sábado, 7 de fevereiro de 2009

Imaginário XXXV

Lembras-te das nossas conversas, aquelas longas conversa, tu sentavas-te numa ponta e eu noutra, eu com uns ideiais e tu com outros, eu com um modo de ver as coisas e tu com outro.

E foi assim que fomos crescendo, sempre lado a lado, sempre ali para o que desse e viesse.

Foi no meu ombro que choráste tantas vezes e eu no teu chorei outras tantas.

Não sei se ainda te lembras. Acredito que sim.

Lembro-me particularmente de uma noite, foste a minha casa - já eu tinha casado - , estávamos apenas nós. Perguntáste se eu era feliz.
Na altura perguntávas-me muito isso. Eu respondia genuinamente feliz que era feliz. E tu ficavas feliz por mim mas eu via o teu olhar triste.

Perguntava-te quando serias feliz. Tinhas sempre muitos projectos a alcançar antes de seres feliz. então eu reformulava a pergunta e perguntava quando é que nos teus planos encaixava a felicidade, mas tu respondias sempre o mesmo: que ainda tinhas que acabar o curso, depois fazer o mestrado, depois ir trabalhar nem tu sabias para onde - para um sítio qualquer, depois viria o doutoramento só depois casarias e casarias se desse, não era uma prioridade. Eu queria acreditar que esses eram os planos para a tua felicidade. Queria acreditar que serias feliz assim, com todos esses projectos a envolverem-te e comandar a tua vida.

Perguntávas-me se eu não me arrependia. Arrepender de quê? Respondia eu.

Lembro-me de te dizer na altura que parecíamos jovens de 20 e poucos anos mas que o tempo ia passar mais depressa do que pensávamos e que um dia ias olhar triste para as tuas fotografias, artigos publicados (sim, ias publicar imensos artigos em revistas da especialidade), calhamaços de livros temáticos nas prateleiras, especímenes únicos embalsamados e numa vitrine, irias ter mil histórias para contar e não irias ter ninguém que as ouvisse. O teu modo de vida não iria (temia eu) permitir que estabelecesses relações duradouras com ninguém.

Os anos entretanto passaram. Tanta coisa mudou na tua (minha . nossa) vida, tanta coisa permanece igual.

Encontramo-nos regularmente mas já não falamos de planos nem de sonhos, esses foram sonhos um dia, sonhos que se sonham uma vez numa época e que não podem ser depois os pesadelos do futuro.

E quando não se quer ter pesadelos no presente porque os sonhos do passado não se concretizaram no futuro, falamos apenas do estado actual das coisas, da crise, dos preços, das modas, dos outros, do hoje.

Jamais se fala do futuro - sabemos que o futuro é o que ele quiser ser e que apenas damos um ligeiro empurrão. Jamais se fala do passado. Aceita-se apenas o presente.

13 sakês:

Teresa disse...

" ... eu reformulava a pergunta e perguntava quando é que nos teus planos encaixava a felicidade, mas tu respondias sempre o mesmo: que ainda tinhas que acabar o curso, depois fazer o mestrado, depois ir trabalhar nem tu sabias para onde - para um sítio qualquer, depois viria o doutoramento só depois casarias e casarias se desse, não era uma prioridade. Eu queria acreditar que esses eram os planos para a tua felicidade."

Um dia, querida Thunderlady, enche-te de coragem e depois de falarem da crise, dos outros, das modas... e... do tempo que faz..., pergunta-lhe se já é feliz.

E caso não o seja (que não é... que a felicidade não se adia. A felicidade não se alimenta de planos. A felicidade é pura, como tal, é para se viver e segurar com a força da benção que temos em nos ter escolhido!)...
Mas dizia eu em cima, e caso não o seja, não tenho a menor pena dele.

Há estados de graça que não se adiam. Que não se deixam andar como se de papéis ao vento se tratasse. A pensar que, um dia, vamos pela rua fora e os reunimos todos... Pode ter-se, depois, perdido o índice. A capa ou contracapa. Pior ainda: o prefácio.

E tu, cara amiga, leitora do meu espírito? Ora! Tu VIVES! Tu continuas, obviamente, genuinamente feliz!
Terás os teus maus momentos, as tuas angústias. Mas acompanhada daquilo que quisseste para ti: a felicidade.

Adorei este teu texto, Vanda. Entre outros tantos que tenho lido aqui no Sushi, teus e de outros colaboradores.

Beijo grande. *

Teresa disse...

Acrescento aqui as palavras que deixei no teu blog, a propósito do excerto lá deixado sobre este post.




O futuro não é bem aquilo que ele quiser. Pois se lhe damos um empurrão... Passa também a ser o presente de algo que fizemos num passado...
Tudo está harmoniosamente entrelaçado. O que fizemos ontem, com o que fazemos agora. E... Depois vem o futuro. Fruto do que somos agora, que no segundo seguinte já é passado. Do que fomos, pois.


Jokito grande.
:)

Um sorriso.

Teresa disse...

Adenda: Quando, no primeiro comentário, escrevi "dele" referia-me à pessoa enquanto ser humano. Logo, género masculino.

Que para o efeito tanto importa que seja H ou M.

beijo.

mimanora disse...

"...irias ter mil histórias para contar e não irias ter ninguém que as ouvisse."
É trsite quando não temos com quem partilhar as nossas conquistas e histérias de vida.
É dessa partilha e de aproveitar os momentos bons da vida que nasce a felicidade que não é um estado permanente, vai sendo construída por esses pequenos momentos e de coisas simples.

Ovinho estrelado tem razão: "pergunta-lhe se já é feliz"

Adorei este suhi!

Teresa disse...

Mimanora: acredito que escreveste esse "já" com o mesmo sorriso nos lábios com que eu escrevi... Entre o amarelo, o sarcástico e o dúbio (para o caso da resposta ser um "sim")

Como se a felicidade fosse programável, adiável para a data desejada...

Beijo! *

V. disse...

A felicidade é um conceito que atormenta, não é?

:)

Obrigada meninas :)

Teresa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Aos calculistas, acredito que sim, Vandinha.

Atormenta porque têm a certeza que é adiável. E atormenta, depois, porque não a podendo adiar mais, acham-na contornável.
E dizem-se felizes.
Mas não são.
Com a agravante que impedem outros, consequentemente, de ser felizes também.

Beijo! :)

ovinhoestrelado*

(O comentário anterior e apagado era meu. Duas gralhas de teclado.)

Júlio disse...

Bem conseguido. O resto já sabes... :)
E sim, a felicidade ou a falta dela, atormenta sempre, creio.
**

mimanora disse...

Ovinho Estrelado, o sorriso deve ter sido parecido a inclinar-se mais para o dúbio!

Anónimo disse...

Ah, eu e a minha melhor amiga ainda falamos do futuro... e nós ainda ontem o fizemos... portanto... isso só pode significar que... ... ... ainda temos muito para concretizar!!!!!

Eu Mesma! disse...

e agora?

és feliz?

é que eu acho tão ingrata essa pergunta.... nunca sei realmente dizer ....

acho que não me sinto realmente e totalmente feliz talvez por isso

V. disse...

Me Hate, há sempre muito a concretizar, ou então não valeria a pena andar por cá ;)

Eu mesma!, se eu sou feliz? Não tenho o que idealizei que teria há 10, 12, 15, 30 anos atrás (e garanto que não era nada nem especial.. era muito especial mas não era nada do outro mundo e seria tudo) e logo não sou a pessoa que pensei que seria, mas com o quetenho e com todos os ajustes que a inha vida levou, sim, sou feliz porque gosto da pessoa que me tornei. Dada am inha vida podia seruma pessoa que eu não gostaria de ser.

Não precisas de responder a essa pergunta se ta fizerem. E repara: raramente a farão e quem a fará terá um certo grau de intimidade contigo.


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