domingo, 29 de junho de 2008

Experiência 6


E ela ria-se deles, escanzelada colecção de ossos envolta numa lona imunda, com os rins dormentes de tanta pancada e com a boca de onde lhe pingava o sangue, sem um centimetro de pele limpo de cicatrizes, inflamada, cheia de amargura e de rebeldia que não conseguia compreender...

A minha amiga de anos não foi sempre assim... os últimos 2 anos fizeram dela "esta coisa" que não era assim no seu exterior mas, passou a ser no seu interior. Aos 18 anos libertou-se de casa, dos pais e de grande parte dos antigos amigos para recomeçar uma vida ao lado de alguém que julgava ser uma pessoa correcta... Lutou e sem pré aviso, o pugilato passado 1 ano começou.

Inicialmente não sendo versada no assunto a tareia demorou a sarar... foram precisos quase 3 anos para que voltasse ao ringue. Uma e outra vez, treinou, voltando sempre aquele sitio que tão bem conhecia... não lhe interessava já, vencer qualquer assalto, não permitia é que houvessem golpes baixos.

Por 2 vezes julgou que a vitória era certa e no último "round" teve um KO inesperado. Nos últimos anos as pernas já lhe fraquejavam e o medo do ringue foi a única coisa que a fazia, vezes e vezes sem conta voltar a subir, apanhar, ir contra as cordas... Quem via o espectáculo achava aquilo estranho. Ela batia-se contra a sociedade, contra os pais, e sempre que caia e se fazia a contagem até 10, levantava-se e ria, olhando para a plateia e gritando: ainda não me venceram... Ainda não foi desta...

A dada altura sabia todos os movimentos dos seus oponentes e mesmo assim, deixava-se ir ao chão... esperava calmamente todos os socos... Não esperava o que fez com que se retira-se do "boxe": ter de lutar também, contra a sua companheira!

Hoje fazem-se arraiais "pride" e marchas "gay"... e ela continua a achar tudo isso muito ridículo, porém, desistiu do "boxe", encontrámo-nos esta semana e ela dizia: hei sei que por fim encontras-te uma rapariga à altura! Piscou-me o olho e disse-me: não a deixes escapar, pode ser esta a certa... You never know!

Despedimo-nos e foi trabalhar que começava a sua ronda nocturna pela cidade com os sem-abrigo e depois ainda tinha de ir para Sintra, onde agora morava na maior parte do tempo... Desejei-lhe: Boa sorte e ela ainda olhou para trás e disse: Não preciso disso, apenas de um bom "date"! E de novo, riu.

2 sakês:

Namaste disse...

Metáforas à parte, sempre odiei o boxe!!!

Anónimo disse...

Me too... mas quando se vai à guerra... é bom que não se leve só!


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