sábado, 28 de junho de 2008

Imaginário XXVIII

Esta é uma história que se passou há muitos muitos anos, no tempo em que os Homens eram livres , acreditavam no sentiam e acreditavam que era por sentir que o mundo girava.

Quando Ricardo veio a si pensou que tinha morrido. À sua volta bailavam peixes e algas de cores que nunca tinha visto. Ouvia um cantar que o embalava, pensava estar no céu dos pescadores. Reparou que flutuava e sentiu uma paz como nunca tinha sentido antes. Antes de ter tempo de perguntar qualquer coisa uma sereia pegava-lhe na mão e fazia-lhe um sinal como dedo na boca como que para se calar.

Ricardo já tinha ouvido fala em histórias de sereias mas nunca tinha acreditado nelas, eram histórias de alento para quem andava no mar e ajudava a ultrapassar melhor cada tormenta além de proporcionar momentos de riso entre os homens da embarcação.

Não se lembrava como tinha ido parar ali mas depois de pensar melhor nem sabia onde estava.

- Estou no céu?
- Não. Estás no mar.
- És uma sereia?
- Sou a tua sereia.
- A minha sereia?
- Sou aquela por quem tens suspirado ao logo dos tempos, aquela que anseias ter a teu lado quando estás em terra, aquela que queres quando estás no mar.
- Mas eu não sou do mar. E eu não acredito em sereias. Por isso não acredito em ti.
- Mas foste tu quem me procurou. E eu vim ao teu encontro.

Ricardo não se lembrava de nada, mas sabia que não tinha guelras, que não era peixe e que ia acordar do sonho.

- Eu não sou um sonho. E tu não morreste. Mas se me queres não temos muito tempo.
- Que dizes?
- Para ficarmos juntos precisas morrer. Precisas dar à costa para eu ir buscar o teu corpo. Mas se morreres nunca mais poderás ter a tua família, beijar a tua mãe, abraçar o teu pai, balançar os teus sobrinhos no ar, fazer rir as tuas irmãs, ajudar os teus tios na terra quando não estás no mar.
- Mas...
- Mas se não morreres nunca poderemos estar juntos. Tu não sobrevives no mar e eu não sobrevivo na terra. Somos de mundos diferentes. Se morreres tenho um breve momento para te resgatar e trazer para o meu mundo antes que seres de outros mundos te resgatem para o deles. Depois de se morrer é-se resgatado por quem chegar primeiro. Tu és doce. És um homem bom. Terás muitos para te resgatar. E eu ... posso perder-te. Preciso chegar antes que todos. E tu precisas poder reisistir às outras tentações e conseguir esperar por mim.
- No entanto...
- ... Tu não te vais lembrar desta conversa. Os teus sentimentos irão guiar-te.
- E tu? Se eu não for resgatado por ti?
- Eu morrerei. Mas sendo sereia serei resgatada por seres do mar.

Ricardo sentiu-se angustiado. Já tinha perdido a esperança de encontrar a sua mulher. E ali estava ela, um ser do outro mundo que ouvia os seus lamentos. E agora tinha que fazer uma escolha.

- E quanto tempo tenho para decidir?
- Tens enquanto não te sentires a afogar. Porque tu não és do mar.

Nesse instante Ricardo sentiu a pressão do mar sobre si. O peso da água não o deixava respirar. Sentia-se esmagado e não conseguia ver de tanta escuridão. Quanto mais lutava para vir à tona mais fraco se sentia. Num instante deixou de ter medo. Deixou de lutar. E o último pensamento foi para seus pais, nunca lhes tinha dito o quanto os amava.

No farol equipas revezavam-se para ver se viam os destroços. O fumo avistado dias antes não deixava dúvidas que uma embarcação estava em apuros.
O faroleiro viu então um corpo a boiar preso a uma tábua. Correram para a praia.

Todas as famílias lá estavam. A de Ricardo suspirou de alívio quando viu que era ele. Num instante tiraram-no da água e esvaziaram-lhe os pulmões. Ricardo tossiu parte da água e ao abrir os olhos chorou e com muito custo disse

- Mãe? Pai? Amo-vos muito...

Mãe e pai abraçaram-se de felicidade por Ricardo estar vivo.

- Mãe? Pai? Conseguem ver quem me vem buscar?

O curandeiro da aldeia apercebeu-se que Ricardo tinha feito a sua escolha. Nesse momento Ricardo fechou os olhos.

5 sakês:

Namaste disse...

Já Vinicius de Morais disse, mais ou menos: " Qual pai, qual mãe, qual nada...mulher amada, milhões amada"

Luke Skywalker disse...

Quando a amada vale a pena... mais do que milhões!

Borboleta disse...

Realmente há opções na vida complicadas mas quando algo vale mesmo a pena não há tempo para exitações!

V. disse...

Obrigada Namaste, Luke e Borboleta :)

Se eles sentirem o mesmo que eu sento quando escrevi o Ricardo só podia mesmo fazer esta opção!

Júlio disse...

Os teus imaginários... Muito bom. E boa "escolha", by the way.


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