segunda-feira, 15 de setembro de 2008

BURACO NEGRO XVI


Entrei na pastelaria para fazer tempo. Uma imperial...e um cigarro se pudesse, mas não podia.
Assim entretive-me a olhar à volta, as mesas ocupadas. Naquele bairro, àquela hora, a maioria mulheres, pareciam ser as clientes habituais do fim da tarde.
Numa mesa, quase a meu lado, uma mulher chamou a minha atenção. Ainda na casa dos quarenta, parecendo menos, bem arranjada, dividia o olhar entre um livro e o espaço que a circundava com ar distraído. Bebericava um chá, aparentemente já frio, desfazia restos de scones com os dedos um pouco grossos, sorria por vezes como quem lembra uma boa piada...
Pude ver a capa do livro de relance, reconheci um autor da moda, cujas histórias tanto agradam aos que buscam o pensamento abstracto sobre as coisas do dia a dia e neles encontram explicados os seus sentimentos simples, em definições rebuscadas, e muito reconfortantes...
E eu sei, também o li, e se não fiquei com a ideia mais clara sobre o assunto que trata, pelo menos percebi que há mais gente como eu...
Mas não disto que quero falar hoje...
A tarde foi caindo, bebi mais uma cerveja, continuei a observar a mulher, tão tranquila no seu olhar deambulante, nos seus gestos mansos e tive inveja daquela serenidade.
Entrou mais gente no café, dois sujeitos dirigiram-se àquela mesa e em silêncio, esperaram.
A mulher, chamou o empregado, pagou a conta, levantou-se lentamente...derramou o resto do chá sobre a mesa, desfez o último scone entre os restos de manteiga e doce e seguiu os homens.
Só então lhe vi o brilho alucinado do olhar, o esgar de loucura nos lábios.
Saí, acendi um cigarro à tanto apetecido e soube pelas conversas da rua que era assim... a mulher chegava, pedia um chá com scones, perdia-se no tempo da tarde, até chegarem para a levar de volta à clínica caríssima, para doente mentais, onde vivia à anos e de onde saía todas as semanas para um chá vigiado...
Outro cigarro acompanhou-me as lembranças e fugi para o carro.

3 sakês:

Carpe Diem disse...

Mesmo num elevado grau de loucura se pode ter paz de espirito... não é esta Vida uma loucura completa? Onde nada ou quase nada do que desejamos se concretiza? Onde tudo corre ao contrário?

Enfim... saiam uns scones com chá para a mesa do louco a ler Proust ao final da tarde a ver se descobre o tempo perdido.

Beijos
Nuno.

Namaste disse...

Oi Nuno
Tempos houve em que eu achava que a loucura era o estado perfeito de ser e estar...depois cresci e descobri que esse estado só é perfeito para os loucos porque os infelizes que o não são, coitados, não entendem nada e andam sempre às aranhas.
Depois aprendi ainda a velha e estafada, mas tão verdadeira máxima:
"a felicidade só está onde a pomos, mas nunca a pomos onde estamos"!

Enfim...chá de especiarias e scones não vão nada mal com um fim de tarde a ler Paulo Coelho...é tão desanuviador e também ensina que o tempo não se perde, apenas nos passa ao lado quando estamos desatentos...

Beijos
Namaste

Anónimo disse...

Chá... scones... Paulo Coelho... ainda bem que foi levada para o internamento... Não merecia mais... não merecia melhor...

Quanto à loucura... poderiamos então aí sim... fazer ma bela dissertação a 3!


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