sábado, 27 de setembro de 2008

Imaginário XXXII

Era uma vez, numa época qualquer e sem ter que ter obrigatoriamente príncipes, princesas, cavaleiros, bruxas, poções mágicas, nevoeiros, fadas e tantas outras coisas que embelezam as histórias de infância, um menino.

Este menino era daqueles meninos muito tímidos, muito virados para si, muito metido no seu mundinho, muito entretido com as suas coisas e raramente reparava no que estava à volta dele.

Bem, não seria bem assim.

O menino era muito curioso, muito muito curioso. Ele seguia os carreiros das formigas para ver o que elas faziam, ele contava o tempo que demoravam e chegou até a comer uma para ver a que é que sabia.

Ele olhava o sol pela janela e antes de aprender os movimentos de translação e rotação já sabia de intuição que em cada momento o sol ocupava um lugar diferente. Mas não sabia os nomes. Sabia as coisas.

Então ele sabia muitas coisas que os outros meninos nunca tinham pensado porque estavam sempre a brincar àquelas coisas parvas que todos os meninos brincavam e não serviam para nada. Mas não sabia os nomes das coisas e essas sim, os outros meninos sabiam bem - não as compreendiam nem sabiam como funcionavam mas sabiam todos os nomes de todas as coisas.

Este menino foi crescendo sem nunca ter sentido a falta das brincadeiras. Sentia falta do tempo. Quanto mais olhava para tudo e tentava compreender tudo mais intuitivamente sabia que nunca teria tempo para saber o que estava a seguir.

Um dia uma menina foi ter com ele.

- Olá menino.
- Olá menina.
- Como te chamas?
- Chamo-me o que me quiseres chamar.
- Não tens nome?
- Que importa o meu nome? Eu sou eu independentemente do que me chamares.

O menino pareceu muito complicado à menina, mas também ela sentia algo semelhante, apesar de não ser contra os nomes, ela achava que as coisas deviam ter nomes, só para todos sabermos do que se falava.

- Se virmos desse modo sim, menina, mas até agora nunca ninguém falou comigo das mesmas coisas.
- Queres brincar comigo?
- Brincar? Eu não gosto de brincar.
- Não gostas? Gostas de fazer o quê?
- Gosto de contar estrelas à noite e ver que a cada dia parecem no mesmo sítio mas ao fim de dias as posições são diferentes, por exemplo.
- Essa é uma das minhas brincadeiras favoritas!
- E gostas de apanhar gafanhotos e ver como são as suas patas?
- E carochinhas da areia!!

E o menino e a menina foram brincar.

Ela ensinou-lhe os nomes e ele ensinou-lhe a ter calma e a esperar porque as coisas maiores da vida não se viam ao primeiro olhar ou demoravam tempo a acontecer.

E cresceram juntos. E aprenderam tantas coisas juntos que se esqueceram do resto do mundo.

Quando repararam viviam no mundo deles onde mais ninguém tinha lugar e que mais ninguém compreendia. Mas era o mundo deles. Onde mais ninguém cabia.



Sim, viveram felizes para sempre.

2 sakês:

Júlio disse...

Simples, bonito. Resumindo: perfeito imaginário. :)

V. disse...

:)

Quase perfeito... Às vezes temos que pôr uma pitada de real nos imaginários para nos entenderem.


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