se pelo seu olhar, que dava para distinguir uns de outros, que uns ficavam exasperados olhando para as horas e suspirando e que outros se sentavam expectantes.

Observava que alguns perdiam o olhar na jarra, talvez pensando quem se daria ao trabalho de substituir as flores: se a recepcionista se a empregada de limpeza. Observava que outros vagueavam o olhar pelos quadros que não compreendiam. Perguntava-se se gostariam da combinação de formas e cores, se apaziguaria as suas ânsias fosse qual fosse o motivo que lá levasse tanta gente de meios tão variados.

Distraía-se das suas observações e divagava nos pensamentos: que na morte e na doença não há classes. Todos sofrem de maleitas, todos morrem e depois de mortos todos são iguais e vão para o mesmo sítio. Irão mesmo? Dava por si a perder-se no olhar de cada pessoa que via, nos seus modos, nas suas vestes, no que cada um seria mesmo face ao que mostrava ser.
Inevitavelmente, em situações onde partilhava o espaço com desconhecidos – fosse nos transportes, fosse em seminários, fosse na praia, dava por si a reparar em tudo o que caracterizava as pessoas e a divagar sobre a sua teoria dos equilíbrios. Uma espécie de lei da física sociológica que leigamente ia desenvolvendo para si e que por muito que pensasse e observasse nunca chegava a conclusão nenhuma.

Via pessoas de ar mais cansado. Onde estariam as pessoas felizes? Para cada pessoa cansada haveria uma em igual grau mas em sentido inverso (quase como se pudesse aplicar um vector) descansada?

Via pessoas gordas. Haveria tantas pessoas gordas como magras?

Via pessoas de cabelos longos, outras carecas. Se uma é careca então seria porque alguém de cabelos longos teria ficado com a sua parte de cabelo.

Perguntava-se se também os outros pensavam estas teorias quase absurdas. Quantas pessoas estariam a desenvolver uma lei das compensações, como lhe chamava, semelhante à sua, baseada no princípio de que para cada compensação terá que haver uma descompensação?

Mergulhava os olhos na revista que trazia sempre consigo enquanto esperava a sua vez para que ninguém percebesse o que estaria a pensar, receava que os seus pensamentos pudessem ser lidos. Segundo a sua própria lei das compensações, para cada pessoa que não é capaz de usar o sexto sentido outra pessoa seria capaz de desenvolvê-lo, apurá-lo e (quase de modo receando de uma conspiração) usá-lo sem se esforçar para isso. Estaria ali alguém com alguma dessas capacidades telepáticas? Estaria ali alguém capaz de ouvir o que pensava?
Ao olhar de novo em volta os seus olhos fixaram-se em outros olhos que sim, poderiam muito bem estar a ouvir o que pensava. Se ao menos dessem um sinal…

Nada.

- Sr. Martins
- Eu?
- O Dr. diz que pode entrar.

1 sakês:

mimanora disse...

A lei das compensações?
Talvez...mas talvez ande um pouco desequilibrada, não?


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