"Eh pá não mas que raio de disparate agora esse de tossir..." - Dizia ele já algo impaciente.
"Oh vá lá, não te custa nada... Gosto de ouvir a tua voz depois de tossires." - Ao dizê-lo ficou envergonhada e ele riu fazendo-lhe a vontade e tossindo umas duas ou três vezes.
"Bom agora está na hora, tenho de me levantar e ir trabalhar." E foi...
O Gargarito era um homem dito 'porreiro'. Uma espécie que, habitualmente, é vista pelos vizinhos e colegas de trabalho como uma boa pessoa.
Naquele dia, Gargarito não estava nem constipado, nem com febre. Mas tinha uma tosse seca que irritava, porque as securas que lhe assaltavam a garganta faziam com que, ao sair do prédio, os vizinhos assomassem à janela e dissessem:
"Oh Senhor Gargarito, está doente?"
Gargarito que detestava que lhe falassem pela janela dizia: "Não. Obrigado, Dona Alzira. Vou indo bem, isto não é nada."
Mal sabia a dona Alzira do olhar nauseado dos olhos através dos óculos de Gargarito, pensava para si: Estupor da mulher, não terá meias para coser?
E esta faceta de Mr. Hide só ele a conhecia. Uns passos mais à frente riu de novo lembrando-se do pedido da sua mulher e voltou a tossir de felicidade e depois falava para se ouvir um pouco, encolheu os ombros e pensou: "caramba, não oiço nada de especial!"
Parou à porta da leitaria da esquina, mas nesse dia não entrou. Estava farto de dar explicações sobre a sua tosse, e foi tomar, pela primeira vez, o pequeno-almoço à Suíça, para depois descer a pé até ao escritório na Praça da Figueira.
O Rossio estava cheio de pombos que mergulhavam o bico na água das duas fontes e Gargarito pensou com os seus botões: Se eu fosse Presidente da Câmara, mandava exterminar estes bichos. Que praga! Já me cagaram o carro todo.
Entrou no escritório e prepara o largo sorriso no elevador. Ao entrar encontra o Matos que lhe dá uma grande palmada nas costas, o que lhe provoca um grande ataque de tosse, desta feita, sem querer.
O parvo do Matos, que naquele dia tinha um particular e mais acentuado mau-hálito, bem perto da sua cara diz-lhe: Eh pá, desculpa! Não sabia que estavas assim tão desequilibrado!
Gargarito solta um esgar e espetando as unhas na palma da mão, diz: Oh meu amigo, não é nada, isto está quase a passar. Foi uma corrente de ar quando estava na casa-de-banho.
Precisas é de arranjar gaja - disse rindo alarvemente o Matos, provocando novo ataque de tosse em Gargarito, levando-o quase ao engasgão sufocante... Tal foi o "atrapalhamento traqueano" que nem houve hipótese de dizer aquela besta que mulher já a tinha há mais 8 anos.
Nisto entra no elevador a Ana e diz-lhe: "Oh António, que bela voz essa que te fica depois de uma tossidela!". O Gargarito sorriu abertamente e corou... lembrou-se de novo da mulher.
Nesse dia todo ele foi sorrisos. À noite quando regressava a casa já não se incomodou com as "cagadelas dos pombos" e antes de entrar porta dentro deu uma forte tossidela e disse: Olá querida!
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