sábado, 10 de maio de 2008

Imaginário XXVI

Nessa noite foi difícil dormir. Ali estava ele deitado na mesma cama da mulher com quem, muitos anos antes, uma vida antes, lá do alto da sua juventuda que sorria e preparava a vinda da vida, tinha acreditado que o futuro era brilhante e que com ela... bem... nesta altura já não sabia bem se alguma vez teria sonhado um futuro com ela. Tudo parecia vago.

Pensava nas voltas que a vida dá. Que a vida lhe deu. Uns dão a volta à vida, a outros dá a vida a volta. Que tipo seria ele? Do tipo de "uns" ou do tipo de "outros"? Não sabia. Há muitos anos que viver era um sossego, que es coisas eram estáveis. Que tinha trocado as armas de guerra por ferramentas.

Agora estava ali. Sem ferramentas e sem armas. Qual armadura? Qual arma? Ali, sem um único companheiro de batalha, sem um único colega de vida. Só, com aquela mulher que tendo conhecido tão bem lhe era agora totalmente desconhecida.

As voltas que a vida dá. Ou que a vida lhe deu.

Ali estava ele, deitado de barriga para cima, a olhar para o tecto amarelo do fumo do tabaco. acende mais um cigarro, vê o fumo desfazer-se no ar. E pensa que mais vale não pensar.

Tinha casado com ela há mais de trinta anos, teriam sido alguma vez felizes? Teria sido isso que ele realmente queria fazer? Já nem se lembra. Não há nada que reconheça nela. Nem sequer o sabor amargo do abandono. Nem a alegria dos filhos. Nada.
O reencontro aconteceu casualmente, quando ao sair do trabalho se cruzaram. Do como estás de circunstância dele ao desbobinar da vida dela, vão beber um café.

- Estou a alugar um quarto, diz ela, as despesas são muitas agora que estou sozinha.
- Preciso de alugar um quarto, diz ele - sem acrescentar mais nada - com aquele olhar sombrio e distante que o caracterizava.

Ela pensou que ele não tinha mudado. Ele nunca falava. Ela reconhecia nele o mesmo rapaz por quem, aos 12 anos, se tinha apaixonado.

Ele pensou que ela não se calava, que não queria saber de nada, que eram desconhecidos, que a desconheceu mais tempo da vida do que o tempo que a conheceu.

Depois de tudo acertado ele mudou-se. Deixou um bilhete em casa do filho e da nora a dizer que se tinha mudado para não se preocuparem.

- Sabes a quem aluguei um quarto?, disse ela no domingo seguinte com aquele ar eléctrico que lhe era característico
- A quem?, responde ele sem grande interesse, pouco lhe interessava o que a mãe fazia desde que não sobrasse para ele.
- Ao teu pai.

1 sakês:

Gi disse...

Hã...Hã;)


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