quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Imaginário XVI - Imaginário?

(Já publicado nesta entrada do meu blogue)

E no início é rocha. Bruta, potencial, maciça, disforme, oculta.

No ínicio é rocha, coesa, agregada, firme, imutável.

No início a rocha é imponente, com todos os seus minerais agregados, unos. A rocha é una. Bruta, coesa e una.

E depois vem o vento. E depois vem a chuva. E depois vem o sol. E depois vem o vento e a chuva e o vento e o sol e o sol e a chuva e o vento.

E a chuva descobre uma falha. E sempe que chove passa a ocupar esse espaço. E a rocha deixa de ser coesa. E deixa de ser una. E depois vem o sol e leva a água. E fica o espaço, desocupado de rocha, a cicatriz. A primeira. Depois da primeira a segunda... e num instante a rocha fica minada.

Já não é una: parece. Já não é sólida: parece. Já não é resistente: parece.

Um dia cada fenda, cada cicatriz começa a juntar-se a outras fendas fazendo cicatrizes cada vez maiores. Um dia as cicatrizes maiores são tão grandes que a rocha se desmembra. Vai-se perdendo de si.

Aos poucos vai-se fragmentando em pedaços que variam conforme a cicatriz.

A rocha vai rolando por si abaixo.

E a chuva e o sol e o vento não páram. E chegam todos os dias. E fazem mais cicatrizes. E fazem novas cicatrizes nos pedaços de rocha que se soltam.

A rocha é agora um conjunto de pedaços de si mesma. Cada pedaço que se solta torna-a mais vulnerável. Cada pedaço de si que se solta e rola, ajudado pela gravidade, ajudado pelo vento, pela chuva.

Um dia, se a rocha deixar, se as suas cicatrizes deixarem, ela aceita-se desmembrada e aceita-se fértil.

Um dia, depois de muita chuva, depois de muito sol, depois de muito vento, que a transformam, moldam, dividem, fragmentam, quebram... um dia, depois da dor passar, quando ela já anestesiada se vê amaciada, um dia... ela gerará vida.

E esquece os pedaços de si que vão rolando. Rolados pelas colinas, levados pelos rios, lançados nas praias... pedaços de si que estão longe. Cada vez menores, cada vez mais fragmentados, cada vez mais frágeis.

Cada pedaço que se parte e solta, anguloso e vivo, é um pedaço frágil que se julga novo e resistente. Cada pedaço não sabe que apesar de cheirar e ter cores novas está a caminhar rapidamente para o fim.

E cada pedaço estagna num areal. E permanece os seus dias rolando em cada espriaio, voltando a cada ressaca.

E cada pedaço nem percebe que está a mirrar.

Já não tem memória da rocha imponente, coesa e una que foi, há tempos. Agora vê-se disperso num areal que ainda não é o seu e que foge debaixo de si, cada vez mais fino, para o mar. Também esse areal foi, em tempos, uma rocha... Também esta rocha vai ser, um dia, um extenso areal...

6 sakês:

Flávio disse...

Uau

pensamentosametro disse...

Arrebatador!

Bjos

Tita

ThunderDrum disse...

Gostei, assim como da outra vez, claro...

cai de costas disse...

Quem fala assim não é geólogo.

Carpe Diem disse...

Simplesmente ESTUPENDO ou como dizem os americanos AWESOME!!

Tou a ver q anda por ai um casal inspirado, gosto sempre mt dos teus textos Thunder.

Beijos
Nuno.

V. disse...

Que posso dizer? Isto é como um círculo vicioso, é a vida que nos inspira. Uns dias estamos melhores, outros em menor forma, mas se não fossem vocês, que leêm, que criticam, que incentivam, que dão apoio, isto perdia muito da piada.

Obrigada por lerem e pelas criticas, que é como quem diz, obrigada por virem cá ao restaurante, degustarem e ficarem clientes!

Beijinhos, Vanda


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