quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Imaginário XV

Os avós traziam, sempre que vinham a Lisboa, umas coisinhas para eles. As batatas lá da terra e o mel vinham sempre, as outras coisas variavam conforme a época do ano. Daquela vez traziam favas. Fava nova, na casca, uma saca delas.

O pai levava a saca para o barracão que havia no quintal, um quintal diferente do normal, era mais elevado que a casa. Subiam-se as escadas e estava-se como que noutro sítio.

Ela nunca gostava de ir fazer "coisas" que o pai dizia, mas quando era ir ao quintal gostava muito. O quintal parecia outro mundo, havia sempre qualquer coisa para ver.

Mesmo sem lhe dizerem nada ela sabia que havia que descascar as favas e a saca era grande, tinha trabalho para umas tardes depois da escola. Na escola não falava aos colegas das favas, a maioria não sabia o que era descascar nem favas nem ervilhas nem feijões... pensavam, provavelmente, que vinham de um qualquer sítio já meios secos ou congelados. Para os colegas essas coisas surgiam no supermercado. Se calhar eles pensam que nasce nos supermercados, dava ela por si a pensar enquanto descascava as favas.

Numa das tardes de descasca, a reparar que já há imensas favas que estava a pôr as cascas com as favas e as favas com as cascas viu algo a mexer pelo canto do olho. Parou e olhou na direcção do movimento. Ouviu um ruído. Lentamente levantou-se e foi ver o que era. Não mexeu em nada, espreitou e viu um minúsculo ser branco. Parecia uma bolinha de pêlo. Conseguiu aproximar-se e ver que era um rato. Um rato, pequenino, com pêlo branco como a neve e olhos vermelhos, uma cauda longa. Assustado.

Pegou nele e pô-lo numa caixa de ténis. Foi buscar-lhe comida. Passava longos minutos a olhar para ele. Precisava dar-lhe um nome.

No dia seguinte foi lá. Não estava. Chamou pelo ratinho branco mas ele não estava. Sentou-se no banco, olhou para a saca das favas mas não lhe apetecia descascar. O ratinho branco veio ter com ela. Afinal estava lá. Deu-lhe a comida, mudou-lhe a água. Agora tinha um amigo.

Os dias foram passando. Uns dias ele estava na caixa outros dias saía, mas quando ela chegava ele vinha ter com ela. Até que um dia não foi. Nem no outro, nem no outro. Ela chamava pelo ratinho branco e ele não vinha. Ela punha a comida perto dos sítios preferidos dele e ele não vinha. Naquele sítio não se sentia a presença dele.

Ela começou a andar mais triste. Olhava pela porta de vidro que dava para o quintal na esperança de ver o Ratinho Branco passar, mas nada. Um dia, o pai, ao vê-la olhar tanto e desconfiado de tantas idas ao barracão disse-lhe:
- Deitei o teu rato fora.

Ela sabia que não adiantava chorar ou reclamar, o pai não voltaria atrás. E mesmo que voltasse, o Ratinho Branco já não ia querer ser amigo dela, de certeza.

6 sakês:

hibrys disse...

Os pais às vezes conseguem ser crueis e não se apercebem. Pobre criança. Muito bonito este sushi;)

Gi disse...

Lindo, Menina dos Trovões;
SUSHISOL, definitivamente!

ThunderDrum disse...

Lindo, muito bom mesmo, gostei!

Tadito do Ratito...

uma parte de mim (p'ai 20%) disse...

Ui! Lembro-me da minha infancia a descascar favas, ervilhas e feijoes com os meus avos. No meu caso nao foi um rato. Pedi um patinho de presente, deram-mo, deixaram-mo criar e depois deram-mo ao jantar sem eu saber...Essa fico gravada

Proud Bookaholic Girl disse...

Eu também descascava favas e ervilhas... Os adultos esquecem-se de como é ser criança... Espero que isso nunca me aconteça! ;)

Bjokas

pensamentosametro disse...

Do passado só devemos guardar as "favas" boas mesmo que seja muito difícil não nos lembrar-mos das "outras". Como sempre sushi da melhor qualidade, freaquíssimo1

Bjos

Tita


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